Entre as poucas coisas em comum que podem ter uma menina que abandonou a escola por mau comportamento, uma senhora que só identificou a necessidade de estudar após os 50 anos e um homem que no auge da fase produtiva enfrenta as limitações pelo ensino abandonado na primeira série, parece claro que a autoestima frágil é uma delas.
Ao perceber que a Educação para Jovens e Adultos (EJA) exige mais do que o ensino formal de conteúdos de sala de aula, a Escola Estadual Presidente Vargas, de Caxias do Sul, tem desviado o foco para atividades de apoio psicológico e preparo para o trabalho. E os resultados têm sido promissores.
Leia mais
Aplicativo ajuda a evitar acidentes com crianças esquecidas em carros
Remoção de casas no Vila Amélia II, em Caxias do Sul, é concluída de forma pacífica
Moradores do Cruzeiro, em Caxias, pedem a instalação de sinaleira em esquina perigosa
A baixa autoestima foi um dos sintomas que a direção identificou em grande parte dos mais de 250 alunos de EJA da escola, que é uma das mais procuradas na cidade devido à localização central. Alguns são oriundos de entidades assistenciais, outros chegam através do Centro de Atendimento em Semiliberdade (Casemi).
Diante das dificuldades impostas por preconceito ou pela barreira da baixa escolaridade, muitos desanimam. Para aliviar principalmente a pressão psicológica, desde outubro a escola passou a conciliar o cronograma de estudos com palestras motivacionais, sessões de reiki e oficinas voltadas para o mundo do trabalho, que vão desde a construção do currículo até atividades de treinamento em serviços gerais.
– A gente vê que os nossos alunos são pessoas muitas vezes pouco valorizadas na sociedade, bastante carentes. Por esse motivo nós resolvemos oferecer atividades como o reiki para alguns deles, para trabalhar a questão do autoconhecimento, e também as palestras com pessoas que possam servir de exemplo para eles, por terem conseguido sair de uma situação muito ruim e dar a volta por cima – comenta a vice-diretora da escola, Marli Arrosi de Almeida.
Boa assiduidade
A vice-diretora destaca que outros dois entre os principais problemas detectados na EJA, também começaram a ser minimizados desde o início do projeto que aproxima a escola das necessidades mais urgentes dos alunos: a baixa assiduidade e o frequente uso de drogas fora das dependências da escola.
– São dois problemas que a gente tem muito trabalho para enfrentar, principalmente entre os mais jovens. Além deles terem muitas faltas, o uso de maconha do lado de fora do portão, ou do outro lado da rua, é frequente. A gente sente o cheiro aqui dentro da escola. O nosso objetivo é oportunizar a eles momentos de autocrítica perante a situação e também que possam crescer e da rum rumo melhor à vida – avalia Marli.
O arrependimento de Naiara
Naiara Marques iniciou a trajetória na EJA da Presidente Vargas em março deste ano. Aos 18 anos, perdeu cinco anos de estudo por ter abandonado o colégio aos 13, após muitos desentendimentos com a família por conta do mau comportamento, tanto em casa quanto na escola. Pelo temperamento explosivo, arrumava brigas diariamente. Morando sozinha desde aquela época, aos poucos a vida se encarregou de mostrar que ela estava errada em não estudar.
– Me achava o máximo xingando a professora e batendo em todo mundo, só me arrependi quando comecei a pensar no meu futuro.
Dentro da proposta de oferecer palestras e oficinas aos alunos, Naiara iniciou um curso técnico de Administração em uma instituição próxima à escola. Quando concluir, já tem a documentação assinada para iniciar outro de Inglês. Para manter a vaga, não pode deixar de frequentar a EJA.
– Estou priorizando arrumar um emprego. Sei que está difícil, mas tendo qualificação fica um pouco mais fácil – diz.
Aos poucos Naiara e a família também se reaproximam da reconciliação.
Reiki para superar um trauma
Elisabeth Moura Feijó, 59, estudou apenas a primeira série. No interior de São Joaquim-SC, os pais achavam que saber assinar o nome já era o suficiente, pois o que importava era a filha ajudar no trabalho doméstico. Quando se mudou para Caxias, aos 18 anos, trabalhou como costureira e cozinheira, até passar a auxiliar um dos filho na mecânica que ele abriu. Foi onde sentiu a necessidade de melhorar o conhecimento de português e matemática, além de saber operar um computador.
Tão importante quanto o conteúdo que aprendeu em aula, Elisabeth considera as sessões de reiki, técnica japonesa para redução do estresse, fator determinante para ter aprendido a lidar com o trauma desencadeado por um assalto à sua casa, cerca de três anos atrás.
– A gente é muito materialista. Corre o dia todo e não olha para o lado, não enxerga as pessoas. O reiki nos faz enxergar que não somos máquinas, mas sim seres humanos. Esse aprendizado espiritual faz muito bem. Assim como o EJA ajudou com o meu trabalho, o reiki ajudou com o meu tratamento – diz.