Uma publicação no Facebook foi a gota d'água para mães de crianças com deficiência se revoltarem contra a empresa que fornece o serviço de cuidadores para a rede municipal de ensino de Caxias do Sul. Cerca de 20 mulheres formalizaram, na manhã de segunda-feira, reclamações no Ministério Público (MP) contra a Topsul Promoções.
O grupo alega um suposto mau atendimento da prestadora do serviço. A mobilização foi motivada após a publicação de ofertas de emprego na página da empresa no Facebook. O anúncio oferecia as vagas de monitores para aposentados, que poderiam ocupar o "tempo livre e aumentar a renda". Para as mães, a postagem reforça a falta de critério no recrutamento de profissionais para cuidar das crianças nas escolas. O MP ainda não se manifestou sobre o caso.
— Há anos que estamos insatisfeitas, mas a empresa nunca tinha feito algo de forma tão descarada que pudéssemos apresentar para as autoridades e comprovar esse péssimo serviço que ela fornece há anos. A questão nem é pela convocatória ser para aposentados, e sim como a empresa não está nem aí e só quer recrutar pessoas sem qualquer qualificação — relata Manoela Moraes Schmitt, mãe de uma criança que sofre de Transtornos do Espectro Autista (TEA).
Embora os alunos frequentem escolas diferentes, as críticas ao serviço são parecidas. As mães reclamam da retirada de cuidadores sem aviso prévio, da troca frequente dos profissionais e da maneira inadequada nos atendimentos às crianças.
Na página da empresa no Facebook, já não consta o polêmico anúncio, porém, há outros chamamentos para vagas de cuidadores. Em contato com a Topsul, o Pioneiro confirmou que a empresa realiza ao longo da semana processo de entrevistas com candidatos. A empresa deve continuar a fornecer o serviço — por dispensa de licitação — até que até que haja um resultado de um edital atualmente suspenso judicialmente.
De acordo com a Secretaria Municipal de Educação (Smed), todo o quadro de cuidadores estaria sendo alterado pela empresa, confirmando que haverá novo remanejo nos atendimentos. A informação é contestada pelas mães, que consideram a medida prejudicial às crianças.
— Meu filho é autista. No ano passado, ele surtava toda vez que tinha que dividir o cuidador com outra criança. Jogava caderno e gritava por se sentir abandonado pelo cuidador. A Topsul estipula horário de atendimento a partir das 13h30min, mas tem escolas que começam às 13h20min e esses 10 minutos são muito perigosos para algumas crianças. Isso demonstra o descaso do serviço que eles ofertam — critica Liliam Carmem Mesquita.
Um ex-funcionário da empresa, que apoia o movimento, relata não ter recebido nenhuma qualificação no período em que atuou como cuidador:
— Eles só dizem que precisamos ter cuidado com a locomoção e a higiene das crianças. Não cobram qualificação, não fazem capacitação com ninguém — comenta o professor Felipe Vieira Cavalheiro.
Secretaria espera relançar licitação em fevereiro
O processo licitatório para o novo contrato de cuidadores foi lançado no final do ano passado, porém, está suspenso desde 2 de janeiro por determinação judicial. O novo edital prevê oferta extra de 62 profissionais para a rede, além de critérios de qualificação que, conforme é ressaltado pela diretora financeira da Secretaria Municipal da Educação (SMED), Danúbia Sartor, deve garantir atividades de capacitação para os cuidadores.
— Até então, nós fazíamos somente a formação inicial e a empresa contratada fazia o processo seletivo de pessoal. Porém, sempre orientamos aos cuidadores a fazer algum tipo de qualificação durante as férias. O novo edital exige que a empresa cobre a qualificação dos profissionais — detalha Danúbia.
Apesar da demora para definição do novo contrato, ela afirma que nos próximos dias o edital deve voltar a ser lançado.
— Não fizemos às pressas como se alega. Na verdade, fizemos com muito cuidado para evitarmos suspensões, mas infelizmente foi o que aconteceu. Queremos, já nos próximos dias, lançar a licitação para que até as férias de julho possamos redefinir essa situação e não comprometer o andamento das aulas — acrescenta.
"Há quatro anos sofremos com isso"
Em comum, todas as mães abordadas pela reportagem alegaram ter abdicado da vida profissional para cuidar dos filhos. A atenção que dedicam com a condição das crianças é o que elas alegam fazer falta na rede de ensino do município e que, consequentemente, torna mais difícil a própria rotina.
— A quantidade de vezes que sou chamada à escola para alguma situação relacionada ao meu filho inviabiliza que eu me estabilize em qualquer emprego — comenta Lucélia Fontoura, mãe de um menino autista.
— Ele já agrediu a professora, já fugiu da escola, entre outras coisas. Acho que tá na hora de levar esse assunto mais a sério — acrescenta.
Já Liliam Carmem Mesquita ressalta a insuficiência do serviço para o desenvolvimento pedagógico do filho.
— É quase um serviço "faz de conta". A escola não deixa mais auxiliarem meu filho, só querem que ele fique brincando. O último cuidador ajudou muito ele, mas a maioria simplesmente levava ele na biblioteca para jogar joguinhos. Se ele ficava 20 minutos na sala era muito. Deixa de fazer sentido ele ir para a escola, falta um suporte pedagógico e uma empresa séria nessa área — ressalta Lucélia.
Ela reitera, no entanto, não se tratar de um problema apenas da atual administração:
_ Faz quatro anos que sofremos com isso. A secretária mudou, mas a equipe continua a mesma, parece que levam tudo com a barriga. Prometeram prioridade a esse tema e no ano passado alegaram que o edital foi feito às pressas. Levaram um ano para fazer um edital às pressas. Dizer que é prioridade é um termo bonitinho, mas que não é cumprido no papel _ complementa.
Na opinião da coordenadora Programa de Apoio à Diversidade e Inclusão (PADI) da FSG, Claudia Colar Scolari, a reclamação das mães procede. Segundo ela, no entanto, haveria empenho d eórgãos públicos em reformular atendimento a crianças com deficiência em ambientes escolares, o que, entretanto, iniciaria na qualificação de profissionais que atendem a esse público:
— As crianças (com deficiência) hoje são somente integradas e não são atendidas nos aspectos pedagógicos. A intenção do monitor é boa, mas muitos deles não têm conhecimento efetivo da deficiência que atendem. No entanto, se houver o devido preparo, ele pode auxiliar diretamente um professor em aula para que esse aluno absorva todo o aprendizado —ressalta.
"A gente exige o que nos é exigido", afirma diretora da Topsul
Ao ser questionada sobre a publicação polêmica no Facebook, a diretora operacional da Topsul, Cláudia Ferronatto, se disse surpresa com a repercussão.
— Foi (uma publicação) de uma campanha que fizemos no ano passado depois de termos recebido boas avaliações de pais sobre o atendimento de cuidadores mais velhos. Não é uma postagem recente — comentou.
Porém, ao ser informada que as imagens que registram a publicação apontam que ela foi divulgada na rede social na semana passada — e, portanto, excluída posteriormente —, Cláudia sugere que o material possivelmente tenha sido republicado pela equipe de marketing da empresa. Ainda assim, ela contesta a postura das mães dos alunos.
— Achei desnecessário. Principalmente vindo de pessoas que deveriam ser mais sensíveis. Eles tão batendo de frente com outra "categoria" muito importante que são idosos. Estão causando danos morais para uma categoria e isso pode, inclusive dar processo — defende.
Independente da repercussão polêmica, ela afirma que a empresa pretende concorrer e vencer o processo licitatório atualmente suspenso. Também ressalta não temer qualquer cobrança por parte do Ministério Público.
— Não só pretendemos concorrer como também ganhar essa licitação. Se nosso serviço tivesse irregularidades seríamos cobrados, pois somos fiscalizados por diversos órgãos. A gente só exige (dos funcionários) o que nos é exigido. Temos um contrato — conclui.