Responsável pela maior massa carcerária da Serra, a juíza Milene Rodrigues Fróes Dal Bó, 43 anos, acredita que o debate sobre os presídios precisa avançar. Titular da 1ª Vara Criminal e da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Caxias do Sul há sete anos, a magistrada aponta a falha na ressocialização como ponto central na crise da segurança pública gaúcha. Em sua opinião, o atual sistema reproduz violência e deixa a população acuada.
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Para minimizar o problema, a juíza Milene aposta todas as suas fichas na Justiça Restaurativa e no projeto inédito da Central Integrada de Alternativas Penais. Porém, ressalta que estas opções não irão substituir a repressão penal. A ideia é atuar em sinergia e aprofundar o debate sobre o uso de drogas no sistema prisional, o que dificulta a recuperação de 90% dos apenados.
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Nesta entrevista, a juíza Milene também responde sobre o excesso de trabalho na comarca e a consequente demora nos processos de homicídios, além da polêmica decisão de interditar o regime semiaberto.
Qual a origem da crítica "a polícia prende e o juiz solta"?
Porque, realmente, é o Judiciário que solta. É só o juiz que pode soltar. Mas também é somente o juiz que prende. A frase (a polícia prende e o juiz solta) não é verdadeira. Nos últimos seis meses, tivemos um incremento de seis mil presos no Rio Grande do Sul. Ou seja, o juiz está prendendo muito. Mais do que em qualquer outro momento. Os números do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) mostram que o Brasil é o quarto país que mais prende no mundo, tanto em números relativos (média por população) quanto números absolutos (totais).
Então, qual é o problema na questão?
Há uma grande dificuldade em compreender o papel da pena. Ela serve como uma resposta ao crime. A prisão é por um fato passado. Então, a pena não serve para evitar que outro crime aconteça. A pena é uma resposta ao crime que aconteceu e vai ter cabimento dentro dos limites legais. Passados os limites estabelecidos, a pessoa precisa ser solta e vai ser (determinado) por um juiz. Há esse pensamento em responsabilizar o juiz por um crime posterior (à prisão), mas essa situação não alcança a autoridade do juiz. É preciso compreender que soltar não significa concordar com determinado roubo ou achar que é de menor importância. O que é analisado são situações. Em algumas, não está presente a possibilidade de prisão. Em outras, não terá efeito.
Como melhorar a situação?
As pessoas estão preocupadas com a realidade de insegurança. Estão acuadas e querem uma solução. Nas últimas semanas, me questionaram "essas pessoas que são soltas são perigosas?" Claro que muitas são. Só que há esta questão mencionada anteriormente sobre os fatos pretéritos. Há muitas discussões sobre até que ponto podemos analisar a periculosidade durante a Execução Criminal (cumprimento de pena). Acho que deveria até (analisar mais). Mas, expirada a pena, não há o que ser feito. O juiz precisa soltar ou será abuso de autoridade, cárcere privado ou até tortura. As críticas vêm da necessidade das pessoas por segurança, o que é um direito de todos. Quando não há segurança, é preciso culpar alguém. A polícia foi riscada (da lista) e o juiz virou o culpado. Mas, se a prisão não está funcionando, afinal nunca prendemos tanto e nunca tivemos tanta violência, precisamos de outras alternativas. Em Caxias, estamos dando passos bem consistentes com a Justiça Restaurativa.
Essa opinião é a mesma que, para alguns casos, a prisão não tem efeito?
No Brasil, 90% da população carcerária é negra, pobre e jovem. São homens, na faixa de 20 poucos anos, e boa parte não tem o pai registrado. São pessoas com problemas de drogadição. Então, precisamos começar a pensar nisso. A Justiça Restaurativa discute a drogadição e a reinserção social. "Mas como a senhora tem a ingenuidade de imaginar que uma situação tão grave vai se resolver com conversinha?". Compreendo a crítica, mas não é uma simples conversa. É algo complexo e muito bem trabalhado. Aposto todas as fichas que tenho em mudar esse viés. Mudar o pensamento punitivo, de pura e simplesmente pensar em uma reprimenda penal, que é necessário para muitas situações, porém, para muitas outras é prejudicial. Precisamos mudar a concepção. Não analisar como reprimenda, mas como uma responsabilidade e trazer a vítima para esse conceito. Em algumas situações, é importante ouvir a vítima. Não a vítima do caso específico. Mas uma vítima genérica que fala para vários agressores de roubo, por exemplo, surte efeito.
Um comentário repetido, inclusive por policiais, afirma que a legislação é branda. Qual a sua opinião?
Depende de qual lei. No delito de homicídio, confesso que entendo ser branda. Em um homicídio simples (consumado), a pena mínima é de seis anos, o que considero baixa. A tentativa de homicídio, então, é um terço da pena. Iria para dois anos, o que é pouquíssimo, até ridículo. Se comparar com pena de furto (simples que a mínima é de um ano), é quase pior que tivessem levado o teu crachá duas vezes do que tentarem te matar. Mas, para delitos patrimoniais, como furto e roubo, considero as penas altas. A pena é severíssima quando comparada com outros países.