O sorriso que Lucas dos Santos aprendeu a exibir sem receios pela vizinhança, no loteamento Mattioda, em Caxias do Sul, ou na Escola Arnaldo Ballve, onde estuda no 8º ano, é o sorriso que satisfaz dezenas de profissionais que, há 13 anos, acompanham o menino atendido pelo Pró-face. O projeto, instituído pelo Hospital do Círculo, é especializado em tratar fissuras palatinas ou lábios leporinos por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Desde 2002, 650 pacientes já passaram pelo programa, de recém-nascidos a idosos que passaram a vida sem procurar o auxílio.
São famílias de baixa renda como a de Lucas _ cuja casa é mantida pela pensão que a irmã Carine, 18, recebe por ter tido leucemia, além dos R$ 300 que a mãe, Claudete, 42, ganha para cuidar de um sobrinho –, que têm no Pró-face a chance de, literalmente, ganhar um sorriso. Isso porque a cirurgia de reconstituição dos lábios/palato custa em torno de R$ 10 mil na rede privada, sendo que chegam a ser necessárias seis ou sete intervenções cirúrgicas ao longo da infância e da adolescência, enquanto o crânio se desenvolve. Um custo muito alto para quem não dispõe de plano de saúde.
– Com um mês de vida, o Lucas já foi encaminhado para a primeira cirurgia, e a última foi há dois anos. Nesse tempo todo, ele recebeu atendimento completo, tanto que ainda frequenta a psicóloga e a fonoaudióloga. Foi muito bom para que ele pudesse levar uma vida normal, mas também uma ajuda muito grande pra mim – comenta Claudete.
A equipe técnica que acompanha o paciente de lábio leporino é multidisciplinar. São cirurgiões pediátricos, plásticos e bucomaxilofaciais, pediatras, fonoaudiólogos, psicólogos, dentistas, nutricionistas e assistentes sociais. Um grupo que, segundo a assistente social e gerente do Pró-face, Ivonete Pontalti, é movido pela possibilidade de devolver a autoestima e encorajar ao convívio pessoas fadadas a enfrentar uma sociedade discriminatória.
– O atendimento envolve um tempo e uma dedicação tão grandes, que é criado um vínculo inevitável entre a equipe e os pacientes. O sorriso deles é também o nosso. Pelo Lucas temos um carinho todo especial, porque foi um dos primeiros atendimentos feitos pelo projeto. A adolescência dele representa a adolescência do nosso serviço – diz Ivonete.
Parceria garante equipamentos
Ao longo dos quase 15 anos de existência, a seriedade com que é feito o projeto Pró-face fez com que a equipe conquistasse apoios importantes, como o da ONG internacional Smile Train (Trem do Sorriso), que contribui com recursos financeiros e treinamento para os médicos. No início deste ano, uma parceria entre o Rotary Club Anita Garibaldi e o fórum de Caxias do Sul rendeu novos frutos para o projeto.
Todo ano, o fórum destina valores oriundos de penas alternativas e transações penais recolhidos ao longo do ano a projetos de entidades sociais e iniciativas de segurança pública. Em 2016, 14 entidades de Caxias do Sul receberam valor pouco superior a R$ 700 mil, após vencerem concorrência através de edital. Uma delas foi o Rotary, que se propôs a doar R$ 10 mil para a compra de equipamentos para o Pró-face.
– Nós temos um cirurgião plástico que abraçou nossa causa, mas tínhamos a necessidade do instrumental cirúrgico para a correção do nariz e do lábio, que é muito específico. Foi esse material que adquirimos com essa verba, além de um gravador digital para ser utilizado nas sessões com a fonoaudióloga – comenta Ivonete Pontalti, gerente do Pró-face.
A presidente do Rotary, Elvira Marcante, salienta que foram dois anos até o esforço para conquistar a verba fosse recompensado através da parceria com o fórum.
– O destino desse dinheiro não poderia ser melhor, porque são médicos muito comprometidos e que fazem a diferença. Nossa ajuda é só uma gota no oceano perto do trabalho que eles fazem – vibra.
150 mil casos por ano no Brasil
As fissuras labiopalatinas, ou lábios leporinos, são aberturas no lábio superior e no palato (céu da boca), provocadas pelo mal fechamento destas estruturas durante a gestação. Além de produzir alterações na face e no arco dentário, prejudicam funções básicas como respiração, alimentação, fala e audição. Embora a ciência não tenha a resposta definitiva para as causas, é aceito que exista uma mistura de fatores genéticos e ambientais, como fumo e ingestão de alguns medicamentos durante a gravidez.
As cirurgias para corrigir as malformações ocorrem ao longo dos primeiros meses de vida, a começar pelo fechamento do lábio e mais tarde o palato, quando a criança está próxima de completar o primeiro ano. A alimentação dos recém-nascidos normalmente se dá pela mamadeira, pois o bebê não consegue fazer pressão oral para sugar o leite. Ao longo da infância, o tratamento é contínuo e envolve principalmente dentistas e fonoaudiólogos, além de cirurgias corretivas.
No Brasil, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) são registrados cerca de 150 mil casos por ano, sendo uma a cada 650 crianças a nascer com a deficiência. Embora seja uma anomalia comum, devido à fala e a estética imperfeitas pessoas com lábio leporino são normalmente vítimas de discriminação, o que faz necessário aliar ao tratamento médico o acompanhamento psicológico. Carinho e compreensão, nestes casos, tornam-se ainda mais fundamentais.