O segundo dia do seminário Direito Fundamental ao Trabalho Decente começou com destaque sobre medidas para fiscalizar todas as cadeias produtivas no Brasil, a dificuldade de responsabilização de empresas envolvidas em casos de trabalho análogo à escravidão e os potenciais riscos do país em perder exportação devido aos casos degradantes. O simpósio, que começou na manhã desta terça-feira (27), em Bento Gonçalves, conta com a presença de profissionais de diferentes áreas para falar sobre direitos humanos e trabalhistas.
Com mediação da juíza do trabalho Maria Odete Freire de Araújo, dando início à apresentação do painel, o procurador do Trabalho do Maranhão Luciano Aragão levantou o debate sobre as cadeias produtivas e mencionou uma ação feita pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) para fiscalizar.
— Dentro do MPT pensamos no projeto Reação em Cadeia, que visa a ampliar nacionalmente e fazer um mapeamento da cadeia produtiva. Com essa iniciativa, mapeamos todas as empresas que estavam ou ingressaram na lista suja nos últimos 25 anos, rastreamos para quem elas vendem e de quem compram e já sabemos quem está se beneficiando do trabalho análogo à escravidão. Todas as cadeias produtivas, café, cana e etc., passarão pela responsabilidade civil pública, porque essas empresas não foram responsabilizadas diretamente. Então, elas terão que adotar medidas para prevenir casos de trabalho análogo e, se estiverem ganhando dinheiro por conta desse trabalho, deverão ter responsabilidade — contou o procurador.
Além das medidas de fiscalização a partir do mapeamento da lista suja, Aragão destacou a questão atual do mercado internacional, que conta com leis e normas que proíbem a compra de produtos de empresas que tiveram casos comprovados de trabalhadores que atuavam em condições degradantes. De acordo com o procurador, o cenário pode prejudicar diretamente a economia brasileira, que faz grande lucro com exportação.
— Trabalhar com as questões de fiscalização do trabalho análogo à escravidão não é algo novo, é uma exigência internacional. Se o Brasil não adotar um marco da "devida diligência", o mercado internacional vai se encarregar disso e, por conta das leis e normas que existem lá fora, em países que compram insumos do Brasil, tudo está sendo conduzido para a proibição de importações. Ou o Brasil avança na fiscalização e erradicação do trabalho degradante ou as instituições adotam esse marco — pontuou Aragão.
Em seguida, a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Lívia Mendes Moreira Miraglia pontuou as dificuldades de responsabilização de empresas que tiveram casos comprovados de trabalho análogo à escravidão ou que terceirizaram os serviços e, a partir da terceirização, houve casos registrados e comprovados de trabalhadores em situações degradantes.
Segundo a professora, a partir de dados registrados em Minas Gerais, foi possível analisar a complexidade nos casos de falta de dignidade trabalhista vivenciada por empregados de diferentes empresas.
— Em 31 autos de terceirização, que mencionavam expressamente casos de trabalho análogo à escravidão, sabendo que não entraram todos os casos nessa pesquisa, mas dos 31 autos de terceirização, em 18 ficou comprovado casos de trabalho análogo à escravidão. Ou seja, é alto o número de trabalhadores resgatados nessas operações. E esse número, envolvendo a terceirização, correspondia a 30% dos trabalhadores contratados em todo o Estado de Minas Gerais — explicou a professora.
Entretanto, apesar de ser alto o número de trabalhadores resgatados, são baixos os números de empresas responsabilizadas e que, de fato, responderam pelos crimes.
— Trago o caso da Usina Cururipe como exemplo. Uma das maiores exportadoras de açúcar no Brasil onde foi constatado o trabalho análogo. Foi um caso complexo e que não conseguimos efetivamente uma responsabilização. Não há firmeza nas palavras de que há o trabalho análogo e as empresas ficam responsabilizadas subsidiariamente. Rompem os contratos com as terceirizadas, dizem que romperam e alegam que "minha parte eu fiz", e assim não existe responsabilização efetiva — revelou Miraglia.
Após o painel, os profissionais responderam perguntas de participantes do seminário. O evento, que ocorre ao longo desta terça e encerra na quarta-feira (28), está sendo realizado no Dall'Onder Grande Hotel e reúne representantes do trabalho, judiciário e auditores fiscais.