Um dos pensadores mais requisitados a refletir sobre a sociedade e seus movimentos, Luiz Felipe Pondé tem sido cada vez mais procurado também para dar palestras como a que o trará nesta terça-feira a Caxias do Sul.
A convite do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico (Simecs), o filósofo e escritor trará suas reflexões sobre trabalho e saúde mental para a quarta edição do Transforma, a partir das 13h30min, no UCS Teatro. O evento é voltado para associados, porém com venda de ingressos para o público em geral (confira o serviço no quadro).
Em entrevista ao Pioneiro, o filósofo comentou que a psiquiatria do trabalho deve ser uma evolução natural da medicina do trabalho, numa realidade em que o estresse e a ansiedade nas equipes antagonizam com a produtividade necessária e pretendida pelos patrões.
Sem acreditar em soluções possíveis numa realidade em que a saúde mental virou um grande mercado, o autor de livros como Marketing Existencial (2017), A Era do Ressentimento (2019) e Você é Ansioso? (2020) não hesita em colocar o dedo nas feridas do sistema capitalista nas respostas a seguir:
Pioneiro: Sua palestra em Caxias tem como tema “O Futuro e suas escolhas: a relação entre saúde mental e trabalho”. Pode antecipar um pouco sobre o que será abordado?
Luiz Felipe Pondé: Vou esclarecer um pouco sobre como a gente pode pensar num futuro próximo sem pagar de guru ou cartomante. Que método se pode utilizar para fazer qualquer tipo de afirmação sobre um futuro próximo, dentro de cinco ou 10 anos. Dentro disso, entrando no caso mais específico do mercado da saúde mental, falar sobre qual sistema de causa e ação desta realidade nas relações sociais, sejam elas de trabalho ou familiares, e se é possível que haja uma reversão. Não havendo esse indício, o que pode haver é o quadro seguir semelhante ou mais radicalizado. Minha hipótese é a segunda, de que não há nenhum indicativo de que esta situação de sofrimento mental e da sua consequente mercantilização irão melhorar nos próximos anos.
Pioneiro: Por que o senhor não enxerga essa possibilidade de melhora num futuro próximo?
Pondé: Porque o sistema de vida não vai mudar. As pessoas vão continuar tendo de produzir muito, tendo de entregar resultado, vão continuar sofrendo pensando em competição e tendo insegurança nas suas relações afetivas. Isso responde, em grande parte, pelo sofrimento que se observa nos ambientes de trabalho e familiar, do ponto de vista sociológico. E isso não vai mudar porque as famílias vão continuar agonizadas, as crianças vão continuar solitárias, uma vez que as famílias não irão de repente passar a ter mais filhos, e todo esse arranjo de instabilidade mental, que foi dar neste mercado de cada vez mais diagnósticos, mais tratamentos, mais remédios, vai fazer surgir ainda mais players buscando investir e lucrar em cima disso.
Pioneiro: O tema da saúde mental está cada vez presente mais dentro das empresas. De alguma forma isso também é uma manifestação deste mercado?
Pondé: Todo esse conjunto de players serve para tangenciar riscos de passivos jurídicos. As empresas se pelam de medo, e por isso querem se cobrir com atestados, exames, diagnósticos, documentos…foi isso que virou mercado. E, depois que vira mercado, só é possível segurar se parar de dar dinheiro.
Pioneiro: Isso, de certa forma, também ajuda a maquiar uma busca cada vez maior por produtividade, em que as equipes sejam cada vez mais capazes de fazer mais, com menos?
Pondé: Uma razão pela qual eu digo que esta situação não vai mudar é porque ninguém descobriu uma forma melhor de produzir a riqueza que todo mundo quer, do que o método capitalista. Sem dúvida nenhuma, a empresa mira o objetivo de aumentar eficácia, produção e entrega. Como isso tudo é ansiogênico e significa pressão, a empresa precisa demonstrar que está preocupada com a saúde mental do funcionário. Mas,ao final do dia, o que o funcionário precisa é entregar o resultado que a empresa cobra.
É importante pontuar, no entanto, que o mundo corporativo está muito preocupado com a sua própria ansiedade. Sei disso porque me pedem muito para falar sobre isso. E, como quem me convida sabe que eu não enrolo, nem dou discurso para fazer amigos, acho que há um indício de que alguém entendeu que é preciso olhar para a saúde mental no trabalho de uma forma real e concreta, como quem olha para um recurso econômico. A saúde mental também é um recurso real econômico.
"É preciso olhar para a saúde mental no trabalho de uma forma real e concreta, como quem olha para um recurso econômico. A saúde mental também é um recurso real econômico"
LUZI FELIPE PONDÉ
Pioneiro: Quais as aflições que a classe empresarial manifesta?
Pondé: O medo de adoecimento dos colaboradores é o tema principal. Porque isso implica desorganização do processo, implica risco de passivos. Basicamente, a ansiedade no ambiente de trabalho impõe riscos ao processo de produção e entrega. Porque a empresa é uma máquina pragmática de resultados. Isso ninguém mente, e ela tem que ser isso mesmo. Mas quando você começa a ter muita gente sofrendo, além do fato disso ter virado um mercado, isso leva a empresa a abrir mais departamentos de psicologia, de diagnósticos, que vão tangenciar estes fatores.
"Sendo a empresa uma máquina de lucros, a saúde mental faz parte disso. É muito difícil separar uma empresa da intenção de produção. Por isso a preocupação, no fundo, é aumentar o controle de danos. Não tem como ser diferente, senão ela não cumpre a missão dela"
LUIZ FELIPE PONDÉ
Assim como as empresas absorveram o que passou a se chamar de medicina do trabalho, agora a gente vai passar a ter a psiquiatria do trabalho. Já tem congressos gigantescos sobre isso, grupos que investem nisso, profissionais especializados. Sendo a empresa uma máquina de lucros, a saúde mental faz parte disso. É muito difícil separar uma empresa da intenção de produção. Por isso a preocupação, no fundo, é aumentar o controle de danos. Não tem como ser diferente, senão ela não cumpre a missão dela.
Pioneiro: Pensar nas questões que envolvem saúde mental e trabalho remete à Sociedade do Cansaço, em que somos sufocados pelo excesso de discurso de positividade…
Pondé: Byung-Chul Han (filósofo sul-coreano, autor do livro Sociedade do Cansaço) teve uma intuição muito boa ao transformar a Sociedade do Cansaço numa forma de interpretar a sociedade. A ideia de que a gente vai adoecer pelo positivo, ao invés do negativo, isso está em toda parte. É a própria alma das relações de trabalho e das relações cotidianas: tudo tem que ser interessante, tem que ter inovação, tem que mostrar que é sempre jovem, que você quer ser sempre mais. Isso é uma condição humana que o século 20 criou e que o século 21 vai pisar na jaca sem dúvida nenhuma, é ao transformar isso num sistema social. E o que a gente já está vendo é o próprio cansaço virando mercado, com um monte de gente que já passou pelo burnout virando palestrante e escrevendo livros.
SERVIÇO
O quê: 4ª edição do Transforma
Quando: Dia 13 de agosto (terça-feira), das 13h30 às 17h
Onde: No UCS Teatro, bairro Petrópolis, em Caxias do Sul
Inscrições: Gratuitas para associados; público em geral: R$ 250 (após a inscrição gera o boleto). Inscrição pela agenda no site simecs.com.br
Programação:
13h - Credenciamento
13h30 - Abertura do evento
13h50 às 14h15 - Palestra visão governamental
Margarete Maria Gandini - Diretora do Departamento de Desenvolvimento da Indústria de Alta-Média Complexidade Tecnológica do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC)
14h15min às 14h25min: Sessão de perguntas
Mediação: Gustavo Polese, Vice-presidente Administrativo-Financeiro do Simecs
14h35min às 16h - Painel Perspectivas de Mercado
Roseane Campos - Membro da Mentoria Agro SAE BRASIL
Paulo Moraes - vice-presidente da Scania
Edelweis Ritt - Diretora de Negócios, Pesquisa e Desenvolvimento da Ceitec S.A
Mediador: Ruben Bisi, Vice-presidente Relações Institucionais do Simecs
16h15min às 17h15min: Palestra Luiz Felipe Pondé
17h15min às 17h30min: Sessão de perguntas
Mediação: José Paulo Medeiros, Vice-presidente Relações de Trabalho do Simecs
17h35 às 17h40min: encerramento