Apontado como o maior assaltante de bancos da Serra, Amarildo Rubinei Moreira, o Véio, acredita em uma nova vida. Aos 53 anos, quer aproveitar a companhia das duas netas e planeja abrir uma empresa de reciclagem. O recomeço fora da criminalidade é construído semanalmente nos encontros da Justiça Restaurativa em Caxias do Sul. Os círculos com outros egressos do sistema penitenciário ajudam a enfrentar as portas fechadas no retorno ao convívio social.
Amarildo já esteve na lista dos 10 homens mais procurados do Estado entre outubro de 2004 e abril de 2005. Ingressou pela primeira vez num presídio em 1981. Dentro dos cadeias, sua conduta era elogiada. Ele não se envolvia nas disputas de facções e trabalhava para ocupar o tempo. Havia, porém, uma exceção: as fugas. Foram várias, mas a mais conhecida ocorreu em 1994, quando ele escapou com outros 36 apenados pelo telhado da Penitenciária Industrial (Pics) de Caxias do Sul.
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No total, Amarildo cumpriu 32 anos de reclusão até progredir de regime, em 24 de agosto. Em prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica, Amarildo participa semanalmente das reuniões da Justiça Restaurativa.
– Ele não perdeu nenhum círculo até agora. É uma participação muito positiva. O Amarildo está muito bem, determinado e influencia os demais. A fala dele mostra uma mudança de caráter. Ele afirma que nunca mais quer voltar para aquele lugar (o presídio), que não é lugar para um pai de família – acredita a facilitadora Cristiane Battassini.
ENTREVISTA
Na segunda-feira, durante um dos círculos de paz no Fórum, Amarildo Rubinei Moreira conversou com a reportagem. Bem vestido e de fala correta, o apenado segue hoje a doutrina evangélica. Ele acredita que a violência atual só pode ser amenizada com um trabalho forte nas comunidades, especialmente com as crianças e adolescentes.
Pioneiro: Por que participa da Justiça Restaurativa?
Amarildo Rubinei Moreira: Poderia seguir o mesmo caminho dos demais, pagar minha dívida com a sociedade, cuidar da minha vida e família. Resolvi participar porque é um projeto que visa a reinclusão de todo egresso para a vida aqui fora. É uma porta que se abriu. A Justiça Restaurativa oferece uma oportunidade de escrever uma nova história. É um norte que encontrei para auxiliar outros. Sou um cara que cumpriu 32 anos de reclusão. Tenho uma experiência para ser repassada. Tenho certeza que posso ajudar na diminuição da reincidência e na orientação de um jovem do Case (Centro de Atendimento Socioeducativa), por exemplo, que não precisa entrar nessa vida que outrora tive.
Como o senhor percebe este crescimento da violência?
Na minha época, a droga não era tão difundida. Não era uma matéria-prima do submundo. Hoje, se tornou algo muito valioso. É uma corrida do ouro. Acredito que precisamos de pessoas empenhadas e apoio da comunidade nestes projetos como a Justiça Restaurativa. Precisamos de trabalhos assim para mudar as estatísticas.
Por que optou pela criminalidade?
Naquele momento, foi a opção que escolhi. Faltava sabedoria. Comecei muito cedo, aos 17 anos. Passei por abrigos de menores e, por isso, acredito que o trabalho precisa mudar lá. Sem um foco, é apenas um preparo para as grandes penitenciárias. Vivi aquele período da minha vida e não tenho orgulho do que fiz. Reconheço e estou pagando. Dada a situação, nunca matei ninguém. Meus crimes foram contra o patrimônio. Claro, ainda são crimes. Não tenho problemas com a Justiça ou com meus companheiros do sistema. Quero auxiliar os dois lados e contribuir com conhecimento e a experiência que tenho.
Qual foi o ponto da sua mudança?
Com o passar dos anos, chega a maturidade e o entendimento necessário. Depois que comecei a me educar, entendi que aqui fora existem mais condições para prosperar e me tornar um empresário bem sucedido, de uma forma correta e organizada. Acredito que estou no caminho certo. Com humildade, respeito e determinação vou conseguir me estabelecer e alcançar objetivos bons.
Como o senhor apresenta a Justiça Restaurativa a outros apenados?
É muito importante que venham participar. Dos círculos surgem um norte para cada um, uma orientação e uma busca por algo. É algo que realmente precisamos ouvir. Quando saímos de lá, estamos desorientados e com aquele pensamento que a sociedade vai nos virar as costas. É de fundamental importância a participação.