Com seu tradicional grito de guerra e as encenações emblemáticas recontando de muitas das formas a Revolução Farroupilha, o CTG Ronda Charrua tem deixado a sua marca no Encontro de Artes e Tradição Gaúcha (Enart), que ocorre desde 1997, em Santa Cruz do Sul. Com coreografias reconhecidas pelo público, o grupo adulto sempre lotou o ginásio do Parque da Oktoberfest, gerando curiosidade e tornando-se um dos grupos favoritos do encontro.
No último domingo (17), o CTG conquistou pela terceira vez o título de campeão da competição. A última vez que o Ronda Charrua havia vencido foi em 2013 e, a primeira, em 1990, quando o encontro era chamado de Fegart. Contudo, nesta edição o grupo deixou de lado a reconstituição de fatos heroicos para contar a história da família Fialho e Silva, liderada por Antônio, um patriarca autoritário e rico, frustrado porque não teve um filho homem para herdar seu legado.
A trajetória dos Fialho e Silva foi apresentada por meio dos 50 integrantes da invernada adulta do CTG e, conforme explicou o ensaiador Gian Soares, a ideia deste ano era pegar a plateia pela emoção.
— Queríamos usar a figura da mãe como centro da história, então, para ter um fio condutor criamos a família falando de um pai que era rígido, que tinha uma amargura por não ter tido esse filho homem. Ele não maltratava a família, mas não demonstrava o afeto para com suas filhas e esposa. Então montamos a entrada baseada nisso, apresentando as mulheres e o pai com atitudes rudes com a família — descreve Soares.
O ensaiador conta que na saída da coreografia ocorre o cortejo fúnebre do patriarca e é nesse momento em que ele vê a família "de fora", brotando no personagem o sentimento de pedir perdão à família.
— Na dança mostramos que a mãe tocou a vida em frente, junto com as filhas. Aí, a partir do momento em que ele (Antônio) volta e busca a esposa (Perpétua) no leito de morte, os dois se perdoam e se reencontram na eternidade. A gente queria ir para o lado da emoção e, felizmente, deu certo — explica Gian. Além de Gian, também prepararam o grupo a dançarina Paula Zanco e os instrutores Rodrigo Gil e Ana Morcelli.
Para a patroa do CTG, Miriam Zamboni, que comanda a entidade ao lado do patrão Valdecir Zamboni, a vitória deste ano ficará na história.
— O sentimento é inexplicável, porque há vários anos a gente vem lutando para isso, todas as patronagens antigas que passaram vinham trabalhando para isso e o auge foi agora. Então é um sentimento de dever cumprido, embora a gente queira continuar a trabalhar para os próximos anos, mantendo o alto nível — comenta Miriam.
PRÊMIOS
O Enart 2024, promovido pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), encerrado no último domingo, contou com a participação de 4,5 mil competidores de todo o RS, disputando em 25 modalidades diferentes. Nesta edição o Ronda Charrua levou seis premiações:
- 2ª melhor saída,
- 2ª melhor música inédita,
- Grupo mais popular,
- Melhor indumentária,
- Troféu destaque do ano
- 1º lugar na Força A (dançando as tradicionais Tatu de Castanholas, Meia Canha, 4 Passes e Chico Sapateado)
Trajes ajudam a contar a história
A melhor indumentária do Enart 2024 foi confeccionada a partir de estudos das dançarinas Fernanda Testolin e Gabriela Donatti. Fernanda destaca que para conseguirem contar a história dos Fialho e Silva, baseada nas grandes e ricas famílias dos estancieiros na época da Revolução Farroupilha, foi preciso ir além das danças, trabalhando também nas vestimentas do grupo.
— Fizemos a pesquisa pelos livros disponibilizados pelo MTG e decidimos seguir na ideia dos chiripás (um tipo de bombacha, mas feito de forma mais solta) que remete a época da Revolução Farroupilha, mas focado numa classe social mais alta, dos estancieiros, donos das terras, donos das fazendas — conta Fernanda.
De acordo com Gabriela, a ideia foi trazer algo sofisticado, mas que levasse a identidade de cada um dos integrantes do grupo.
— A gente sabia que queria algo muito bonito, muito arrumado, mas também queríamos que fossem pilchas diferentes, combinando com a personalidade do grupo. E assim a gente foi criando e imaginando como gostaríamos que o grupo se portasse no palco, quais eram os detalhes que deveriam chamar mais atenção nos vestidos das prendas e nos peões a mesma coisa, a gente sabia que queria que eles tivessem uma unidade para ficar visivelmente harmônico, mas que eles também tivessem uma identidade pessoal, então criamos os chiripás diferentes um do outro, cada um tem o seu desenho e com a sua cor — explicou Gabriela.
Além disso, as responsáveis pela indumentária revelaram um pequeno detalhe que fez toda a diferença para cada um dos dançarinos: todos conseguiram representar suas famílias no palco, seja por meio do uso de relógios de bolso dos peões ou dos relicários das prendas.
— Foi uma forma de levar a família, que eu acho que é a coisa mais importante de cada um, para dentro do palco já que a gente abre a mão de tanta coisa para estar aqui. É um detalhe quase imperceptível, mas que fez com que o grupo se sentisse mais acolhido — explica Gabriela.
Estreia no festival aos 41 anos
Por meio da coreografia que conta a saga dos Fialho e Silva é que a dançarina Fernanda Gaviragui, 41 anos, estreou no Enart. Isso ocorreu depois de mais 20 anos de espera e com um adicional: ao lado de sua filha Gabriele, 20, e de sua irmã, Luana, 34.
— Por volta dos anos 2000, quando eu tinha 24 anos, decidi sair do CTG para ter a minha família, mas segui acompanhando. Porém, não pude realizar o sonho de dançar o Enart. Então surgiu o convite para que eu interpretasse a Perpétua e eu aceitei, ainda mais com o tema de família, eu sendo mãe e, o mais importante, dançando com a minha filha e a minha irmã. Nem nos melhores sonhos eu pensei que isso poderia acontecer — descreve Fernanda.