Lidar com uma realidade que se apresenta bem diferente ao que foi idealizado é um aprendizado difícil para mães que têm de interromper a gestação e dar à luz um bebê prematuro. Os primeiros dias de acompanhamento dos frágeis recém-nascidos costumam ser dias de desânimo e autoestima baixa, em que a mulher não se permite sentir, de fato, a verdadeira emoção de ser mãe. Convivendo com situações dramáticas no dia a dia da UTI Neonatal do Hospital Pompéia, a estagiária de psicologia Josiane Soares, 24 anos, desenvolveu o projeto "Descortinando a UTI Neonatal", que intenciona devolver a mães de prematuros a verdadeira felicidade de criar uma vida.
Descortinar é uma metáfora para abrir o olhar e passar a encarar a UTI sem o receio sugerido pelo ambiente hospital, conforme explica Josiane. O projeto irá compilar uma série de informações que as equipes de enfermagem e psicologia consideram fundamentais para as famílias, e publicá-las em uma cartilha. São informações costumeiramente transmitidas de forma oral, mas que pais e mães não absorvem por conta do nervosismo.
– Muitas mulheres atendidas na UTI Neo nos falam do sofrimento que é ser mãe e não levar o filho pra casa, mas ter de acompanhá-lo em um ambiente extremamente técnico e cheio de aparelhos. Isso gera um erro de comunicação, como se a forma de cuidar fosse agressiva ao bebê. O projeto vem para apresentar o lado humano desse cuidado e da acolhida, de como a nossa equipe e a família podem se relacionar melhor – explica a estudante.
Outra intenção do "Descortinando" é resgatar a autoestima a mulheres que se veem fragilizadas diante da maternidade que inicia de forma inesperada. A forma encontrada para devolver o brilho ao olhar destas mães foi uma sessão de fotos newborn , tipo de ensaio bastante popular em que pais posam para as lentes com seus bebês, às vezes caracterizados como personagens do imaginário infantil.
– Às vezes a mãe tem todo um cuidado com o bebê e esquece da vaidade dela. Entra na UTI cabisbaixa, não se arruma. Ela está ali em um vazio de atitude. "Esse filho é meu? Sou mãe, não sou?. No dia das fotos, ver o sorriso dela, com escova feita nos cabelos, foi muito bonito. Elas finalmente se apropriaram do seu papel de mães – comenta Josiane.
As fotos newborn irão ilustrar a cartilha do projeto, cuja tiragem de 500 exemplares já está patrocinada e deve ser publicada nos próximos meses, dependendo ainda do aval do conteúdo pela chefe da UTI Neonatal, que está de férias.
'Cada gesto dele me emociona', diz a mãe
Antony Miguel nasceu no dia 11 de junho, quando a gestação de Heloá Santos Degasperi estava na 29ª semana (ou 7 meses e uma semana). A notícia de que a gravidez seria interrompida foi um susto que Heloá teve apenas um dia para se preparar.
– Fiz a ecografia numa sexta-feira, e a doutora me chamou no consultório pra dizer que a gente teria de tirar o bebê no dia seguinte, por causa de uma obstrução no cordão umbilical, senão ele não ia resistir. Chorei muito, foi bastante complicado. Não é uma notícia que uma mãe espera receber _ conta.
Na UTI Neo do Pompéia, Heloá acompanha diariamente o desenvolvimento do seu primeiro filho em uma incubadora (aparelho que simula a barriga da mãe para o bebê), das 9h até o início da noite. Para a amazonense de 25 anos, que mora em Caxias do Sul, cada movimento do pequeno bebê é uma emoção que só ela sabe o tamanho:
– Tudo o que a gente passa aqui dentro é muito diferente do que as mães que têm o bebê no tempo normal passam. Ao mesmo tempo que é complicado, a cada dia a gente vê que está progredindo. Chego já com aquela ansiedade de esperar uma coisa melhor. Cada gesto dele me emociona _ diz Heloá.
Heloá foi uma das mães fotografadas com o filho na sessão newborn que irá ilustrar a cartilha do projeto Descortinando a UTI Neo. Para ela, foi um dia tão diferente quanto inesquecível:
_ É muito emocionante, foi uma sensação indescritível. Tão boa que, quando o Antony e eu sairmos daqui, quero fazer outro ensaio.
Fragilidade esconde a força de viver
Mesmo tendo na fotografia de recém nascidos uma parte reconhecida do seu trabalho, a fotógrafa de Farroupilha Gi Franceschet, 25, reagiu com desconfiança ao ser convidada para clicar os bebês da UTI Neonatal do Pompéia em um ensaio newborn. Afinal, até que ponto é possível manusear seres tão frágeis?
_ Fiquei com receio, porque era algo totalmente novo fazer uma sessão com recém-nascidos em uma UTI, com crianças que estão em situação de vulnerabilidade. Mas conversando melhor com a equipe do hospital, vi que havia a possibilidade e seria tranquilo. Fizemos com toda a segurança _ conta.
Enquanto fotografava os três bebês, Gi segurava o choro diante de cenas de tanta beleza e amor pela vida. Mas confessa que desabou em lágrimas quando se viu sozinha:
_ Quando cheguei em casa, chorei. Porque sou mãe, e me coloquei no lugar das mães que estavam ali e não poderiam levar seus filhos pra casa. Quis fazer parte desse projeto para ajudar a trazer conforto para essas mulheres e um novo olhar para a UTI Neonatal.