“Educadora dos pés descalços”. É assim que se intitula a psicóloga, psicopedagoga e suicidologista Karina Okajima Fukumitsu, graças a uma promessa que fez quando foi acometida por uma inflamação cerebral autoimune que provocou a perda dos movimentos e o esquecimento da ordem alfabética. Ela prometeu que, se melhorasse, ficaria descalça para atender em psicoterapia e para ministrar aulas, cursos e palestras. Com os pés no chão, reverenciaria o fato de estar novamente em pé.
Hoje, Karina é o nome referência em suicidologia no Brasil. O termo e suas aplicações foi ela mesma que trouxe dos Estados Unidos, quando teve contato com a “suicidology”, entre 2000 e 2001, que estuda processos de suicídio e trata prevenção e posvenção, que é o acolhimento a pessoas próximas a alguém que se mata, conceito do psicólogo americano Edwin S. Shneidman (1918-2009).
Karina veio de São Paulo, nesta sexta-feira (27), para uma palestra para funcionários da Marcopolo, onde abordou o tema “Compreensão dos processos autodestrutivos, suicidologia: prevenção e posvenção e estratégias para o desenvolvimento de saúde existencial e de bem-estar". Antes do evento, a palestrante concedeu uma entrevista para o Pioneiro. Confira:
Como desenvolver a saúde existencial e de bem-estar?
O suicídio é um ato definitivo para um problema temporário. Sendo assim, o meu objetivo ainda não é evitar suicídios, mas ajudar as pessoas a lidarem com os problemas que elas julgam que não sejam temporários. Quando eu estava com a inflamação cerebral, eu comecei a tentar entender quais são os fatores principais de proteção para a gente driblar essa questão do sofrimento existencial. Então, cunhei esse termo saúde existencial como um antídoto, como quase uma oposição da pessoa encontrar na saúde existencial a dignidade e o propósito de existir. Propósito a gente não dá, sentido de vida também a gente não dá, mas o que acontece na saúde existencial é um fortalecimento das pessoas como elas são.
Nisso, as pessoas também devem compreender a importância de compreender os processos destrutivos?
Eu acredito que todo mundo se autodestrói. Eu fui aprendendo com a minha doença também, que a gente precisava zelar por um cuidado vigilante em relação a esta existência. Então, por isso que é importante que a gente entenda que não é da noite para o dia que a gente vai mudar os processos autodestrutivos, porque podemos cair em outro termo que eu cunhei, que é processo de “morrência”, que é um definhar existencial, uma complexidade de comportamentos autodestrutivos cujo ápice é o suicídio. A gente precisa aprender habilidades, não de matar aquilo que está nos incomodando, mas se afastar e se distanciar daquilo que desencadeia dor.
O suicídio responde por cerca de 14 mil registros todos os anos no país e, a cada dia, em média, 38 pessoas tiram a própria vida. Esse número tem aumentado entre crianças e adolescentes também. O que explica isso?
A gente precisa dar cada vez mais espaço para o sofrimento humano. Muitas vezes eu falo que os processos autodestrutivos e o suicídio são um ato de comunicação de uma dor sentida e não consentida. Está tudo bem você estar entristecido, com raiva, e que você tenha espaço, inclusive, para ser quem você é, porque isso faz parte de um ser humano. As pancadas da vida não são poucas, todo mundo sofre. Temos que desencadear, principalmente nos jovens, essa oportunidade deles se desenvolverem enquanto seres viventes.
Nesta semana, ocorreu o primeiro suicídio assistido em cápsula na Suíça, o que causou muita controvérsia. Qual sua opinião?
São fenômenos e são mortes diferentes. Porque o suicídio assistido, embora tenha o mesmo nome suicídio, aqui no Brasil não é permitido, até porque é crime você autorizar e instigar alguém a se matar. O que aconteceu nesse caso, num país que já existe uma autorização e toda uma cultura de uma morte com dignidade, que a gente precisa estabelecer conforme as normas e as regras culturais de cada país. No caso, onde houve esta liberação, existiu um consentimento, tanto familiar quanto da própria pessoa. Então, neste caso, a gente pode entender, é uma morte que está totalmente consentida graças a toda essa perspectiva cultural deste país.
Como podemos identificar uma pessoa em sofrimento e o que fazer para ajudar?
A primeira coisa é a gente observar os sinais de alerta. A gente tem, no contexto da suicidologia, os sinais verbais, diretos e indiretos, e comportamentais, diretos e indiretos. Sinais diretos e verbais é quando a pessoa fala que quer morrer, que quer sumir, que quer esquecer que existe. Os indiretos é quando a pessoa fala que irão sentir sua falta, diz que é um fardo e que dá muito trabalho. Importante lembrar que nem todas as vezes as pessoas dão os sinais. Os sinais indiretos comportamentais englobam depressão, desamparo, desesperança. Mudança abrupta de comportamento, transtorno mental associado com tentativas prévias. Já os sinais comportamentais diretos são a tentativa de suicídio, ligar para algum conhecido se despedindo. Um outro sinal de alerta que é importante é o isolamento. Qualquer estranhamento, precisamos falar que estamos percebendo, pedir para as pessoas contarem o que tem acontecido. Eu tenho uma frase que eu falo, que é quem está longe, julga, e quem está perto, compreende. Outra frase que eu tenho é suportaremos a dor com atos de amor.
Organizações atentas aos colaboradores
A Marcopolo conta, desde 2019, com um programa chamado Psico Apoia, que é oferecido aos colaboradores que estejam passando por alguma situação de sofrimento, seja por luto, drogas, separação, etc. O apoio é realizado por psicólogos internos e externos que atendem os funcionários. Conforme o diretor de Recursos Humanos da empresa, Caio Doi, iniciativas como essas fazem a diferença na vida dos funcionários e familiares.
— Quanto mais preparados estivermos dentro da empresa, mais a gente ultrapassa as barreiras do portão da empresa e vai estar na sociedade, vai estar na comunidade. E, nessa busca de prevenção, devemos estar atentos e entender quais são os possíveis sinais que uma pessoa com ideação suicida pode transmitir, seja aqui no trabalho ou na família, dentro de casa — comenta Caio.
Segundo o diretor, iniciativas como essas servem de exemplo para outras organizações.
— Devemos trazer luz sobre esse assunto, que é um tabu, que é muito delicado. Esse tema deve ser colocado em cima da mesa e não varrido para debaixo do tapete. A ideia é gerar consciência sobre a prevenção.
***Se você estiver passando por um momento difícil, procure o Centro de Valorização da Vida (CVV), que oferece atendimento gratuito e sigiloso por telefone (no número 188) e por e-mail ou chat no site, clicando aqui.