É muito provável que o primeiro objeto que você segure ao acordar e o último que segure antes de dormir seja o mesmo: o telefone celular. No entanto, para boa parte dos moradores do interior de Caxias do Sul, ainda é comum esquecer o aparelho no fundo da gaveta.
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Parte 2: Sem sinal de celular, moradores de distrito de Caxias investem na compra de antenas
Parte 3: No distrito caxiense de Criúva, sinal de celular reduz distância entre os moradores
Parte 4: Mudança na lei seria necessária para instalação de novas antenas de celular no interior de Caxias
Mesmo após anos de mobilizações e promessas, a maior parte da zona rural do município segue “no escuro” no que se refere à telefonia móvel. São raros os locais onde o celular pega. Até em áreas onde há estações rádio base (ERBs) — antenas que transmitem o sinal — instaladas, como nos distritos de Fazenda Souza e Vila Seca, só é possível usar o aparelho em pontos específicos. Já em Vila Oliva e Santa Lúcia do Piaí, é preciso sorte — e energia — para alcançar um ou dois pontos mais altos e conseguir uma ou duas barrinhas no aparelho.
Conforme a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), as operadoras não são obrigadas a oferecer o serviço em áreas rurais. Ao mesmo tempo, porém, o celular se tornou meio de comunicação indispensável na rotina contemporânea, até mesmo nas comunidades mais distantes. É daí que surge o impasse.
— As empresas, quando instalam uma antena em áreas mais distantes, analisam a quantidade de moradores, de usuários do serviço, porque nessa visão é um cálculo econômico e ponto final — diz o coordenador do Procon Caxias, Luiz Fernando Horn.
O serviço de telefonia se tornou essencial mas, como é explorado por empresas privadas, a expansão do serviço muitas vezes depende da mobilização dos moradores. Depois de anos tentando sensibilizar o poder público, agora moradores de Vila Oliva tentam a estratégia de mostrar a importância econômica do distrito para pleitear algum tipo de apoio.
O presidente da Associação de Moradores e Amigos do distrito, André Todescato, explica um levantamento da produção agropecuária da localidade está sendo finalizada. O intuito é levar os números ao prefeito Daniel Guerra (PRB), para obter o apoio do município na demanda junto às operadoras para a instalação de uma antena de telefonia.
Todescato, que é dono de uma empresa que produz e vende massas, estima que por ter de usar exclusivamente o telefone fixo, gasta cerca de oito vezes mais na conta mensal do que se pudesse falar do celular:
— Quando estou fazendo vendas, tenho de ficar no telefone o dia todo. Gasto uns R$ 400 por mês, e mais a internet (fixa). Se o celular pegasse, faria um plano ilimitado gastando R$ 50.
A prosperidade que os moradores de Vila Oliva querem mostrar está presente na propriedade da família Novello. Dos 15 hectares na localidade de Flor do Campo, saem mais de 150 toneladas de maçãs, caquis e ameixas por safra, além de outros tantos quilos de hortaliças hidropônicas. Ao mesmo tempo, os produtores dependem de serviços de telefonia fixa e de internet a rádio (caros e instáveis) para se comunicar com clientes e escoar a produção.
— Às vezes, tem que ficar correndo para cima dos morros para tentar encontrar sinal, porque hoje em dia tudo é via telefone. Fica complicado, os compradores às vezes tentam ligar, a gente não está em casa, e não pega o celular — lamenta Leandro Novello, 28, que toca a propriedade com o irmão, Anderson, 23, e os pais.
Devido à natureza das mercadorias, a família vende os produtos de um dia para o outro, na Ceasa de Porto Alegre. A dificuldade de comunicação, porém, dificulta o planejamento.
— Tem vez que meu pai chega lá (na Ceasa) e (os compradores) dizem “tentei ligar, mas tu mora no fim do mundo”. Tem gente querendo mercadoria e tu deixa de levar, é um caos — reclama.
O caso de Vila Oliva é emblemático porque, mesmo na sede do distrito, o sinal de celular não existe. Moradores ainda lembram da dificuldade passada no ano passado, quando a localidade foi atingida por um tornado, e não era possível nem se comunicar para organizar o resgate das vítimas.
— No dia a dia, sempre surge alguma coisa que precisa de comunicação. Nós, no comércio, resolvemos com o fixo. O problema é que, quando saiu daqui, perdeu o contato com o mundo — aponta Leonir Lorandi, 59, dono de um mercado.
— No campo não pega e, às vezes, acontece algum imprevisto e não tem para quem ligar. Tu vai fazer o quê? Ficar lá esperando. Nesse sentido, também acaba sendo perigoso. Nós vemos as operadoras oferecendo tantas vantagens na cidade, velocidade 4G, e aqui não pega nem o básico — complementa a filha Stefani, 24.
O distrito também foi o escolhido como local para a construção de um aeroporto regional devido ao clima favorável e à proximidade com a região das Hortênsias. A infraestrutura para complementar as qualidades naturais do local, porém, engatinha.
— Estamos muito atrasados. Se fala muito em turismo, mas onde está a tecnologia? Se vem um visitante de fora, como ele vai se comunicar com os amigos, com a família? Ele fica abandonado, no meio de uma ilha. É uma frustração — declara o vereador Arlindo Bandeira (PP), que preside a Comissão Temporária Especial em Defesa dos Consumidores da Telefonia em Caxias do Sul.
Para o comerciante Leonir Lorandi, é papel do poder público intervir de alguma maneira no setor:
— As empresas são privadas, querem lucros. Nós somos poucas pessoas, mas a gente gera bastante renda. Essas colônias produzem muito. Acho que o órgão público, a Anatel, teria que dar uma olhada para as pequenas comunidades.