“Na nossa época era diferente.” A frase dita por muitas pessoas já experientes no mercado de trabalho reforça a distância entre gerações e aumenta um problema escancarado nas relações profissionais na atualidade. Como estamos preparando os jovens para um presente de transições e um futuro que precisa deles para manter economia e cultura de pé?
No Dia do Trabalhador, celebrado nesta quarta-feira (1º), o tema ressurge como discussão necessária. E ouvir todos os lados torna-se ainda mais importante. Além de lutar contra os rótulos do desinteresse e da falta de compromisso, para ficar somente em dois dos mais utilizados para julgar a geração Z, os nascidos entre 1997 e 2010 tentam vencer desconfianças e demonstrar que o mercado de trabalho pode contar com o que têm a oferecer.
Nesse cenário, a educação profissional se mantém como grande aliada da sociedade para engajar jovens e despertar neles o pertencimento fundamental para que sustentem a cadeia produtiva. E, com criatividade, possam trazer soluções que o mercado ainda não alcançou.
Na unidade do Senai de Garibaldi, quatro alunos aumentam a soma daqueles que buscam na qualificação a oportunidade de definirem uma carreira. Colegas no curso de Mecânico de Manutenção de Máquinas Industriais, Henrique Breda, Gabriel Ferronato, Gabriel Sauthier e Felipe Sauthier, todos de 17 anos, tentam desmistificar o conceito de que a geração da qual fazem parte não é comprometida. E o grupo é claro ao afirmar que conhece a reputação que tentam incutir aos jovens atuais, mas garante que pensam no futuro e em tudo que têm pela frente.
— Há pessoas que não querem nada com nada, não trabalham, não estudam. Mas quem quer, consegue. E é o que o Senai proporciona para nós. Foi aqui que tive uma noção do que vou cursar na faculdade. Relações Internacionais ou Mecânica, com que já atuo e gosto — aponta Henrique.
Outro fator sempre lembrado quando se tenta classificar a geração Z é a pressa. Para Gabriel Sauthier, a vontade de ter tudo o que almejam na hora, sem precisar percorrer caminhos importantes para construir a carreira é uma constante que os estudantes buscam amenizar no dia a dia.
— Nós queremos que as coisas aconteçam rápido, mas sabemos que não é assim. Tudo tem seu tempo e tem que ir passo a passo. Todo mundo gostaria de passar as etapas e já estar lá no topo. A experiência no Senai é importante porque mostra que temos de aprender para evoluir — avalia o estudante.
Já para Felipe, o que incomoda é a generalização. Admite que muitos jovens estão desfocados, mas o cenário não é um só, e muitos querem evoluir indo atrás de aprendizado, inclusive fora da escola.
— Se inserir no mercado de trabalho é o primeiro passo. Te dá novas visões do que quer ou não para a vida. Eu sei do potencial que tenho e não vai fazer diferença o que as outras pessoas pensam da minha geração ou não. Eu faço parte de uma geração, mas isso não define o meu futuro — defende o jovem.
Aposta no entendimento e na aproximação da atual geração
Além do Senai Garibaldi, o gerente de operações Felipe Andreolla comanda os trabalhos nas unidades de Carlos Barbosa, Farroupilha, Veranópolis e Nova Prata, que juntas somam 2 mil alunos. Já são 17 anos de instituição, vivendo no dia a dia a relação dos jovens com a expectativa com o futuro e os primeiros contatos com as empresas.
E um dos pontos principais destacados por ele é justamente o choque de gerações que o mundo experimenta atualmente, e todas as diferenças entre elas. Quem ensina, segundo Andreolla, toda a equipe pedagógica e direção, vem de uma geração ainda analógica, enquanto que a garotada chega dominando todas as possibilidades do digital.
— Isso nos assusta. O jovem tem esse mundo tecnológico na palma da mão, e facilidade para lidar com as tecnologias. E o que nos cabe é aproveitar esse potencial. E aí que vem o desafio. Eles não se interessam pelo que não agrega valor, pelo que não chama atenção. Nos coube desenvolver a tecnologia que atraia eles. Agora, trabalhamos com realidade aumentada, onde ele interage com o smartphone, vê nas nossas apostilas uma usina hidrelétrica funcionando, na palma da mão. Se não tivesse isso, nós estaríamos ainda no modelo antigo, que não os interessa mais — avalia Andreolla.
Quando a conversa vai para o campo comportamental, o gerente do Senai aborda as perspectivas de carreira que mudaram muito nas últimas décadas. Ressalta que, diferentemente das gerações anteriores, que projetavam estabilidade e visavam grandes empresas, atualmente a dinâmica é completamente diferente.
O jovem está muito ligado no que quer para o futuro e tem muita oferta. O futuro está na mão deles. Nosso papel é enxergar e se colocar no lugar.
FELIPE ANDREOLLA
Gerente de operações do Senai Garibaldi
— Quando falamos sobre a pressa para tudo, também vale para se movimentar com mais frequência. Carreira mais dinâmica, ocupações diversas. Trabalhos por projetos curtos e entregues, sem vínculos. O jovem está muito ligado no que quer para o futuro e tem muita oferta. O futuro está na mão deles. Nosso papel é enxergar e se colocar no lugar. Por que não se interessam mais por alguns temas que nós achávamos interessantes? Ouvindo, ficando próximos, nós entendemos — revela.
“É preciso ocupar os espaços vazios”, defende o empresário Clóvis Tramontina sobre a relação com os jovens
De 1992 a 2022, Clóvis Tramontina ocupou a presidência de uma das maiores empresas do Brasil, que há mais de cem anos atua na Serra gaúcha, com sede principal em Carlos Barbosa. E há décadas tem uma relação diária com milhares de funcionários. Não é raro, duas ou três gerações da mesma família trabalharem ao mesmo tempo na Tramontina. Às vezes no mesmo setor. O cenário, que sempre foi desafiador, ganha mais atenção nos tempos atuais, com as diferenças aumentando entre as classes.
E uma das grandes preocupações do agora diretor do Conselho de Administração da empresa é a relação com os jovens, e a necessidade de pais e sociedade estarem presentes e acompanhando todas as áreas de quem ainda está começando na caminhada profissional.
— É preciso ocupar os espaços vazios. Dar atenção e mostrar presença. O que são os espaços vazios? Em um casal, se o marido ou a mulher deixarem um vazio, quem entra é o amante. Na empresa, quem entra é o sindicato. Não é assim? Com o jovem, se não acompanhar na educação, na orientação, quem entra é o traficante. Alguém vai ocupar — opina Clóvis.
Longe de considerar que a atual geração não tem condições de assumir papel do protagonismo, Clóvis ressalta os potenciais dos jovens e a forma diferente de encarar temas cruciais da vida.
— Dizem que não são mais interessados, e não é bem assim. Eles não são como éramos. Não estão preocupados muito em ter, mas em ser. Hoje muito jovem não tem automóvel, usa o Uber, usa outras ferramentas, por exemplo. Mas é uma geração que tem um grande potencial. Pode ter certeza disso. Eles aceitam desafios. Mais do que nós, inclusive. Porque nós temos medo. Eles não têm. Mas tem de saber conduzir. Chegar e mostrar. Tem uma oportunidade em tal lugar. Vamos encampar? Vamos! É uma coisa que antes não existia. Esse ímpeto de ir atrás — comenta.
É uma geração que tem um grande potencial. Eles aceitam desafios. Mais do que nós, inclusive.
CLÓVIS TRAMONTINA
Diretor do Conselho de Administração da Tramontina
Para o empresário, a motivação está por trás de toda essa relação. E manter a juventude preparada para os enfrentamentos pessoais e profissionais é a chave do sucesso, baseada principalmente na atratividade dos empregos.
— Ah! Eu acredito muito na gurizada. Mas o que a empresa tem de oferecer? Bons ambientes de trabalho, que é o que nós oferecemos aqui, e condições boas. Salário de mercado, um pouco acima. E oportunidades, que eles vão se desafiar — acrescenta.
Vontades parecidas, futuros (in)definidos
Mesmo tendo finalizado o Ensino Médio no Cetec de Caxias do Sul no fim de 2023, Isadora Manini Costa e Miguel Valentini mantêm o vínculo com a instituição até concluírem os estágios obrigatórios dos cursos técnicos que fizeram em paralelo nos últimos anos.
Apesar das histórias parecidas até aqui, os amigos fizeram escolhas distintas para o início da vida profissional. Enquanto Isadora foi direto para o mercado de trabalho e ainda decide qual área irá estudar na faculdade, Miguel já confirmou que a tecnologia é o campo que seguirá. E as diferenças, segundo eles, vêm das inúmeras possibilidades que chegam a todo momento.
— Nós temos acesso a muita informação, a muitas opções de vida. Então, você entra na rede social e fulano vive de um jeito, ciclano vive de outro, um faz dessa forma, outro de outra. E cria uma ansiedade. Qual caminho eu vou escolher? São vários mundos, e ficamos confusos em escolher só uma coisa. Mas quando escolhemos, eu observo que há dedicação. Eventualmente, várias coisas vão dar errado, mas quando achamos o que queremos, dá certo — relata Isadora.
A estudante se qualificou em Administração no curso técnico do Cetec, e foi contratada pela própria empresa onde fez o estágio final. Caminho semelhante ao de Miguel, que, embora siga como estagiário, tem a possibilidade clara de efetivação assim que o contrato atual finalizar. Para ele, a pressão exercida na atual geração faz aumentar as indefinições, mas a vontade de crescer é uma constante.
— Eu sinto um pouco isso porque me cobro muito. Já estou trabalhando, começando a faculdade, mas ainda quero uma promoção de certa forma rápida. Então, é uma coisa que eu tento melhorar, para atingir melhores resultados, mas também não causar danos psicológicos. Já consegui um trabalho legal, uma empresa legal, aprendo muito onde estou, mas mesmo assim eu quero mais. Inclusive, preciso aprender um pouco mais a agradecer pelo que já conquistei e não tanto ter a ansiedade de conquistar coisas além — admite Miguel.
Preciso aprender um pouco mais a agradecer pelo que já conquistei e não tanto ter a ansiedade de conquistar coisas além.
MIGUEL VALENTINI
Aluno do Cetec.
Levantamento feito pela coordenação pedagógica do Cetec, em uma amostra de 250 alunos formados em 2024, aponta que 72% dos estudantes se matricularam em cursos superiores. Outros 19% optaram por não fazer graduação neste momento, e escolheram cursos preparatórios para faculdades ou cursos de extensão, além de intercâmbio, após a formatura do Ensino Médio. E há ainda um percentual de 9% dos jovens que optaram por trabalhar ou fazer estágio antes de ingressar na universidade.
Orientação e preparação cabem à escola
Responsável pela coordenação dos cursos técnicos do Cetec, a pedagoga Viviane Patrícia Dambros está na escola há 10 anos, e trabalha com o foco em preparar os alunos para a vida e a carreira pós-estudos. A profissional salienta que o primeiro contato dos estudantes com o mercado de trabalho é proporcionado pelo modelo de ensino. Para ela, toda a orientação passada a eles permite melhores condições de entenderem as oportunidades que surgem.
— Elaboração de currículo, preparação de entrevista de seleção, desenvolvimento individual, das competências de cada um. Os alunos entram no mercado com o acompanhamento do professor, o que faz toda a diferença. O Miguel está realizando o estágio, a Isadora também, e já saiu contratada daqui. Mas eles não precisam seguir exatamente as áreas que estudaram. Porque o jovem tem muito medo disso. Que o que escolher agora será para a vida toda. E aí entra essa junção escola e empresa. A escola prepara, e as empresas querem profissionais formados com as competências adequadas para aquele momento que se está vivendo — aponta Viviane.
Segundo a pedagoga, as principais características demandadas pelo mercado, atualmente, são resiliência, planejamento, relacionamento interpessoal, comunicação, gestão do tempo e disciplina.
Adaptação é o desafio das empresas
Quem possui a capacidade de leitura de cenários precisa auxiliar a nova geração e buscar compreender todas as diferenças de perfis. Esta é a opinião da recrutadora Mirela Verdi, sócia-proprietária da Complete RH, de Caxias do Sul. Com 32 anos de atuação em desenvolvimento pessoal e seleção e treinamento de funcionários para empresas, ela avalia que cabe à parte estabelecida dessa relação implantar meios de atrair os que estão chegando.
Adaptação e esquecer o que era feito no passado, na visão de Mirela, são posturas cruciais neste momento da história, e não colocar nas mãos da juventude o papel de encontrar soluções.
— Se uma vez o planejamento estratégico das empresas era baseado no histórico, esquece. O teu passado te trouxe até aqui. Agora é olhar para o futuro e que cenário eu vou ajudar a criar. Quem tem o poder da mudança é a empresa. Cabe aos que têm experiência e conhecimento buscar meios de forjar o ambiente necessário. Mudança de mentalidade, de visão, de foco, curiosidade. Serem curiosos para buscarem e entender o que o mundo vai demandar — acrescenta Mirela.
A conexão entre alunos e o mundo
A figura do professor ganha ainda maior relevância nesse choque de gerações que o mercado ainda tenta compreender. A conexão que o profissional representa entre estudantes e as direções das escolas e as próprias empresas ganha destaque a partir do momento que a sala de aula também torna-se o espaço de comunicação entre jovens.
A professora do Senai Farroupilha, Carolina Passaia, convive todos os dias com centenas de alunos que buscam afirmação e um futuro que lhes interesse. Ela afirma que não falta vontade para a atual geração, mas que as percepções de mundo estão completamente diferentes em relação ao que fomos acostumados a ver.
— Eu vejo muito empenho deles em ter uma profissão, em saber o que está fazendo e, realmente, ter uma carreira dentro da indústria. Mas a velocidade com que os jovens querem que as coisas aconteçam é muito diferente da realidade. Então, quando eles entram no mercado, acabam se decepcionando. É nesse sentido que acredito que as indústrias também precisam buscar formar com que o funcionário queira ficar, porque se surgir uma oportunidade melhor, eles saem. Não existe mais aquilo de se agarrar no emprego — revela Carolina.