Ir ao mercado ou ao shopping pode se tornar um desafio para uma pessoa com deficiência visual ou mobilidade reduzida. A falta de paciência de outros clientes e a falta de treinamento e empatia de funcionários dos estabelecimentos são dificuldades enfrentadas com frequência por pessoas com deficiência (PCDs) em Caxias do Sul.
Desde o ano passado, uma lei garante que shoppings, lojas e supermercados devem disponibilizar um ou mais funcionários para auxiliar esses clientes durante todo o horário de expediente, incluindo em feriados e fins de semana. Para o deficiente visual Luciano Silva, que também é presidente do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, a nova regra tem auxiliado nas tarefas do dia a dia, mas não são todos os estabelecimentos que seguem a legislação.
Ele e a namorada, também deficiente visual, Aline Lazzari, contam que já frequentaram farmácias e lojas de roupas em que os funcionários não auxiliaram conforme a lei estabelece. Nesses casos, o casal conta que as pessoas que deveriam ajudá-los não tiveram empatia:
— A gente já passou por uma situação complicada em uma farmácia. Nós chegamos na porta e ninguém veio. A gente perguntou se teria alguém para auxiliar. A moça gritou lá do fundo da loja: "Pode vir aqui no balcão". Como é que vai chegar lá? Eu falei: "Por acaso, você não viu que a gente é deficiente visual?" — desabafa.
Na teoria, o descumprimento da lei deveria resultar em:
- advertência e notificação por escrito na primeira infração, para adequação no prazo de um mês;
- em caso de reincidência, o estabelecimento pode ser multado e ter alvará suspenso.
Na realidade, a fiscalização da lei é feita apenas com base em denúncias de usuários. Segundo o Diretor de Fiscalização da Secretaria Municipal do Urbanismo (SMU), Rodrigo Lazarotto, a pasta não recebeu nenhuma comunicação de descumprimento em um ano de vigência da lei.
— Como eu não consigo constatar a irregularidade e o flagrante, eu precisaria ter uma pessoa que conseguisse ir ao local na hora. Mas é difícil. Então, posso fazer uma advertência verbal dizendo que nós vamos manter fiscalizações periódicas nesse espaço e aí, sim, a gente entra com foco completo num determinado espaço que foi denunciado — explica Lazarotto.
Para denunciar, basta ligar no Alô Caxias (156) e detalhar o que e quando ocorreu e em qual estabelecimento. A partir dessas informações, a SMU fiscaliza a loja ou centro comercial denunciado.
A lei não exige treinamento nem a contratação de especialistas pelos estabelecimentos. A regra prevê apenas a garantia de que o consumidor contará com atendimento que garanta acessibilidade nestes locais.
Atividades do dia a dia facilitadas
Apesar de ainda encontrar dificuldades em tarefas diárias, como ir à farmácia ou uma loja, a avaliação de Luciano e Aline sobre a lei é positiva. Os dois consideram que a experiência ainda pode melhorar, mas, de maneira geral, estão satisfeitos:
— Eu sempre costumo ir onde a gente é bem atendido. Supermercados e lojas que os funcionários já conhecem a gente. Chegamos na porta e eles já vêm auxiliar a gente para ir até o balcão. O pessoal começa a se prontificar — afirma Luciano.
Apesar da deficiência visual, ele tem autonomia para sair e resolver questões pessoais, como compras do dia a dia, sozinho. Já Aline, normalmente, precisa de um acompanhante para realizar essas tarefas. Ela, que geralmente sai com a mãe, avalia que os estabelecimentos que frequenta têm funcionários capacitados e empáticos para lidar com a situação.
— Já fui em lojas e no mercado. É tranquilo, porque ela (a mãe) está junto. Mas na loja também é tranquilo, porque as funcionárias sempre pedem para eu tocar na roupa, se eu estou me sentindo bem ou não com a peça... Tem uma compreensão — relata.
Para os dois, o que mais mudou neste um ano de lei foi a disponibilidade dos funcionários dos estabelecimentos. De julho de 2023 para cá, ir ao supermercado, por exemplo, se tornou uma função muito mais simples.
— Mudou bastante (neste um ano). Eu chego em qualquer mercado, com a bengala, e eu sempre me coloco à direita e fico parado. Simplesmente algum deles já vê e vem ajudar. Se identifica, pede se precisa de um auxílio e já se coloca ao lado. Então melhorou bastante, mas ainda tem lugares que não se adequaram — avalia.
Para o aposentado Luciano Caetano, as experiências no comércio no último ano foram positivas. Ele conta que frequenta sempre os mesmos supermercados e farmácias, pela acessibilidade, mas também pelo deslocamento fácil.
— De uns tempos pra cá, mudou bastante. Sempre que percebe que a gente chega na porta do estabelecimento, o pessoal se coloca à disposição para perguntar o que precisa. Poderia ser melhor, com certeza. Creio que falte mais informação — avalia Caetano.
Na prática
Nesta semana, a reportagem acompanhou Luciano e Aline em um supermercado no bairro Pio X. Ao chegar lá, os dois entraram no estabelecimento e solicitaram auxílio. O funcionário Nicolas Teles Paim foi o responsável pela tarefa.
Durante a compra, o casal falava ao atendente o que queria e ele acompanhava até o corredor do produto. Para escolher, Nicolas informava aos dois quais as opções de preços, marcas e sabores disponíveis.
Na hora de pagar a compra, o atendente seguiu auxiliando o casal para retirar os itens do carrinho, embalar as compras na sacola e passar o cartão na máquina. Foi também a primeira vez que Nicolas desempenhou a função:
— A gente fica um pouco nervoso, por ser a primeira vez. Mas deu tudo certo — garante.
Em lojas, situação é diferente
A avaliação da professora de orientação e mobilidade do Instituto da Audiovisão de Caxias do Sul (Inav), Sulamita Souza Duarte, é que o comércio ainda precisar melhorar significativamente o cumprimento da lei.
— Eu já fui fazer um mapa mental com uma menina em uma loja de eletrodomésticos e foi bastante difícil no início. Depois que eles perceberam que isso (um funcionário habilitado a auxiliar PCDs) é necessário. Eu expliquei que é uma lei e que precisa ter uma pessoa, aí eles começaram a entender um pouco mais. Mas, principalmente, as lojas não têm pessoas qualificadas pra esse tipo de público — destaca.
Nessas ocasiões, o que a professora faz é explicar ao lojista ou gerente que existe uma lei municipal que exige um funcionário para auxiliar.
— Até mesmo na área do piso tátil, da acessibilidade, a gente fala. Eles (lojistas) ficam meio apreensivos, mas não reclamam. Eu sou bem insistente, falo com propriedade e eles entendem que é verídico. Tem que trabalhar muito ainda, precisa muito mesmo — resume Sulamita.
"Nosso comércio, em Caxias, tem um atendimento personalizado"
O presidente do Sindilojas, Rossano Boff, avalia como positivo o primeiro ano de vigência da lei. No entanto, ele explica que o atendimento, pelo menos nas lojas que não fazem parte de grandes redes, não mudou.
— Nosso comércio, em Caxias e da região, normalmente, tem um atendimento personalizado. Depende de uma questão de sensibilidade do atendente, até por uma questão de gestão da empresa, mas tem sempre uma sensibilidade maior quando se percebe, ou quando o acompanhante de alguma dessas pessoas nos trazem — relata Boff.
O presidente explica que o Sindilojas, inclusive, oferece treinamentos e capacitação aos lojistas sobre atendimento e sensibilidade no tratamento com o cliente, seja ele PCD ou não.
— Sensibilidade não somente a vender o produto, mas suprir uma necessidade do cliente. Ele vem sempre em busca da solução de algum problema. Mas a gente não teve nenhuma demanda ou reclamação ou falta de atendimento — afirma.