Para 12 moradores do loteamento Cinquentenário II o tempo corre em contagem regressiva. A qualquer momento, nos próximos dois meses, três famílias serão despejadas de quatro moradias erguidas em uma área pública ocupada irregularmente há mais de 20 anos, na Rua Walfrida Versteg. Embora o poder público trate o processo de forma técnica, em cumprimento a uma ordem judicial emitida neste ano, para os desabrigados, a situação é de desespero. Não há qualquer intenção sinalizada pela prefeitura em realocar a maior parte dos afetados pela desapropriação.
Apenas um dos casos irá receber auxílio: encostada, Lúcia Silvana de Andrade sofreu um AVC que paralisou todos os movimentos do lado esquerdo do corpo dela, há cerca de três meses. Hoje, ela se locomove por meio da cadeira de rodas. Forçada a agir após série de apelos da comunidade e da ordem judicial, a Fundação de Assistência Social (FAS) avalia encaminhar Lúcia e os dois filhos para acolhimento junto ao Albergue Municipal ou em uma das entidades conveniadas ao município.
A medida, no entanto, segundo a própria moradora, não é vista como adequada, pois deve dificultar ainda mais a rotina da ex-diarista, que depende de cuidados 24h por dia. É filho Deejan Tadeu de Andrade, 16 anos, quem a auxilia.
A prefeitura está tratando muito mal esse assunto, só querem que nos viremos.
Quando eu vim para cá, há 16 anos, isso era só mato e pedra e foi onde consegui ter a casinha para sustentar os meus cinco filhos. Agora, estou assim, com dois filhos para criar, sem renda, e o município ainda quer tirar o que tenho _ afirma Lúcia.
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Deejan também lamenta a situação. Para se dedicar aos cuidados à mãe, ele parou de frequentar as aulas, mesmo estando matriculado.
– Fico o tempo todo com ela, troco as fraldas, coloco no banho. Não sei se o albergue vai ser a melhor opção – avalia.
Se existe uma opção para eles, aos demais moradores não há alternativa. Em repetidas manifestações, o governo municipal reiterou o passo a passo: no momento em que houver a concretização do atendimento a Lúcia, o processo de desapropriação será executado de forma imediata.
– É muito triste para os moradores perderem suas casas, mas sabemos que aceitariam esse processo de desapropriação se a prefeitura tivesse disposição em realocá-los. Estamos falando de pessoas que vão ficar literalmente desabrigadas, é inaceitável que o poder público cumpra uma ordem dessas sem nem ligar para o que vai acontecer a elas – protesta o presidente da Associação de Moradores Cinquentenário II, Robson Paim.
Moradores pedem sensibilidade à prefeitura
Na última semana, um grupo de moradores e líderes comunitários do Cinquentenário II invadiu o Salão Nobre da prefeitura para cobrar providências para a situação. Em vídeos que flagraram o momento, um homem exaltado aponta o dedo para o prefeito Daniel Guerra e ameaça responsabilizá-lo caso a decisão de despejo resulte em tragédia.
O tom enfático é justificado por Claudionor Tavares Machado pelo pânico que sente diante da perda da moradia. Segundo ele, no passado, foram necessários quatro empréstimos para construir a casa, onde hoje vive a sua irmã, dependente química que necessita de acompanhamento. A família dele, que reside em outra residência do conglomerado, também não tem para onde ir caso o despejo ocorra conforme anunciado.
– O que nos deixa indignados é sermos tratados como grileiros. Não viemos para cá por interesse e, sim, necessidade. Só queremos que a prefeitura se sensibilize, tenha um olhar mais humano para a situação. Não podemos ficar na rua. Não é falta de vontade – lamenta.
Há dois anos e meio desempregado, atualmente o sustento da família é possível por meio da mulher, que trabalha como vendedora e é a única empregada na casa. Duas filhas moram com o casal. Ele também reitera que, apesar de a prefeitura alegar que os moradores não buscaram se cadastrar junto à FAS, em nenhum momento a assistência social dedicou atenção às famílias que residem no local.
– Fizemos um cadastro em 2013. Mas o que eles chamam de cadastro é uma pessoa vir aqui e fazer meia dúzia de perguntas com pressa e ir embora. Nunca perguntaram de fato qual era a nossa situação – conclui.
Já Santa Braga Alves, 72 anos, residia em outra região do loteamento Cinquentenário II quando teve sua casa incendiada em 1997. Sem ter para onde ir, teria sido aconselhada pelo presidente da Amob da época para ocupar o terreno ao lado do centro comunitário, na Rua Walfrida Versteg. Com o passar do tempo, os filhos de Santa deixaram a residência, enquanto ela permaneceu no local. Hoje, vive com um dos filhos, que ajudou reformar a casa e construir um novo anexo, obra que, no entanto, foi interrompida.
Segundo ela, apesar de estarem cientes da vontade da prefeitura em retomar a área, ao longo dos anos moradores tentaram se regularizar, porém o processo não progrediu.
– Sempre pagamos água e luz. Só não pagamos IPTU, porque não nos regularizaram, porque não teríamos problema com isso.
NÃO ENCONTRADO
O presidente da Amob Cinquentenário II da época, que foi quem direcionou os moradores para o local, não foi localizado pela reportagem.