Uma audiência de conciliação marcada para o dia 26 de outubro é o desfecho judicial mais recente de uma polêmica travada entre associações de moradores de bairros (Amobs) e a prefeitura de Caxias do Sul. O Executivo Municipal pede que os terrenos ou imóveis onde estão 45 sedes sejam devolvidos. Outras 24 passam por estudo.
Nesta segunda-feira, vence o prazo de, pelo menos, 17 Amobs que já foram notificadas em 24 de agosto pela prefeitura.
O período promete ser tenso, já que entidades que não procuraram o poder público para justificar o uso do prédio neste último mês devem sofrer corte de água e luz ainda nesta semana.
— As entidades que nos procuraram e comprovaram o uso terão o prazo para sair prorrogado, já que faremos uma análise do caso. As demais, que já foram notificadas e não nos procuraram nesses 30 dias, terão corte de água e luz. Neste meio tempo, nos preparamos para mostrar por que pedimos as devoluções — argumenta o chefe de Gabinete, Júlio César Freitas da Rosa.
A audiência foi agendada depois de as Amobs ingressarem na Justiça, na sexta-feira. Segundo a prefeitura, sete associações pediram reunião e terão prazo estendido para a negociação do uso dos espaços. Muitos dos presidentes de bairro, no entanto, estão revoltados. Vários prédios das associações foram construídos com dinheiro da comunidade e eles não acham a devolução uma troca justa.
— Nosso centro foi construído em 1989 e tem gente que deu a vida para ter esse centro comunitário. É uma conquista nossa, não vamos abrir mão — reclama o presidente da Amob Jardim Eldorado, Dalvir da Silva Moraes.
A prefeitura divulgou que planeja instalar unidades básicas de saúde (UBS), creches, serviços públicos novos ou que funcionam em prédios alugados. No entanto, boa parte dos prédios das Amobs são pequenos e têm estrutura reduzida, apesar de serem bem localizados.
Por isso, caso o estudo dos técnicos do município — que já deve se iniciar nesta semana — mostre que não é uma boa ideia a instalação de um serviço naquele local, ocorrerá um chamamento público. A ideia é possibilitar que mais entidades disputem o espaço, devendo ocupá-lo apenas quem se enquadrar com o plano do município.
— Eu não posso dar um espaço público a tal entidade e não para outra sem chamamento público. A intenção não é terminar com o movimento comunitário, mas tornar a utilização mais democrática e racional — justifica o chefe de Gabinete.
As intenções do executivo
1) A prefeitura enviou o pedido extrajudicial a 45 associações de moradores (Amobs) e entidades pedindo a devolução dos imóveis. Há alegação de que 43 delas estão irregulares. Outras duas — loteamento Milenium e a sede da União das Associações de Bairros (UAB) – têm documentação que condiciona o uso. A prefeitura alega que esses instrumentos jurídicos permitem ao município reaver os imóveis a qualquer momento.
— É preciso regularizar o que está irregular. Não há pagamento de aluguel, IPTU — justifica o chefe de Gabinete Júlio César Freitas da Rosa.
A prefeitura não definiu como será a entrega das chaves.
2) Ainda que a prefeitura tenha divulgado o que pretende instalar em pelo menos quatro Amobs (Desvio Rizzo, Madureira, Esplanada e Jardim Eldorado), não há projeto para execução nos demais espaços. Isto porque eles ainda não foram avaliados por técnicos das secretarias de Planejamento, Educação ou Saúde. A segunda etapa é avaliar a estrutura de cada Amob e fazer um estudo das necessidades da região, se no bairro há mais carência de uma UBS ou uma creche, por exemplo. No entanto, há estruturas que podem não ser utilizadas pela prefeitura por não estarem em boas condições de uso.
3) Caso a prefeitura não encontre uso ou condições de instalar um equipamento público na Amob, fará um chamamento público que conceda e regre o uso por terceiros. Segundo o chefe de Gabinete, a legislação impede que áreas públicas sejam destinadas a uma entidade sem passar pelo procedimento. No instrumento, a prefeitura deixará claro qual a ocupação que quer.
— Hoje, há um campo de futebol usado por uma entidade e, ao lado, há crianças que não podem usá-lo porque a entidade não deixa. O equipamento é do município, e isso não pode acontecer — afirma Freitas.
Técnicos avaliam qual o melhor uso para os prédios
A viabilidade de instalação de equipamentos ou serviços públicos previstos pela prefeitura em pelo menos quatro Amobs (veja acima) – e divulgados em coletiva de imprensa pelo prefeito Daniel Guerra (PRB) – será avaliada por técnicos das secretarias de Planejamento, Saúde e Educação. Para a instalação de novas UBSs, estão sendo obedecidos critérios das últimas construções, como no Diamantino e no Campos da Serra. Essas duas últimas, por exemplo, têm entre 450 e 544 metros quadrados e pelo menos oito salas. A aplicação do projeto pode ser difícil levando-se em conta que muitas sedes de Amobs têm porte pequeno e, por vezes, foram construídas há bastante tempo.
Por outro lado, a instalação de creches para a Educação Infantil pode suprir um déficit importante do município, que já foi acionado judicialmente pelo Ministério Público por falta de vagas. Com relação aos custos, o chefe de Gabinete, Júlio César Freitas da Rosa, sugere que essas ideias podem ser executadas de duas formas: utilizando-se parcerias com entidades interessadas em prestar esses serviços ou usando da economia ofertada em aluguéis.
— Em determinados locais onde o município paga aluguel, se houver um esforço nosso, em um período de dois anos será possível pagar a instalação de um equipamento público. Porque ele se paga com a economia do aluguel.
Em outros casos, há entidades nos pedindo área pública para oferecer um serviço em parceria com o município — explica Freitas.
UAB segue até despejo oficial
Os prédios da União das Associações de Bairros (UAB) e do Ponto de Cultura, no bairro Exposição, também estão inclusos na primeira etapa das devoluções reinvidicadas pela prefeitura. O aviso extrajudicial foi recebido por membros da UAB no dia 6 de setembro. O prazo oficial, portanto, termina em 6 de outubro.
Para o local está prevista a transferência de serviços públicos como Conselho Tutelar (CT) Sul, Procon e Casa da Cidadania, hoje instalados em salas alugadas na Rua Visconde de Pelotas. A medida geraria, conforme a prefeitura, economia de R$ 10,9 mil mensais com aluguéis.
O presidente da UAB, Valdir Walter, defende que o espaço, nas proximidades do fórum, é sede de oficinas culturais, aulas de capoeira, de informática, do Jornal dos Bairros e sustenta ainda uma cozinha comunitária.
— Nos vamos seguir com nossas atividades (na UAB) até a decisão judicial. Seguiremos firmes. Mais de 70% das Amobs que eles pedem de volta têm estruturas construídas pela comunidade — reclama Walter.
Confira a primeira etapa de obras proposta pela prefeitura para quatro Amobs:
Amob Desvio Rizzo
Estrutura
O prédio abrigava a antiga UBS do bairro. Fica ao lado do atual posto de saúde. Está em más condições de conservação.
Uso atual
No dia em que o Pioneiro visitou, havia uma feirinha de roupas para a comunidade. Uma das salas é usada pela Amob.
O que a prefeitura quer
Como o maior déficit na região do Rizzo é creche, o plano da prefeitura é instalar uma escola infantil no imóvel.
Amob Esplanada
Estrutura
A estrutura da Amob é pequena e bem cuidada. Conta com uma cozinha, um banheiro e uma sala ampla. Fica próximo da UBS do bairro.
Uso atual
É usada para encontros de grupos de alcoólicos, reuniões da Amob e, aos fins de semana, é locada para jantares ou almoços da comunidade.
O que a prefeitura quer
A intenção prévia da prefeitura é instalar no local uma escola infantil. A presidente da Amob diz a ideia é inviável devido ao espaço restrito.
Amob Madureira
Estrutura
A Amob é espaçosa, bem localizada e foi conquista por meio do Orçamento Participativo. É cercada e tem uma praça ao lado.
Uso atual
Idosos usam a estrutura para aulas de ginástica e projetos como o ConViver. Também é usada pela comunidade para a realização de eventos particulares, com cobrança de taxa.
O que a prefeitura quer
Tanto a Secretaria de Educação quando a de Saúde têm interesse no prédio para a instalação de uma cheche ou uma unidade de saúde. A destinação ainda está em análise.
Amob Jardim Eldorado
Estrutura
A Amob foi construída em 1989. É um salão espaçoso. Do lado de fora, foi alvo de vandalismo com pichações.
Uso atual
É usada principalmente para grupos de ginástica da prefeitura e ioga. Também é alugada pela comunidade para a realização de eventos particulares.
O que a prefeitura quer
Deverá sediar o Cras Leste, que funciona em um prédio alugado. A medida representaria uma economia de R$ 3 mil mensais, segundo a prefeitura.