A mais antiga casa espírita em atividade em Caxias do Sul completa cem anos nesta quinta-feira (10). A fundação da Fora da Caridade Não Há Salvação ocorreu em 1924, fruto do pioneirismo de Anna Saldanha, Amância Ramos, Hilda Valieira e Zelinda Brigidi. À época, o centro espírita ficava em uma casa de madeira, próximo à Praça da Bandeira, no bairro São Pelegrino.
Precursora e corajosa, como definem as voluntárias Rosa Festugato, Melania Pan Berra e Dolores Vanin, Anna Saldanha foi uma das precursoras da doutrina espírita na cidade. No início da década de 1920, sendo mulher, solteira, intelectual e estudiosa do espiritismo, enfrentou o preconceito da sociedade na época.
— Quem fundou foi a Anna Saldanha, com mais um grupo de mulheres guerreiras e valentes que a ajudaram a ter essa força para fazer isso — orgulha-se Rosa Festugato, atual presidente do centro espírita.
A história, nestes cem anos, foi escrita por voluntários, sendo sustentada com recursos de doações. Como o próprio nome já sugere, em uma frase dita pelo propagador da doutrina espírita, Allan Kardec, a história da casa se mistura com uma trajetória de zelo e amor para com o próximo.
Em 1940, de acordo com Taísa Festugato, voluntária e pesquisadora da história do centro, os voluntários começaram uma campanha financeira para a construção da sede da Casa da Criança, em um terreno cedido pela prefeitura no bairro Jardelino Ramos.
Caridade é perdoar, ter paciência, o auxílio de uma palavra, de uma oração.
DOLORES VANIN
vice-presidente da Casa Espírita Fora da Caridade Não Há Salvação
Naquela época, cerca de 450 crianças recebiam material escolar, agasalhos, medicamentos, assistência médica e odontológica. No mesmo local, havia também uma escola de corte, costura e bordado, o curso supletivo noturno de alfabetização, uma pequena marcenaria para aprendizes com uma fábrica de brinquedos de madeira, uma biblioteca e espaços para aulas de evangelização e um departamento espiritual, com trabalhos mediúnicos, receituário, passe e estudo. Atualmente, o espaço segue em funcionamento, com um outro propósito.
— A caridade, para nós, não é só dar material. Caridade é perdoar, ter paciência, o auxílio de uma palavra, de uma oração. Então, isso é o que chamamos de "caridade moral". Kardec definiu bem caridade material e moral. A coisa que é mais difícil é a moral, porque a gente tem que tratar bem, saber perdoar, entender o outro da maneira que ele é, como gostaríamos que os outros nos compreendessem — reflete Dolores Vanin, uma das vice-presidentes da entidade e frequentadora há 40 anos.
Apesar de nascer com o nome e a essência da caridade, os voluntários relatam que no passado havia preconceito em torno da doutrina. No século 19, inclusive, o espiritismo era considerado crime no Brasil.
— Percebo que, hoje, as pessoas têm mais noção (sobre a religião). Não têm mais aquela perseguição de uma vez — afirma Rosa.
Atualmente, de acordo com a presidente, são cem pessoas frequentadoras em cada horário do Centro, que está localizado na Rua Pinheiro Machado, 2.015. As sessões de passe ocorrem nas segundas e terças, às 14h15min e, nas terças, quartas e sextas, às 19h15min. No entanto, nem todos os frequentadores são seguidores da doutrina espírita. Muitos, conforme explica Rosa, são curiosos ou simpatizantes.
— A gente respeita a crença de cada um, porque todo mundo sabe que somos filhos de Deus, ele é o nosso criador — explica.
Fatos marcantes
- Em 1932, o nome do centro foi mudado pelos voluntários para homenagear a fundadora, ficando conhecido como Centro Espírita Anna Saldanha.
- Em 1939, durante uma reunião mediúnica (encontro dos trabalhadores espíritas), Anna pediu para que o nome do Centro voltasse a ser Fora da Caridade não há Salvação, nomenclatura que segue até hoje. A partir do pedido da fundadora, em 5 de novembro daquele ano, o centro voltou a ter o nome antigo.
- Em 1936, o centro promoveu a primeira aula de evangelização. Foi no dia 27 de setembro, chamado de aula de catequismo. A professora era Olga Ramos e a turma tinha 15 crianças. Até hoje, as aulas seguem ocorrendo no centro. Um dos voluntários, Gabriel Freitas observa que parte das crianças tem pais de outras religiões:
— A gente trabalha sempre com respeito. Eu percebi, com o tempo que eu estou aqui na casa, que a reforma íntima é a coisa mais importante. Você precisa saber que o próximo é nosso irmão e tem as mesmas necessidades que nós, e a gente está aqui para melhorar — explica.
- Em 1960, outro marco da história do centro espírita. Ocorreu a confraternização de jovens espíritas do Rio Grande do Sul (Conjergs), com a participação de mais de cem jovens.
- Na década de 1990, em função de problemas na estrutura física, o centro passou por reformas. Foi nesse momento que o terreno ao lado de onde já funcionava a Casa foi comprado, na Rua Pinheiro Machado, quase na esquina com a Garibaldi. A reforma foi concluída em 1996, quando foi possível retomar os atendimentos.
- Das conquistas mais recentes, destacadas pela pesquisadora Taísa Festugato, estão a criação da biblioteca infanto juvenil – Dona Mariazinha (em 2001) — e as reformas para garantir acessibilidade no prédio (em 2002), além das obras do auditório no terceiro andar.
- A obra do auditório ficou parada por quatro anos em função da falta de verbas, já que foi viabilizada por meio de doações. Em 2008, a obra foi reiniciada. O auditório foi inaugurado em 2015, com uma peça de teatro que contava a história do Centro Espírita.