A cada dois dias, em média, a Polícia Civil de Caxias do Sul registra um caso de desaparecimento de criança ou adolescente. Se engana quem pensa que estes sumiços repentinos têm ligação com sequestros ou outros tipos de crimes: a maioria dos desaparecidos simplesmente fugiu de casa para viver uma aventura amorosa, para fazer festa com amigos, por brigas com a família ou envolvimento com as drogas. Mais: o desfecho das investigações mostra que muitos pais sequer sabem o que os filhos fazem durante o dia ou noite, com quem andam e onde estão.
Na busca desesperada por notícias, as famílias recorrem à polícia, que precisa movimentar agentes, viaturas e abrir inquéritos cuja solução é óbvia. Dos 198 casos registrados no ano passado na cidade, cerca de 99% se enquadram neste perfil. Autoridades policiais, detetives, conselheiros tutelares e psicólogos concordam em uma questão: o principal motivo pelo qual as crianças e adolescentes desaparecem quase sempre é a desestrutura familiar.
– Semanalmente, atendemos pais que desconhecem o básico sobre o filho. Não sabem quem são os amigos mais próximos, qual o número do celular, se tem namorado ou não e quais os locais que frequenta. Já recebi pais que não sabiam o colégio que o filho estudava – relata o delegado titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), Joigler Paduano.
Mesmo que a maioria dos desaparecimentos tenha tido um final feliz, há casos em que o sumiço de um filho também pode terminar em tragédia. Foi o que aconteceu com Érica Fernandes de Oliveira, 16 anos, em 27 de setembro de 2016. A garota já havia sumido de casa outras vezes. Por isso, os pais não deram tanta importância. Só que, um dia depois de sair sem avisar para onde ia e tampouco ser questionada, Érica foi encontrada morta. O ex-namorado foi denunciado pelo crime.
Desfechos como esse, por sorte, são raros, mas servem de alerta: é preciso ter controle sobre, principalmente, a rotina de filhos adolescentes. A idade média dos desaparecidos em Caxias está na faixa de 14 a 16 anos.
– Parte-se do ponto de que menores de idade precisam ser supervisionados sempre. É preciso ficar claro na cabeça dos pais, que eles (os filhos) não devem sair à noite sem um responsável junto, que não podem consumir bebidas alcoólicas e etc – alerta a conselheira tutelar Evandra Pellin.
O delegado também reforça outro ponto: há pais que recorrem à polícia para fazer com que o filho fique em casa. Ou seja, apenas transferem uma responsabilidade que não conseguem exercer entre quatro paredes.
– O que acontece muito aqui na delegacia é a presença de pais que não conseguem segurar o adolescente em casa. Isso não é papel da polícia. Sem contar que temos casos de adolescentes com histórico de fugas e a família não consegue mudar essa atitude. Falta pulso firme – lamenta Paduano.
Pais têm sido negligentes
De acordo com a coordenadora do Conselho Tutelar de Caxias (região Sul da cidade), Evandra Pellin, cada desaparecimento é analisado individualmente, porém, em muitos casos, há formas de responsabilizar os pais pelo sumiço. Ela também cita que a negligência de muitas famílias pode provocar a fuga do menor.
– É nítido que existe uma desestruturação familiar em praticamente todos os casos de crianças ou jovens desaparecidos. Só que antes de responsabilizar algum pai ou mãe pelo sumiço, é preciso analisar todo o contexto – afirma Evandra.
O delegado Joigler Paduano também cita as consequências para quem auxiliar na fuga do adolescente. Conforme ele, a pessoa, seja adulto ou menor de idade, que coagir uma criança ou adolescente a não voltar para casa pode responder pelo crime de induzimento a fuga de incapaz. Além disso, menores de 13 anos que fogem para a casa do namorado pode caracterizar como estupro de vulnerável.
– Existe formas de responsabilizar alguém pelo desaparecimento de um menor de idade nas circunstâncias que não envolvem sequestro, por exemplo. A pessoa que não auxiliar a polícia, que não devolver o menor, pode ser responsabilizado – completa Paduano.
Falta diálogo e pulso firme
Seja por notas ruins na escola, por alguma decepção amorosa ou por influência de amizades, o desaparecimento de jovens que se encaixam no contexto de fuga, gira em torno de um problema familiar. Segundo a psicóloga Elenise Vaccari Knaack, muitas famílias desconhecem a verdadeira função de um pai e uma mãe. Muitos tornaram-se mais amigos do que pais e deixam de lado a parte de dar limites.
– Ser amigo do filho não é ruim, mas é preciso saber quando é preciso ser amigo e quando existe a necessidade de pulso firme. A fase da rebeldia adolescente tem sido cada vez mais precoce. Eles sofrem diversas influências externas e educar apenas na base da confiança não é o correto – alerta Elenise.
A psicóloga também reforça que a falta de diálogo entre pais e filhos provoca um distanciamento na relação. Para ela, esse afastamento também acontece em função da falta de preparo dos pais, que para evitar o estresse preferem não dialogar com filho.
– Agindo desta forma, se cria um total desconhecimento sobre o que pensa a criança ou adolescente, quais as angústias, as vontades e os problemas que estão enfrentando. O que noto é que, justamente pelo afastamento familiar, o adolescente também acaba manifestando rebeldia – explica ela.
A forma de educar o adolescente também tem gerado confusão, conforme conta Elenise.
– Me parece que esse distanciamento tem sido ocasionado pelas famílias que não sabem a diferença entre uma educação agressiva e violenta, de uma educação firme com limites. Quando os pais começam a perceber que estão perdendo o filho, eles acabam tendo atitudes violentas, quando na verdade eles deveriam ser firmes e colocar limites, além de serem mais afetivos – pondera.
Localização de sumidos é prejudicada pela falta de informações dos pais
A detetive particular Andréa Santos, especialista em encontrar jovens desaparecidos, já produziu diversos dossiês para pais aflitos com o comportamento e a rotina dos filhos. Quando chega a hora de entregar o resultado final, torna-se nítida a falta de conhecimento sobre a conduta do adolescente.
– Quando faço o detalhamento da investigação, 90% dos pais se surpreendem. Muitos não tinham ideia do que o filho fazia quando estava longe dos seus olhos. Existem relações que vão muito na base da confiança, mas quando se trata de filhos, é preciso mais atenção – afirma a detetive.
Para Andréa, no caso de desaparecimentos, a falta de conhecimento sobre a rotina do filho, aliada ao diálogo quase inexistente em muitas famílias, contribuem para as fugas e dificulta a rápida localização.
– É difícil afirmar um perfil de jovem que some sem deixar rastros. Hoje, existem muitas influências externas que pode levar à essa condição. O que falta mesmo é um controle maior sobre as ações destes adolescentes. Na verdade, se o pai não conhece o filho, as amizades dele, complica para descobrirmos o paradeiro – pondera ela.
Ainda, conforme a detetive, os pais não devem ter receio de controlar a vida dos filhos.
– Não existe privacidade quando se trata, principalmente, de adolescente, que acha que pode fazer o que quiser e que nada de ruim vai acontecer. Tem que ficar em cima, questionar, saber o que o filho pensa. A rua está perigosa e não se pode facilitar em nada – diz Andréa.
NÃO OS PERCA DE VISTA
- Questione o adolescente sobre onde vai e com quem vai.
- Conheça os amigos mais próximos do seu filho e tenha em mãos os números dos telefones deles e dos seus pais.
- Participe da rotina do filho: saiba o que ele gosta de fazer, se está namorando, como estão as notas na escola. Enfim, conheça seu filho.
- Fique atento às redes sociais: é por este caminho que muitas crianças e adolescentes conhecem e confiam em pessoas de má índole.
- Monitore o que seu filho anda publicando nas redes sociais: divulgar fotos com partes do corpo a mostra atrai o interesse de pedófilos e outros tipos de criminosos.
- Oriente sobre os perigos da rua.
- Mantenha sempre o diálogo com os filhos, independente da idade. Essa atitude pode evitar sumiços repentinos.