Enimari Brito de Castro, 46 anos, foi diagnosticada com um tumor no útero, tem endometriose e hepatite C. Esses problemas a acompanham desde 2015, quando ela entrou na fila para fazer uma cirurgia eletiva (não emergencial) para a retirada do útero (histerectomia). A operação foi autorizada, mas os médicos cancelaram o procedimento por três vezes porque alegam que ele seria de alto risco. Como o laudo tem validade de um ano, Enimari teve de recomeçar o processo no ano passado.
A peregrinação da auxiliar geral não é rara: hoje, em Caxias do Sul, 4.451 pacientes vivem o pesadelo de esperar por uma cirurgia eletiva. A campeã na lista é a cirurgia-geral, com 1.038 pessoas esperando. A traumatologia, com 826 pacientes, é a segunda mais procurada, seguida pelos procedimentos ginecológicos - caso de Enimari - com 524 mulheres na fila.
Há ainda aqueles que têm indicação de cirurgia e estão com o laudo em mãos, mas ainda não consultaram o médico para marcar o procedimento e não aparecem nas estatísticas. Ou seja, a lista pode ser ainda maior, já que o município é referência para 1,1 milhão de habitantes de 49 municípios para cirurgias de média e alta complexidade.
Na prática, as cirurgias eletivas poderiam ser postergadas sem colocar o paciente em risco. Porém, a longa espera prejudica pacientes que convivem com a dor e, dia a dia, perdem qualidade de vida. Após perder o prazo para primeira intervenção, Enimari conseguiu que uma médica atestasse que a hepatite não impede a cirurgia e teve uma nova histerectomia liberada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no dia 14 de abril deste ano. A operação foi marcada para 6 de junho.
Nesse tempo de espera, ela desenvolveu diabetes, o que pode impedir mais uma vez a cirurgia. Ela também aguarda para os próximos dias o tratamento quimioterápico oral para combater a hepatite.
— Eu já deveria ter sido operada há anos. Fiz todos os tipos de exames. Marcaram a data e depois remarcaram três vezes, porque alegam que é um procedimento de risco. Autorizaram, depois desmarcaram, depois veio a greve dos médicos e, com o tempo, eu perdi a autorização e tive que recomeçar tudo do zero. Os médicos se negaram a fazer a cirurgia porque falam que posso morrer, mas eu tenho sangramento o tempo todo e quero acabar com isso — desabafa.
Demanda cresceu 45%
Além das cirurgias eletivas, também é alto o número de pessoas em Caxias que esperam por uma consulta com médicos especialistas. Seriam 36.736 pessoa na fila de espera para o primeiro atendimento com cardiologistas, neurologistas e ortopedistas, entre outras (veja quadro na página ao lado).
O problema é que a maioria dos pacientes tem doenças que só serão resolvidas após a avaliação do especialista, sendo que ele também poderá indicar a necessidade de cirurgia - e uma nova e complicada fila de espera.
De novo, o nome de Enimari aparece nessas estatísticas. Dessa vez, na busca do parecer de um segundo ortopedista. Após ser submetida a uma cirurgia no joelho em março de 2015, ela segue com problemas na articulação. O aparecimento de um oesteocondroma (um tipo de tumor no osso) obriga-a ainda a usar muletas.
— Os exames mostram que precisaria colocar uma prótese. O primeiro médico que consultei disse que não vai operar o tumor porque tem de ir fundo no osso. Além disso, me afirmou que sou muito nova para colocar uma prótese. Eu tenho coisas para fazer e a lesão está ali. Então, estou na espera de outro médico, porque a dor é muito grande — revela Enimari.
A fila de espera por especialistas não é recente, mas aumentou nos últimos anos. Conforme a Secretaria Municipal de Saúde, no ano passado, eram 26.411 pacientes, e em 2016, 25.298. O crescimento nesses dois anos, portanto, foi de quase 45,2%. Em dezembro de 2012, quando o Pioneiro publicou reportagem sobre o tema, havia 23,9 mil à espera de diagnóstico de especialista (veja na página ao lado).
Dias bons, outros nem tanto assim
Alexandre Griz, 74, diz que passa dias bons e outros nem tanto assim. Ele não espera há tanto tempo por cirurgia se comparado a outros casos. Descobriu a hérnia inguinal há pouco mais de três meses, enquanto limpava o pátio da residência simples no Loteamento Ouro Verde, onde mora há mais de 20 anos. Sentiu uma dor forte e foi levado pelo filho para a UBS Campos da Serra. Em princípio, os médicos suspeitaram de problemas nos rins ou na bexiga. A dor seguia sem diagnóstico até que, após uma ressonância, descobriu-se a hérnia na virilha, que precisa ser retirada. Os papéis e exames foram encaminhados, mas o procedimento ainda não foi autorizado. Por enquanto, a indicação é ficar em repouso e evitar esforço. Com a mão tocando o lado direito do corpo, próximo a virilha, ele conta que às vezes sente muita dor e precisa ficar quietinho.
— Tem dias que eu estou bem, mas em outros, estou entregue e ela (hérnia) me incomoda muito. É fazer qualquer esforço ali fora (no pátio) que eu sinto dor. Estou aguardando, o que eu vou fazer? Tenho um plano de saúde pelo sindicato, mas não tenho dinheiro para pagar a diferença da consulta nem a anestesia. Então, tenho que esperar — desabafa.