Há exatamente um ano, o distrito de Vila Oliva amanheceu coberto de escombros. Por volta das 2h30min do dia 8 de junho, a localidade foi varrida por um tornado. O fenômeno atingiu cerca de 450 casas e, conforme levantamento da prefeitura de Caxias do Sul, deixou 115 pessoas desabrigadas. Dezoito pessoas ficaram feridas e duas morreram atingidas pelos destroços.
Na manhã daquela quinta-feira chuvosa, centenas de voluntários e servidores públicos da região espalharam-se pela localidade para auxiliar as vítimas. A memória do tornado que havia atingido São Francisco de Paula em março, afinal, era recente. Ao contrário do que acontece na cidade dos Campos de Cima da Serra, porém, a vida parece ter voltado ao normal em Vila Oliva um ano após a tragédia.
— Ficou até melhor do que antes — considera o subprefeito do distrito, Avelino Alves dos Santos.
Conforme o secretário de Obras e Serviços Públicos de Caxias, Leandro Pavan, as doações ao distrito foram tantas que muitas das pessoas que perderam suas casas, que eram de madeira, puderam arcar com novas construções, de alvenaria.
O pedreiro Angelito Siqueira, 31, acompanhou todo esse processo de reconstrução.
— Naquela noite, eu saí de casa às 2h40min e desde então ainda não parei — conta.
Siqueira, que também é morador do distrito, calcula ter ajudado a reerguer 14 casas nesse ano após o tornado. Na última quarta-feira pela manhã, quando o Pioneiro esteve na localidade, ele trabalhava na construção da cerca de uma residência na via principal de Vila Oliva.
— Agora, está praticamente tudo encerrado. Faltam alguns acabamentos, cercas. Praticamente 80% das construções ficaram melhores que antes — calcula.
De fato, à primeira vista, nada demonstra que Vila Oliva foi atingida por um temporal com tanta violência. Tudo parece passar com a tranquilidade característica de uma localidade do interior, que é inclusive conhecida inclusive pelas condições climáticas favoráveis — um dos fatores que motivou a escolha do local para a construção de um novo aeroporto.
Mas basta a chegada de algumas nuvens mais escuras para que se perceba a mudança na fisionomia dos moradores. As cicatrizes deixadas pelo tornado, na verdade, não são físicas, mas psicológicas, e seguem presentes na memória. Confira, a seguir, como está Vila Oliva um ano após o tornando.
Para superar o trauma, a mesma casa
O tornado danificou quase todas as construções do núcleo urbano que ficavam no lado sul, a partir da Igreja de Santo Expedito. Conforme o relato de moradores, tudo aconteceu em um instante, o qual só conseguem descrever pelo som:
— De repente, parecia que uma montanha caiu por cima da casa. Era um barulho que parecia o fim do mundo — lembra o aposentado Adelar Vist, 68 anos.
Adelar estava dormindo com a esposa, Adelina, 65, quando a ventania atingiu a casa. No quarto ao lado, a filha Marli, 39, salvou-se por pouco: com o vento, a parede do CTG Raposo Tavares, no terreno vizinho, desabou e caiu na cama da mulher, que por uma questão de segundos conseguiu deixar o cômodo e se esconder embaixo da mesa da cozinha.
— Era vidro, forro da casa, tudo caindo por cima dos móveis. O nosso quarto pegou menos porque tinha a garagem escorada, que era a única parte que não era de madeira — conta dona Adelina.
A família acredita que escapou por milagre.
— O vento levou tudo. Eu fiquei caminhando no escuro, molhado. Pensei que era só a minha casa, mas quando vi, Deus me livre. As ruas todas trancadas, com fios, postes, e muita chuva. Aí, começou a aparecer gente para ajudar — relata Adelar.
Passado o choque, os dois correram para tentar salvar o que restava. Com lonas, cobriram os eletrodomésticos e montaram um abrigo contra a chuva na garagem, onde Adelar dormiu pelos dias que se sucederam. Em seguida, Adelina se juntou a ele e os dois começaram a reconstruir a casa. Ganharam telhas, janelas, tintas e tijolos para a chaminé. Com a ajuda, Adelar contratou a mesma empresa para reerguer a casa que havia construído cinco anos antes.
— Construí a mesma casa, e pintei da mesma cor. Nós queríamos o mesmo, para não ter mudança — declara.
O trauma de perder tudo do dia para noite abalou a comunidade. Nos dois meses seguintes ao tornado, mais de 50 pessoas participaram de grupos de ajuda na unidade básica de saúde (UBS), onde recebiam auxílio psicológico para seguir em frente.
Para Adelar e Adelina, reconstruir a casa da mesma maneira foi fundamental para restabelecer a vida anterior ao tornado.
— Se eu vejo uma nuvem, já fico com medo. Antes não tinha. Só passando por isso para acreditar numa coisa dessas. A gente vê na TV, mas não pensa que pode passar alguma coisa assim — pondera Adelar.
"Foi um ano de sofrimento"
Dois meses após o tornado, Nair Camelo Daneluz e Aldemiro Daneluz posavam para uma foto em frente da casa onde viviam para o Pioneiro. No fundo, só se via a fundação da antiga moradia, com tijolos e concreto amontoados ao centro. Hoje, dona Nair, 82, já pode mostrar a casa nova, mas sem a companhia do marido. Seu Aldemiro faleceu no dia 1º de abril deste ano. Para a família, ele foi uma vítima tardia do tornado.
— Meu marido começou a ficar doente. Mexeu com a doença (ele sofria de enfisema pulmonar), fomos no médico e acabamos descobrindo que ele estava com câncer. Com o susto que ele levou, com a idade, entrou em depressão, porque achava que não ia conseguir reconstruir a casa. Juntou tudo. Com o susto da casa e a doença dele, foi um ano de sofrimento — lamenta dona Nair, que guarda os momentos da tragédia com incredulidade.
— Começou a cair paredes, janelas... E nós ali na cama. As gurias (as filhas), quando vieram de Caxias, ficaram admiradas de que saímos vivos. Quando vimos, estávamos só com a cama em cima do piso, sem coberta, sem nada. Ninguém calcula isso, se ver em cima da cama, na chuva. Eu tenho ainda o barulho na minha cabeça. Depois ouvi meu neto, com uma lanterna, chamando. Me levaram para a casa do meu genro, pulando por cimas dos postes e dos fios que estavam no chão, até chegar na igreja e pegar um carro para ir para Caxias. Ficamos seis meses morando lá — relata.
Como consolo, a aposentada tem o fato de que o marido chegou a ver a casa reconstruída — com a ajuda de doações, amigos e familiares — antes de morrer.
_ Depois do que aconteceu, ele não saía mais de casa. Por isso, tentamos fazer (a casa) o mais rapidamente possível, para ver se ele se animava. Ele ficou quatro meses. Pelo menos deu para ele ficar aqui _ afirma Loiva, 55, filha do casal.
Em novembro do ano passado, Loiva se mudou de volta para a casa dos pais para cuidar de seu Aldemiro, e acabou ficando. Agora, para as duas, a vida vai aos poucos voltando à tranquilidade. Tanto que, enquanto se aquece na lareira da nova casa com a filha e o cachorro Fred, outro sobrevivente do tornado, dona Nair já consegue falar da tempestade com alguma leveza:
— Se acontecesse de novo, eu não faço mais casa. Acho que ia embora para a praia — brinca.
O DESASTRE EM NÚMEROS
:: O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) não possuía equipe em Vila Oliva, mas, após análise técnica, afirmou que o fenômeno que atingiu o distrito provavelmente foi um tornado. A Defesa Civil sustenta a mesma avaliação.
:: Conforme a prefeitura de Caxias do Sul, 115 pessoas ficaram desabrigadas. Entre elas, 18 feridas e duas mortas.
:: O município contabilizou 61 construções destruídas, entre elas, três escolas.
:: O tornado causou prejuízos econômicos públicos de R$ 3.450.556,66. Cerca de R$ 2,27 milhões relacionados à geração e distribuição de energia elétrica e R$ 1,15 milhões ao sistema de limpeza urbana e recolhimento e destinação de lixo. Estima-se R$ 2,5 milhões em perdas privadas, relacionadas à agricultura.
:: A Secretaria da Habitação afirma que 90 atendimentos foram feitos dentro do perímetro urbano de Caxias do Sul em decorrência do tornado. Em Vila Oliva, foi feita a distribuição de mais de 8 mil metros quadrados de lona, além de outros materiais e auxílio em doação de 11 cestas básicas por mês para algumas famílias, durante seis meses. A Defesa Civil estadual contribuiu com a doação de telhas.