Evento central do calendário litúrgico, por representar a ressurreição de Cristo, neste domingo a Páscoa será celebrada por todas as tradições, igrejas e comunidades baseadas na fé cristã (os judeus, por sua vez, comemoram sua Páscoa, a Pessach, no início da primavera do calendário gregoriano). Embora haja união em torno da mensagem de celebração do triunfo da vida sobre a morte, da luz sobre as trevas e da liberdade sobre a escravidão, cada confissão possui suas particularidades ao celebrar a data de acordo com os símbolos que a consagram.
Sem considerar que haja, de fato, diferenças, mas uma questão de identificação maior com algum aspecto, o doutor em Teologia e pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UCS, Everaldo Cescon, destaca que existe, inclusive na Igreja Católica, uma intenção de resgatar o aspecto celebrativo da ressurreição entre os fiéis:
— O que há historicamente é uma identificação muito maior de símbolos que manifestam a dor, no caso a cruz, que representa o sacrifício, do que algo que a própria igreja queira ressaltar. Existe, por parte da igreja, uma tentativa de realçar a noite de sábado, que é a noite da vigília, e não a Sexta-feira da Paixão, que remete à morte. Acontece que o nosso povo é um povo sofrido, que tenderá a se identificar mais com o sacrifício do que com a luz da ressurreição. Isso é, de alguma forma, lamentável, porque é um caminho místico do próprio ser humano: vivenciar a dor para chegar à esperança.
Cescon acrescenta ainda que a Páscoa é um momento em que se reforça, na vida cotidiana, a resiliência diante das adversidades e a superação de períodos de trevas comuns à experiência humana.
— A dor ou a tragédia da morte era o que caracterizava os mitos. A Páscoa cristã, por sua vez, assume elementos mitológicos, mas os converte em algo sagrado, fazendo com que o movimento antropológico seja não o de permanecer na dor, mas sim de concretizar a esperança. A vida é permeada por momentos difíceis, de dor e de perda, que são ressignificados depois de um tempo para que a vida prossiga. Esse é o movimento da Páscoa. A passagem daquilo que é negativo, que é dor e sofrimento, para luz, alegria, festividade.
Crítica ao viés consumista
Pastor da igreja evangélica Assembleia de Deus e coordenador das últimas edições da Noite Gospel da Festa da Uva, em Caxias do Sul, Arno Quevedo destaca que comunidades evangélicas costumam fazem cantatas e encenações, aproveitando a data para evangelizar, uma vez que a mente das pessoas está voltada para a Páscoa. Prega-se, então, sobre a morte e a ressurreição de Jesus, de modo a aproveitar a oportunidade de explicar ao povo o real significado da Páscoa.
— A cada ano, quando chegamos a esta época celebrativa, infelizmente vemos que muitos dos que festejam a data sequer sabem o seu verdadeiro significado. E o resultado disso é uma Páscoa secularizada e voltada para o consumismo — lamenta.
Quevedo reforça que a denominação Assembleia de Deus comemora a Páscoa centralizando Jesus Cristo e rendendo a Ele gratidão pelo sacrifício vicário:
— As igrejas evangélicas não têm uma liturgia específica para a Páscoa, porque esta surgiu após a morte dos apóstolos e não está expressa no novo testamento. Mas, assim como o cordeiro morreu na Páscoa judaica, Cristo Jesus foi o nosso cordeiro. Nossa Páscoa, e nosso cordeiro, é nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, a quem damos honra, glória e louvor.
"Celebramos o Cristo glorificado"
Pastor da Igreja Metodista em Caxias do Sul, Flávio Antunes considera que há pelo menos uma diferença significativa na forma como metodistas e católicos celebram a Páscoa, que se explica pelo fato de que a tradição não cultua imagens, mas que também tem a ver com a ênfase na celebração da vida neste período.
— Na nossa simbologia (protestante) a cruz está vazia, justamente porque o Cristo ressuscitou. Esta é uma grande diferença. Cristo fez um sacrifício único e suficiente para toda a humanidade. Nós não temos imagem (de Cristo) e não fazemos a procissão do Cristo morto. Nossa cruz é vazia no sentido de não haver nenhum objeto nela, mas ela é repleta de sentidos, justamente por simbolizar a ressurreição.
O religioso aponta que é uma questão de perspectiva teológica:
— Cristo morreu, mas na madrugada do terceiro dia ele apareceu ressurreto à comunidade dos discípulos. Para nós esta é a questão. A gente celebra o Cristo glorificado, que venceu a morte, venceu as trevas e ofereceu a vida plena a todos aqueles que nele creem. É o que está no Evangelho de João: “Veio para os seus, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus.
Morte na cruz por propósito de Deus
A Igreja Luterana, segundo explica o pastor Oscar Elias Jans, da Comunidade Bom Pastor,em Caxias, tem no domingo da ressurreição o dia de celebrar a Páscoa com mais ênfase, especialmente pela manhã. É quando a comunidade se encontra para entoar cânticos, inclusive as crianças. Em alguns lugares do país existe a tradição de se reunir logo às 6h para tomar um café da manhã em grupo, também festivo.
— As igrejas luteranas não têm um padrão fechado para celebrar a Páscoa. Temos diretrizes, ou práticas de princípios, mas a forma de celebrar varia conforme ênfases de cada localidade — explica.
O pastor pontua que, para a confissão luterana, é central o ensinamento bíblico de que a morte de Cristo na cruz se deu por um propósito de Deus e que prova o amor de Jesus por toda a humanidade:
— Ensinamos que o homem estava separado e em dívida com Deus devido aos seus pecados, e que a única forma de resolver isso seria se alguém sem pecados assumisse este nosso lugar. Jesus, segundo a Bíblia, seria o único a poder assumir este lugar. Por isso sua morte na cruz não é um ato desastroso, mas um evento dentro dos propósitos de Deus. Ao se sacrificar pela humanidade, Jesus destronou todos os poderes maus, a violência e o pecado. Sua ressurreição, três dias depois, não significa um reavivar de alguém que estava desacordado ou uma ressurreição apenas na ideia esotérica. Pelo poder de Deus, aquele que estava morto, foi insuflado com uma vida plena e ressuscitou com seu corpo transformado.