A jornalista Kamila Zatti começou a pesquisar sobre a vida da poetisa e líder espírita de Caxias do Sul Anna Saldanha por identificação. Os restos mortais da fundadora do primeiro centro de espiritismo na região, morta em 1931, estão desaparecidos e são tema de uma investigação jornalística para elaboração de uma biografia.
A jornalista já conhecia a personagem por meio da Academia Caxiense de Letras, mas foi um grande quadro com o rosto da poetisa pintado à óleo, fixado no Centro Espírita Fora da Caridade Não Há Salvação, que lhe despertou ainda mais a curiosidade. A decisão de mergulhar na história ocorreu quando Kamila escrevia um livro infantil que continha pontos de referência turística e cultural na cidade.
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Um dos locais era o antigo casarão da família Saldanha, hoje patrimônio tombado na esquina da Avenida Júlio de Castilhos com a Rua Visconde de Pelotas, no Centro. Ao se aprofundar, identificou em Anna um perfil diferente das mulheres do passado. Kamila se desdobra para reunir fragmentos para montar um perfil que possa render uma biografia, pesquisa que já dura um ano.
Embora exista um acervo bastante considerável sobre a família Saldanha, o material armazenado no Arquivo Histórico foi resgatado de sacos e tonéis, como descrevem profissionais que atuaram no setor do patrimônio histórico na década de 1980. Há muitas correspondências em que Anna deixou impresso os seus sentimentos e angústias.
A preservação do conteúdo aconteceu após a morte de Henrique, mais conhecido como Henriquinho, irmão mais novo de Anna e responsável pelo patrimônio da família e administrador da antiga Livraria Saldanha. No andar superior do prédio, existia a moradia da família, local que também funcionou um consultório pediátrico e uma escola. Anna passou a adolescência e início da juventude em Rio Pardo, uma das primeiras vilas do Rio Grande do Sul. A árvore genealógica também incluía a escritora e professora Ana Aurora do Amaral Lisboa, tia de Anna, e Joaquim Pedro Lisboa, idealizador da Festa da Uva.
Com a morte de Palmyra em 1915, Henrique Saldanha e filhos mudaram-se para a Serra e passaram uma temporada em Bento Gonçalves antes de fixarem residência em Caxias em 1918 — a data é divergente, pois alguns papéis apontam a chegada da família três anos antes, outros indicam que a migração ocorreu sete anos mais cedo.
Anna tinha como irmãos Aracy, Maria, Antonieta, Palmira, Odorico e Henriquinho. Assim como o pai, todos tinham forte ligação com a educação, as artes e o jornalismo. Anna e Antonieta, a mais velha das irmãs, fundaram um colégio na livraria do pai, onde lecionavam para crianças. No mesmo local, uma tipografia imprimia os jornais de autorias dos Saldanha. Antonieta também dedicou-se à literatura, mesmo caminho seguido por Palmira, a Didila, que se destacou pela criação das antigas novelas de rádio — chegou a adaptar uma peça da tia Ana Aurora para a Rádio Nacional, no Rio de Janeiro. Além da vida cultural, as irmãs Saldanha criaram o Grupo das Phalenas, responsável por unir jovens de várias famílias tradicionais em torno da organização de festas e bailes nos clubes da cidade.
Afastada dessa agitação, Anna dedicou-se a produzir textos e poesias, alguns publicados por editoras conhecidas, outros recitados em saraus.
— Tem poucos fatos a respeito da Anna. Foi muita corajosa, num tempo em que a mulher era quase nada, era submissa. Nós estamos conhecendo a história a partir desta pesquisa _ diz Liciane Festugato, integrante da diretoria do Centro Espírita Fora da Caridade Não há Salvação.
— Solteira, sem herdeiros, ela distribuiu o pouco que tinha. Sua postura deixa claro a força de suas convicções — complementa Kamila.