Para evitar o caos no sistema penitenciário de Caxias do Sul, uma comissão de juízes recomendou a interdição das duas cadeias que abrigam mais de mil apenados do regime fechado. No Presídio Regional de Caxias do Sul, antiga Penitenciária Industrial (Pics), o problema é a superlotação – a ocupação está 153% acima da capacidade. Projetadas para quatro detentos, algumas celas abrigam 16 presos.
Na Penitenciária Estadual de Caxias do Sul, no Apanhador, os magistrados denunciam as precárias condições de segurança: as galerias estão sob domínio dos presos e a administração não tem controle sobre as celas ou acesso aos pátios. A situação do Apanhador foi comparada ao Presídio Central, de Porto Alegre, exemplo da falência do sistema prisional gaúcho.
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A inspeção foi um pedido da juíza Milene Fróes Rodrigues Dal Bó. A titular da Vara de Execuções Criminais (VEC) desejava uma segunda opinião sobre as duas cadeias. A decisão sobre a possível interdição será conhecida hoje. Em interdições de anos anteriores, a Pics, por exemplo, deixava de receber novos presos. A inspeção foi realizada pelo Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, representado pelos juízes Paulo Augusto Oliveira Irion, Sidinei José Brzuska e Sonáli da Cruz Zluhan, que já foi a titular da VEC de Caxias do Sul. Os três magistrados atuam na Região Metropolitana.
– A Pics funciona como uma unidade do interior, está cuidada, oferece estudo e trabalho, e os agentes têm acesso a todas as partes. O Apanhador já é um presídio faccionado, igual na Capital. É uma facção dominando o lugar – aponta o juiz Brzuska.
O caos no Apanhador é provocado pela falta de agentes penitenciários e devido ao modelo de galeria aberta: diferentemente da Pics, as celas não são trancadas e os detentos têm a circulação liberada no pavilhão e no pátio externo.
– A unidade não funciona do jeito que foi projetada. Como funciona? Entregue para os presos. Quem dá as ordens, a partir das grades (da galeria), são os presos. O detento só sai se quiser. Para entrar lá dentro só chamando o Batalhão de Choque (da Brigada Militar) – acrescenta o juiz Irion.
Procurada pela reportagem, a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) afirma que aguarda os resultados e não se manifestará antes de receber um documento oficial. A Susepe ressalta que as inspeções são frequentes e os magistrados cumprem o seu papel. Em agosto, a VEC interditou o albergue do regime semiaberto por questões estruturais, problemas que ainda não foram solucionados. Hoje, os detentos cumprem prisão domiciliar.
PRESÍDIO REGIONAL (ANTIGA PICS)
:: Lotação: a capacidade de engenharia, para detentos masculinos, é de 226 presos. Atualmente, o presídio abriga 572 apenados. Cada cela tem capacidade para quatro pessoas, mas algumas chegam a receber até 17 apenados. Resultado: os presos acomodam-se no chão, embaixo das camas e sobre estrados erguidos acima do vaso sanitário.
:: Estrutura e organização: unidade tem boas condições de higiene, com corredores limpos e sem acúmulo de lixo, a cozinha principal está em bom estado de conservação e limpeza. Há condições razoáveis de trabalho e estudo.
:: Controle dos presos: magistrados também confirmam que os servidores penitenciários têm acesso a todos os setores da unidade, isto porque os detentos ficam aprisionados nas celas, sem livre circulação, respeitando os funcionários, revelando que o estabelecimento prisional é gerido em conformidade com o projeto original.
:: Segurança: não é mencionada.
PARECER
Os juízes recomendam que seja estabelecido um teto máximo de presos nas celas para assegurar que a administração penitenciária continue com o controle do local, permitindo que a unidade controle os presos condenados e provisórios.
PENITENCIÁRIA ESTADUAL, NO APANHADOR
:: Lotação: está acima da capacidade. Tem espaço para 472 presos, mas abriga 537 apenados, o que não é considerado um grande problema.
:: Estrutura e organização: apesar de ter uma construção mais moderna (a obra foi inaugurada em 2008), o complexo está em más condições. Tem até estacas de madeira sustentando o teto em diversos pontos. O esgoto corre a céu aberto e exala forte odor.
:: Controle dos presos: os presos não ficam acondicionados em celas e circulam sem restrição pelas galerias e pátios. Os agentes penitenciários não têm acesso às galerias coletivas, que estão sob o controle dos apenados. Os detentos são retirados das galerias apenas se concordarem. Eles também não estão habituados a presença das autoridades nas galerias. Os servidores penitenciários, por exemplo, não acompanharam os juízes na vistoria das galerias.
:: Segurança: não há servidores penitenciários em quantidade compatível com o número de presos e a guarda externa é deficitária, fatores que representam um risco para a segurança. A situação tem um agravante: a penitenciária está a cerca de 35 quilômetros do centro de Caxias do Sul, dificultando qualquer tipo de reforço de policiais e agentes numa situação de crise.
PARECER
Os juízes salientam que a cadeia deve operar de acordo com a sua capacidade de engenharia, tendo em vista as precárias condições de segurança. Eles também sugerem a expedição de um ofício ao secretário estadual de Segurança, Cezar Schirmer, para que tome providências para aumentar o efetivo de agentes penitenciários e policiais militares.