Os 231 quilômetros de rodovias da Serra e do Vale do Caí sob concessão há um ano registraram 1.312 atropelamentos de animais em um período de oito meses em 2023. Os dados mais atualizados foram coletados entre fevereiro e setembro e integram os estudos do programa de monitoramento ambiental mantido pela concessionária Caminhos da Serra Gaúcha (CSG). A empresa precisa, por contrato, adotar ações de redução do impacto do trânsito nas rodovias na fauna do entorno.
Conforme o levantamento, do total de registros, 1.097 envolveram mamíferos, 95 animais eram aves e 11 eram répteis. Em 109 casos, as carcaças estavam tão destruídas que não foi possível identificar a espécie. A liderança entre as vítimas de atropelamento são os gambás, com 420 registros, seguidos de cães, com 183, e gatos, com 175 casos. Graxains-do-campo e gatos-do-mato também estão na lista de espécies atingidas com frequência.
— Temos no nosso trecho áreas urbanizadas já bem consolidadas, por isso a predominância da fauna doméstica — avalia Karina Barros, analista ambiental da CSG.
A maior concentração de atropelamentos ocorreu nos meses de julho, agosto e setembro. No entanto, ainda não há dados suficientes que possam explicar o motivo desses meses terem mais casos. Outro dado relevante constatado nos estudos é a presença de animais ameaçados de extinção entre as vítimas, embora representem 2% do total. Entre as espécies desta categoria identificadas estão cutia, paca, gato-do-mato-pequeno, quati, jaguatirica e tamanduá mirim.
Embora estejam previstos dois anos de monitoramento até que se tenham dados mais robustos e precisos, os responsáveis pelos levantamentos já identificaram quatro regiões com maior incidência de acidentes com animais. Na Serra, um deles está no entroncamento da RS-453 com a RS-122, na saída de Farroupilha para Porto Alegre, com concentração de atropelamentos com animais silvestres. Pontos próximos também estão entre os que tiveram mortes de espécies ameaçadas (veja abaixo).
Outro ponto da região é o km 85 da RS-122, entre Caxias do Sul e Flores da Cunha, onde foram encontrados animais como gambá, tatu e graxaim-do-campo. No km 78, em Caxias do Sul, e no km 123, em Antônio Prado, também houve registro de atropelamento de espécies em risco de extinção.
As outras duas regiões críticas para a segurança das espécies são o entroncamento da RS-240 com a RS-122, no entorno do atual pedágio de Portão, e entre os kms 30 e 35, em Bom Princípio.
Inspeções e futuras ações
Para o levantamento de dados, uma equipe especificamente destinada para o trabalho percorre os 231 quilômetros de rodovias verificando se há animais atropelados. Eles recolhem as carcaças e registram os dados, como local e espécie.
— Temos uma equipe técnica ambiental que faz esse levantamento, a identificação das espécies e a tubulação dos dados. O nosso pessoal (de monitoramento de tráfego) também percorre diariamente todos os trechos. Eles também têm treinamento para fazer esse levantamento e essa identificação das carcaças — explica Karina.
Conforme o diretor-presidente da CSG, Ricardo Peres, o prazo contratual para levantamento de dados é de dois anos. O período é necessário para que se possa ter dados completos de todas as épocas do ano tanto do comportamento das espécies, quanto do próprio tráfego. A partir disso, será possível analisar e definir ações para proteger os animais. Entre as medidas possíveis de serem adotadas estão travessias subterrâneas e aéreas para animais, ações de conscientização, sinalização de alerta para os motoristas e redutores de velocidade.
— Fazendo essas proposições e implantando essas medidas mitigadoras, a gente começa a fazer o acompanhamento, depois disso implantado, para ver se realmente está fazendo diferença em relação ao que aconteceu nos dois anos que foram só observados — observa Peres.
Regiões com mais atropelamentos
- Entroncamento da RS-122 com a RS-240, no entorno do pedágio de Portão: área já urbanizada e com registros de atropelamento de cães, gambás e ouriços. Nos kms 23 e 37 da RS-240 foram identificados acidentes com espécies ameaçadas de extinção.
- Km 30 a 35 da RS-122, em Bom Princípio: tem baixa incidência no número geral de registros, mas se destaca no atropelamento de animais silvestres. Nos kms 13 e 30 da RS-122 foram identificados acidentes com espécies ameaçadas de extinção.
- Entroncamento da RS-122 com a RS-453, na saída de Farroupilha para Porto Alegre: área cercada por grande centro urbano e grande fluxo, o que pode contribuir para ocorrências. Destaque para atropelamentos de gambás e graxains-do-campo. Nos kms 53 (Farroupilha) e 67 da RS-122 (Caxias do Sul), além do km 113 da RS-453 (Farroupilha) foram identificados acidentes com espécies ameaçadas de extinção.
- Km 85 da RS-122, entre Caxias e Flores da Cunha: registros de acidentes com animais silvestres, com destaque para gambá, tatu e graxaim-do-campo. Nos kms 78 (contorno norte de Caxias) e 123 da RS-122 (Antônio Prado) foram identificados acidentes com espécies ameaçadas de extinção.
Atropelamentos também na Rota do Sol
Acidentes que resultam na morte de animais não são exclusividade dos trechos atualmente administrados pela CSG. A Rota do Sol, por exemplo, é conhecida por ser um risco constante à fauna. No último dia 15, um gato-maracajá foi localizado morto às margens da rodovia na região de Vila Seca, em Caxias do Sul. A espécie consta nas listas de extinção global e nacional.
A identificação do atropelamento e da espécie foi realizada pela bióloga, mastozoóloga e analista ambiental, Emanuelle Pasa, que atua em projetos de consultoria ambiental para os modais rodoviário e ferroviário.
— O gato-maracajá, um felino que ocorre em quase todo o Brasil, possui hábitos noturnos e se alimenta de pequenos vertebrados. Os atropelamentos acontecem durante a noite, períodos matutinos ou vespertinos. A maioria destes atropelamentos ocorrem em trechos da rodovia que interceptam corredores ecológicos. Estes corredores ecológicos são de vegetação florestal ou campestre e geralmente possuem cursos d'água. Eles funcionam literalmente como corredores para a fauna que os utiliza para deslocamento. O atropelamento de fauna representa uma das principais ameaças para as espécies e precisa ser mitigado — alerta.