O policiamento comunitário da Brigada Militar (BM) está ameaçado em Caxias do Sul, cidade que recebeu e aprovou o projeto-piloto do programa em 2012 no Rio Grande do Sul. Uma nova lei que passou a regular as parcerias entre a administração pública e organizações da sociedade civil é o entrave momentâneo para a não renovação do convênio. A visão da prefeitura sobre o uso dos recursos municipais, no entanto, é o principal dilema.
Os três convênios atuais, que contam com 72 brigadianos e começam a expirar a partir de setembro, não serão renovados da maneira como estão. A prefeitura justifica que a Lei 13.019, em vigor desde o início do ano, impossibilita a continuidade do atual modelo de parceria com a Conselho comunitário Pró-Segurança Pública (Consepro). Por isso, o secretário municipal de Segurança Pública e Proteção Social, José Franscisco Mallmann, enviou, em 19 de julho, um ofício ao 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM) avisando que a corporação precisa encontrar uma nova forma de receber o recurso. Oficialmente, a prefeitura garante que o recurso continua à disposição.
No entanto, as convicções de Mallmann e do prefeito Daniel Guerra (PRB) não apontam para uma continuidade do policiamento comunitário no futuro. O secretário, inclusive, já admite que poderá não cumprir o terceiro item dos seus "10 mandamentos"– manter e fortalecer o policiamento comunitário –, listados por Guerra no início da administração.
O prefeito também declara abertamente que o governo estadual precisa assumir suas responsabilidades, o que inclui as despesas da BM com combustíveis e auxílio-moradia, atualmente pagas pelo município. Mallmann também considera o atual policiamento comunitário insatisfatório e não vê possibilidade de melhora diante da defasagem de efetivo da Brigada. Ele e Guerra afinam o discurso de que é preciso investir para que a Guarda Municipal se torne uma polícia municipal bem equipada e atuante.
Sem o auxílio, PMs podem deixar de morar nos bairros de atuação
O comando do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM) admite a possibilidade do fim da parceria com a prefeitura e já alertou o efetivo para não contar mais com auxílio-moradia. O major Jorge Emerson Ribas, no entanto, garante que modelo de atuação do policiamento comunitário continuará. O prejuízo, conforme ele, é que não será mais obrigatório aos brigadianos morarem na comunidade do seu núcleo. O primeiro convênio termina em meados de setembro e beneficia 36 policiais. Os outros dois têm prazos maiores (início de 2018 e final de 2018). Assim, os 36 brigadianos restantes continuarão atuando normalmente até as datas estipuladas.
Sobre a nova legislação e o ofício da prefeitura, Ribas afirma que a questão é tratada de maneira formal e foi remetida para avaliação do Comando-Geral da BM e da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP).
– Esses convênios são padronizados pela SSP. A iniciativa era para quem tinha interesse, e as condições são as mesmas em todo o Estado. A partir desta nova informação, encaminhamos o parecer para conhecimento e avaliação em Porto Alegre. O momento é de aguardar – avisa.
Nos próximos dias, a BM irá agendar uma visita ao prefeito Daniel Guerra. Sobre as críticas do secretário Mallmann que a contrapartida do convênio não está sendo prestada da forma devida, o comandante do 12º BPM reconhece a baixa presença dos PMs em seus núcleos, mas lembra o momento de crise na comparação com 2012. Hoje, há menos efetivo e uma demanda maior.
– Não tiro a razão da avaliação, mas gostaria de compreensão. Todos reconhecemos a dificuldade de fazer hoje um trabalho preventivo. Tivemos uma sensível redução de efetivo. Por outro lado, todos temos de contribuir (durante uma crise). Deixar de apoiar o comunitário traz mais uma dificuldade. O convênio também era um estímulo aos PMs – lamenta.
Ribas ressalta que a situação conflitante ocorre justamente após a chegada de 50 novos soldados, o primeiro reforço no efetivo desde o início do convênio. A expectativa era que os novos brigadianos atendessem a demanda por atendimentos, liberando assim os policiais comunitários para ampliar a presença nos bairros.
Nova legislação
:: A Lei 13.019/2014 instituiu normas gerais para as parcerias entre a administração pública e organizações da sociedade civil, algo que não existia. Os convênios existentes até então eram baseados na necessidade e cooperação mútuas. A fiscalizações do cumprimento das parcerias eram determinadas no contrato.
:: Após análise jurídica, a Procuradoria-Geral do Município sugeriu a reavaliação dos convênios da Secretaria de Segurança com Consepro e o Fundo de Reaparelhamento do Corpo de Bombeiros (Funrebom). O apontamento é que, pela nova lei, a parceria entre o município e o Estado pode continuar, mas em outro formato e, preferencialmente, sem intermediários. A recomendação é que o recurso seja repassado diretamente ao Piratini, que seria o responsável por repassar a verba à BM e aos bombeiros de Caxias do Sul.
:: Duas décadas atrás, o Consepro foi criado justamente para garantir que o dinheiro repassado pelo município seria investido na BM do município, em vez de se perder no caixa único do Estado. Neste cenário de recurso direto, o secretário Mallmann aposta que o trabalho de gestão na BM é capaz de garantir a transparência no fluxo da verba investida.
:: A procuradoria admite que a nova legislação não veda um convênio com organizações da sociedade civil, como o Consepro, mas seria necessário um chamamento público. O procedimento tem custos e prazos determinados, o que acarretaria em um período sem o repasse de recursos. A renovação do atual convênio é descartada por ser considerada ilegal diante da nova legislação federal.
:: Atualmente, 72 brigadianos participam do Policiamento Comunitário em Caxias do Sul. Eles recebem um auxílio-moradia de R$ 793,53 por mês para residir nas localidades em que atuam. A intenção do programa é que os PMs conheçam os moradores e as demandas do bairro, realizando um trabalho preventivo. Ao todo, 37 comunidades são contempladas nos três convênios em vigor.