Dois meses depois que um tornado atingiu Vila Oliva, em Caxias do Sul, muitas das cerca de 450 famílias que tiveram prejuízos naquele dia ainda lutam para reerguer ou consertar suas casas. Com ajuda de voluntários ou com mão-de-obra paga, paredes e telhados voltam a dar vida ao distrito que ficou devastado naquela madrugada de quinta-feira. Mas mais do que sofrer com a perda de bens materiais, alguns moradores, mesmo 60 dias depois da tragédia, ainda se mostram abalados emocionalmente. Sintomas, característicos da depressão, por exemplo, estão fazendo com que pessoas não se motivem a buscar ajuda e retomar suas vidas. Alguns terrenos que seguem vazios no distrito são justamente de moradores que, traumatizados ou tristes, não saíram da casa de parentes ou amigos.
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A situação na comunidade chamou a atenção dos profissionais da unidade básica de saúde (UBS) de Vila Oliva, que, com a equipe da secretaria de saúde municipal, criaram um grupo de ajuda logo depois da tragédia. Encontros liderados por psicólogas e assistentes sociais deram a oportunidade para os moradores falarem sobre suas angústias e receberem ajuda para não desistirem de retomar a vida.
– A ideia dos grupos surgiu depois que fizemos um levantamento das necessidades emocionais da comunidade. Muitos perderam tudo o que tinham e que lutaram a vida toda para ter. É difícil para todo mundo dar a volta. A nossa intenção era fazer com que as pessoas voltassem a acreditar no seu potencial de reconstrução e não deixassem a peteca cair – conta a psicóloga Márcia Tartarotti D'Ambrós, do Centro de Atenção Integral à Saúde Mental (Cais Mental).
Márcia afirma que muitos moradores começaram a participar dos encontros de forma tímida, com receio de expor a sua história ou, quem sabe, revelar a sua fraqueza. Com o passar dos dias, no entanto, as conversas em grupo motivaram outras pessoas a participar e os sentimentos, antes de perda e de raiva, começaram a dar espaço para novas emoções:
– Vimos muitos com a sensação de impotência, mostrando insegurança pelo futuro, medo do que viria pela frente. Outros ainda demonstravam um sentimento de pertencimento: mesmo com a casa novamente tomando forma, eles pensavam: "não vou viver nessa casa que não é minha, essa não é mais a minha cama". Agora estamos vendo que alguns que nem falavam muito sobre a tragédia, estão começando a se abrir.
Mais de 50 pessoas participaram dos grupos, que ocorreram semanalmente. Amanhã, uma última reunião pretende encerrar a iniciativa, mas a equipe do postinho e da secretária da saúde seguirá acompanhando alguns casos.
– Algumas pessoas estão apresentando sintomas de depressão agora, dois meses depois do tornado. Cada pessoa reagiu e reage de uma forma. Nossa intenção é dar suporte – esclarece a enfermeira da UBS, Siméia Pereira dos Santos.
Seu Aldemiro emagreceu 20kg e dona Nair luta para eles não desistirem
Não tem um dia sequer que o casal Nair Camelo Daneluz e Aldemiro Daneluz, ambos com 82 anos, não lembre do tornado que passou por Vila Oliva há dois meses. Os momentos de pânico ficaram gravados na memória dos idosos, que precisaram se mudar para a casa de uma das filhas depois que a que eles moravam, na Avenida Gavioli, ruiu.
Na época do temporal, Daneluz já estava debilitado em consequência de um enfisema pulmonar, doença respiratória grave. Com a chuvarada daquela madrugada, ficou horas molhado, deitado na cama, esperando por socorro. A situação se agravou com o passar dos dias, como conta Nair, já que sem poder voltar para casa, o aposentado começou a ficar depressivo. Nos últimos meses, perdeu cerca de 20kg.
– Como não ficar triste, né? Todas as nossas coisas estavam lá, uma história de vida. E o pior é conseguir reerguer, é preciso muito dinheiro. Tem momentos que parece que não vamos conseguir, mas aí criamos forças. Parar não dá – diz Nair.
O casal também participou dos grupos com psicólogas e assistentes sociais na UBS e conta que foi bom dividir angústias e experiências:
– É só andar pela vila para ver que não fomos os únicos prejudicados, mas nos grupos escutamos as histórias dos outros. E ninguém aqui quer desistir.