O Centro de Formação Profissional Murialdo (CFPM) celebra no mês de agosto seus 25 anos de atuação em Caxias do Sul. Nesse tempo, mais de 2 mil aprendizes foram inseridos no mercado de trabalho — atualmente, 180 adolescentes e jovens estão matriculados nos cursos profissionalizantes de gestão em vendas e atendimento e auxiliar administrativo com competência para estoque que ocorrem na Rua Flores da Cunha, no Centro, local onde por 24 anos funcionou a Casa Lar Murialdo.
Matriculados e frequentando os cursos, os adolescentes podem ser contratados por empresas de grande e médio porte, em regime especial de trabalho, como aprendizes, proporcionando, também, o recebimento mensal de meio salário mínimo e vale-transporte durante o período do curso.
Para ser Jovem Aprendiz Murialdo os adolescentes devem ter entre 14 e 17 anos e estar frequentando no mínimo a 8ª série do Ensino Fundamental em escolas da rede pública ou bolsistas em escola particular. O processo seletivo é divulgado anualmente, onde os interessados preenchem uma ficha de inscrição online e enviam toda a documentação necessária. A prioridade de atendimento é para aqueles em maior situação de vulnerabilidade social. Quando o jovem garante a vaga, então, começa a busca por empresas cotistas.
Conforme a coordenadora do Centro de Formação Profissional Murialdo, Cheila Maria da Silva, atualmente, 80 empresas vinculam os 180 jovens matriculados como menor aprendiz. A carga horária é de 800 horas, divididas entre teoria e prática, totalizando 10 meses de curso. A coordenadora reforça que os cursos abordam tanto a formação técnica profissional quanto a humana e cidadã.
— Existe uma atividade específica, que é o projeto de vida individual de cada um deles. Nós entendemos que, para esses jovens que estão aqui, esse é o primeiro acesso num local com características de trabalho. Nós temos que vencer várias questões, como compreender o contexto social de cada um deles para trabalhar aqui na instituição — explica Cheila.
O Centro Profissional Murialdo teve uma segunda sede entre 2019 e metade de 2023, no bairro Santa Fé, e contou com cerca de 90 adolescentes. Cheila destaca, porém, que, devido à pandemia da covid-19 e algumas desistências dos jovens matriculados, o serviço no Santa Fé acabou sendo descontinuado e os adolescentes transferidos para a unidade do Centro.
A crença no potencial de cada jovem
Cheila está há 15 anos no Centro de Formação, ela começou sua trajetória na Ação Social, que engloba o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. Desde 2014, atua como coordenadora. O trabalho a deixa orgulhosa pois ela entende e aprende muito com os jovens:
— Eu acredito muito que esses jovens têm um potencial enorme. Alguns são egressos de medidas socioeducativas ou vieram de serviços de convivência e fortalecimento de vínculo. Então, há uma série de questões sociais envolvidas. Muitos vêm de periferia e, às vezes, por esse motivo, encontramos uma dificuldade de eles ingressarem no mercado de trabalho ou mesmo em cursos de aprendizagem profissional.
A coordenadora destaca como imprescindível respeitar a individualidade de cada jovem para proporcionar um espaço de mudanças. A equipe, composta por instrutores, educadores sociais e oficineiros, juntamente com a assistência social, movimenta não somente os jovens, mas também as famílias de cada um deles. Para Cheila, é um "trabalho de formiguinha", mas que tem um resultado positivo.
— Muitas vezes a gente brinca que nós temos aqui a "pedagogia do corredor". Nós conversamos em determinados momentos com o aprendiz, quando ele expressa coisas pontuais que estão acontecendo e que nós percebemos. Assim, conseguimos identificar e fazer esses acompanhamentos mais individualizados. E eu acho que isso faz toda a diferença na vida de cada um deles. E, para mim, é uma realização — orgulha-se.
O primeiro contato com o mundo do trabalho
Os sentimentos de felicidade e gratidão estão estampados nos rostos dos jovens Emanuele dos Santos Bobô e Marco Antônio da Silva, ambos com 17 anos. Os adolescentes frequentam o Centro de Formação Profissional Murialdo e estão atuando no mercado de trabalho como menores aprendizes.
Emanuele conheceu o projeto quando ainda frequentava a Ação Social Murialdo no bairro Santa Fé, onde reside. Se inscreveu para o curso de administração com competência para estoque e, desde 2023, está no Centro Profissional. Hoje, após ir atrás de muitas empresas e realizar diversas entrevistas, se orgulha em dizer que é jovem aprendiz de um hospital de Caxias do Sul.
— Aqui eu me formei como ser humano. Porque eu aprendi e continuo aprendendo muito. Os professores nos ensinam valores profissionais e pessoais. Está sendo uma fase muito importante da minha vida, e que eu aproveito muito — conta Emanuele.
Estudante do 2º ano do Ensino Médio da Escola Santa Catarina, ela já tem planos para o futuro. Apreciadora de história e política, quer estudar Relações Internacionais.
A mesma determinação de Emanuele também é percebida em Marco Antônio. Aos seis anos, o rapaz já frequentava o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos no Murialdo Santa Fé. Na adolescência, buscou seu lugar no mundo do trabalho. Em 2023, começou a cursar gestão em vendas e atendimento no Centro Profissional Murialdo e hoje trabalha em uma empresa de móveis.
Morador do bairro Vila Ipê, Marco Antônio é estudante do 2º ano do Ensino Médio da Escola Clauri Alves Flores. Engajado nas causas sociais, o jovem hoje é Delegado Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e participa ativamente dos conselhos municipal, estadual e nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Experiência que o fez sonhar em seguir, no futuro, na área de políticas públicas:
— O Centro Profissional Murialdo representou um divisor de águas de uma pessoa que era imatura e uma pessoa que aprendeu que teria que se tornar mais madura para a vida adulta. Foi aqui onde eu separei quem eu era e quem eu queria me tornar no futuro.
Formações para além da vida profissional
O padre Joacir Della Giustina, 72, chegou em Caxias do Sul em 1987. Foi diretor do chamado Centro Técnico Social, que tinha, à época, um programa de atendimento a crianças e adolescentes que se encontravam em situação de vulnerabilidade social, onde eram atendidas 40 crianças. Aos poucos, o número foi aumentando para 60, 80 e depois para 120 crianças. Todas elas, segundo o padre Joacir, tinham também o direito de estudar no Colégio Murialdo, como bolsistas.
— Nós percebíamos, entretanto, que as crianças e os adolescentes, depois dos 14 anos, não tinham outra oportunidade ali dentro do Centro Técnico, pois terminava o programa. Então, nós pensávamos que teríamos que criar algum tipo de programa que os preparasse profissionalmente para o mercado de trabalho, porque conseguir o primeiro emprego sempre foi um desafio — relembra.
Foi nesse contexto que surgiu a ideia da criação do Centro de Formação Profissional Murialdo, que destinava certificado pelo Centro Técnico Social, com apoio do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica).
— Fazer o bem e fazê-lo bem feito é cuidar bem de crianças e adolescentes até que eles consigam dar o primeiro passo rumo à profissionalização — afirma o padre Joacir, que hoje dirige o Colégio Murialdo de Porto Alegre, da Associação Protetora da Infância.
O supervisor da Ação Social Murialdo, que engloba o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos e o Centro Profissional Murialdo, Elo João Back, 65, também conhece a história do projeto desde o início. Naquele tempo, segundo Back, existia o chamado semi-internato, que acolhia os meninos junto ao Colégio Murialdo. Porém, havia uma lacuna:
— Se preparava para a vida, mas não para a vida profissional, para criar uma autonomia. Então, se criou, dentro dessa perspectiva, o Centro de Formação Profissional. Foi esse o começo para se formar, de fato, profissionais para o mundo do trabalho. E o Instituto Leonardo Murialdo apostou nesta nova proposta.
Hoje, a função de Back é dar condições para o bom andamento das atividades, tanto do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, como do Centro de Formação Profissional. Nessa trajetória de 25 anos, ele desenvolveu os trabalhos de auxiliar dos religiosos, coordenador da formação humana e cristã, coordenador de disciplina, orientador educacional e coordenador dos serviços de convivência e fortalecimento de vínculos.
— Eu me realizo profundamente, porque podemos ver o desenvolvimento das crianças. Os Josefinos de Murialdo, desde a sua origem, continuam a obra de cuidar de crianças e jovens. Encontramos, hoje, muitas pessoas que passaram por nossa instituição, especialmente pelo Centro de Formação, realizados profissionalmente — reitera.
Mais de 80% dos jovens aprendizes contratados em Caxias
A Lei do Aprendiz, de 2000, diz que as empresas de médio e grande porte, seja de qualquer natureza, são obrigadas a empregar número de aprendizes equivalente a 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.
Conforme a auditora fiscal do trabalho e coordenadora da aprendizagem no Rio Grande do Sul, Denise Natalina Brambilla González, atualmente, 1.703 empresas de médio e grande porte necessitam contratar aprendizes em Caxias do Sul. Já a demanda de jovens aprendizes é de 4.384. Destes, 3.649 estão contratados, resultando em um percentual atendido de 83,23%.
— Os empresários também têm vantagens ao contratar um jovem aprendiz, pois ele chega para trabalhar já qualificado. A empresa não precisa gastar tempo e dinheiro para qualificá-lo. Depois que ele faz a aprendizagem, ele já chega pronto. E por ser jovem, ele tem o ímpeto de oxigenar o ambiente da empresa. E com segurança, porque já foi capacitado para isso. O produto da empresa terá uma maior competitividade também pela qualidade final — explica Denise.
Para a auditora fiscal do trabalho, o mesmo jovem que chega no primeiro dia de aula da aprendizagem profissional, não é o mesmo que recebe o certificado:
— Nessas catástrofes, tanto agora na calamidade pública como na pandemia, muitas vezes, o salário desse jovem aprendiz serviu para levar comida para a mesa da sua família, porque tanto o pai como a mãe perderam os empregos. Então, ele se torna um trabalhador qualificado mesmo. E não tem só a qualificação profissional. Tem também o resgate da cidadania dentro do currículo da aprendizagem profissional.