
Criado por uma congregação italiana que chegou ao Brasil no início do século passado com a missão de atender os imigrantes europeus, o Centro de Atendimento ao Migrante (CAM), em Caxias do Sul, completa 40 anos neste mês. Atualmente, são milhares de atendimentos direcionados aos que desembarcam na Serra com o intuito de fazer da região o novo lar. Só neste ano, até o final de maio, foram 4.449 pessoas atendidas.
A administração do espaço é das Irmãs Missionárias Scalabrinianas, que, além de fundarem uma dezena de escolas no interior do Estado, administram o Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, e carregam como propósito o acolhimento.
Se nas duas primeiras décadas de atuação o principal trabalho era o de encaminhar quem chegava da zona rural para trabalhar na indústria caxiense, agora a missão é regularizar quem chega, inclusive com o status de refugiado.
Em 2023, de acordo com a diretora do CAM, irmã Celsa, foram quase 5 mil pessoas atendidas de 50 nacionalidades diferentes. Aprender o idioma e buscar por emprego e habitação são os principais desafios a serem enfrentados no primeiro contato do migrante no Centro, segundo Celsa:

— A congregação sempre soube se adaptar às necessidades do público que atende. No começo da década de 1980, se percebeu um grande êxodo do campo para a cidade e o serviço de acolhimento foi criado. Sempre se trabalhou com muitas parcerias e, na época, foi a Universidade de Caxias do Sul (UCS) que nos ajudou a levantar de onde vinham.
A acolhida, antes individual, passou a ser coletiva por conta do volume dos grupos que passaram a chegar em Caxias do Sul. Dinâmica e intermitente, a vinda de pessoas a Caxias é diretamente influenciada pelas condições de vida dos locais de origem. Recentemente, uma nova onda foi notada e aumentou ainda mais o volume de atendimentos, de acordo com a irmã Celsa:
— Agora temos os refugiados climáticos, pessoas que deixaram suas cidades por conta das enchentes. Atendíamos individualmente e agora passamos a fazer oficinas coletivas para elaboração de currículos, por exemplo. Conquistamos a credibilidade das empresas, que procuram o centro em busca de mão de obra.
CAM é referência nacional
É o conhecimento de como regularizar diferentes nacionalidades que faz do CAM de Caxias uma referência nacional em atendimento migratório. Foi com a vinda de imigrantes haitianos, a partir de 2012, que o centro, antes voltado a assistência social, sentiu a necessidade de entender sobre a burocracia que é acolher alguém de outro país.
Foi nessa época que o advogado do CAM, Adriano Pistorello, começou a atuar no Centro e a direcionar as necessidades de quem chegava com quem poderia ajudá-los. O modelo de Caxias, como ele explica, agora é replicado em outras cidades que também recebem fluxos migratórios:
— A gente trabalha com a regularização e inclusão no mercado de trabalho. Não é só agilizar a documentação, é preciso entender o que é refúgio e a necessidade de assistir às pessoas que chegam aqui. Depois é necessário conectar e entender esse fluxo com a Polícia Federal, com o município, ou até com o Itamaraty, quando a pessoa é retida no aeroporto, por exemplo.
Há 20 anos em Caxias com a ajuda do CAM
Entre 1989 e 2001, a colombiana Nelfy Vargas, 54 anos, perdeu quatro familiares, os pais, um irmão e o pai dos seus dois filhos, assassinados em atentados políticos no sul da Colômbia.

Poucos anos depois, querendo sair do país de origem, foi orientada pelo governo a escolher entre viajar para o Brasil, Canadá ou Estados Unidos. Como o processo de mudança para a América do Norte demoraria meses, optou pelo Brasil e, sabendo do trabalho das Irmãs Scalabrinianas, parou em Caxias do Sul.
— Vim com meus dois filhos, de 13 e oito anos, três sobrinhos e um casal de irmãos. Ao todo, com cunhados, éramos em 10 pessoas. Hoje a família dobrou e todos estão em Caxias. A guerrilha, na Colômbia, chegou a sequestrar meu filho, então não tínhamos condições de permanecer lá. Já chegamos no Brasil como refugiados e fomos muito bem recebidos e orientados. Sou muito grata ao CAM — diz Nelfy.
Foi a então diretora do centro, a irmã Albertina Pauletti, quem a recebeu no aeroporto de Porto Alegre e acompanhou a instalação da família colombiana na cidade. Há 14 anos, Nelfy é proprietária do Cachorro-Quente da Colombiana, na esquina da Feijó Junior com a Avenida Júlio de Castilhos, no Centro.