A cada ano, a proximidade das festas de final de ano provoca apreensão em quem tem animais de estimação. Os donos procuram alternativas para proteger os pets, com o objetivo de evitar estresse e medo desencadeado em virtude do barulho dos fogos de artifício. Assustados, muitos animais chegam a fugir de casa ou se machucam ao fazerem movimentos bruscos.
Mesmo que a queima de fogos de artifício com ruídos seja proibida no Rio Grande do Sul desde dezembro de 2020, a prática ainda é comum em todo o Estado. Com os ouvidos mais sensíveis, dezenas de cães já fugiram de casa no Natal, em Caxias do Sul, sendo que a tendência é que esse número aumente na véspera de Ano-Novo.
Segundos especialistas, no caso dos gatos, eles até se assustam com os sons, mas como têm mais facilidade de se esconder, e de se sentirem seguros, não costumam se perder nem se machucar. A médica veterinária Caroline Nesello frisa que cães e gatos possuem uma audição bem mais aguçada, consequentemente mais sensível do que a do ser humano. Coordenadora clínica do Instituto Hospitalar Veterinário da Universidade de Caxias do Sul (IHVET-UCS), ela explica que o barulho dos fogos de artifício são extremamente maléficos para os animais:
— Além do barulho causar desconforto aos pets, os animais ficam muito mais ansiosos e assustados, podendo facilmente se machucar, fugir. Podem até ficar mais agressivos com os tutores ou com outros animais da casa — afirma Caroline.
Conforme a veterinária Luciana Guidolin, enquanto o ser humano consegue ouvir até 20 mil hertz, os ouvidos caninos absorvem até 40 mil hertz. Ou seja, é o dobro do que a audição humana consegue alcançar. Luciana diz que os cães captam sons com mais propriedade, a partir de 15 hertz, e os humanos, a partir de 20 hertz.
— Tem sons que nós não ouvimos e que eles ouvem. Muitas vezes, até quando está vindo uma tempestade, eles escutam antes da gente. Às vezes, por exemplo, soltam um foguete longe, o cachorro ouve e a gente não escuta nada. Os cães são mais sensitivos a esses barulhos mais fortes —esclarece Luciana.
Proteja os pets
Em relação a cuidados, especialmente com os cães, as veterinárias orientam os tutores a deixar os animais em ambientes mais fechados, longe de janelas, porque podem pular e quebrar os vidros. Caroline orienta o tutor a permanecer com o animal, e caso necessário procurar o veterinário responsável pelo bichinho de estimação para avaliar a possibilidade do uso de uma medicação:
— Em alguns casos, quando o pet já tem um temperamento mais agitado e ansioso, é preciso usar medicamentos, podendo ser mais naturais, ou até mesmo ansiolíticos mais potentes. Para isso, precisa de avaliação do veterinários, e, às vezes, é feita a utilização alguns dias antes ou algumas horas antes da data. Se é um paciente um pouco mais tranquilo, pode ser um tratamento fitoterápico mais natural que, dependendo de cada caso, também tem um bom resultado —orienta Caroline.
Tanto Caroline quanto Luciana relatam casos de ferimentos graves que foram provocados por fugas, como atropelamentos, enforcamentos, e até cães presos em grades de ferro.
— Já atendi muitos cachorros que fugiram de casa e foram atropelados. Até uma cachorrinha que se espetou em uma cerca daquelas com lanças. Estava tão desesperada com os fogos que, na tentativa de fugir, ficou presa. Fui até a casa dos tutores para anestesiar, para tirar da cerca e poder prestar o atendimento.
Luciana lamenta ainda a situação dos animais silvestres que estão expostos aos sons no Litoral Norte:
— Se um cachorro ouve um absurdo, imagina um graxaim, que é um cachorro do mato, quando escuta os fogos de artifícios ou rojões, e as aves que ficam desesperadas. Temos que pensar no bem estar dos animais — alerta a veterinária.
Caroline concorda:
— Tem fogos de artifício que não fazem barulho e que são tão bonitos quando os sonoros — aconselha a veterinária.
Cão Forest fugiu, mas teve um final feliz
Forest é um dos cachorros que fugiram na véspera do último Natal em Caxias do Sul. Mas, diferentemente de muitos outros animais que não conseguem mais voltar para casa, e até que perdem a vida, o cão foi encontrado na última terça-feira (26). Segundo a família, Forest fugiu de casa no bairro Bela Vista, em Caxias do Sul, e foi em direção ao Centro. Na terça, foi visto por uma vizinha dos tutores de volta ao bairro onde vive com a família. Assim, foi resgatado pelos tutores, que estavam desesperados e sem esperança de reencontrar o animal.
Mesmo atenta ao medo de Forest, a família providenciou a plaquinha com o nome do cão e reforçou a segurança para evitar fugas, mas ele conseguiu sair de casa no último Natal.
— Procuramos ficar junto dele até se acalmar. Foi tão rápido que não vimos quando fugiu. Nossa casa é muito segura, mas ele deu um jeito. Fez buraco em três cercas de arame farpado e saiu da nossa casa para a casa do vizinho e depois para um terreno baldio — conta a tutora Emili Colório.
A família tomará mais medidas de segurança no Ano-Novo. A tutora pede que os moradores de Caxias evitem soltar fogos de artifícios com barulho ou rojões.
— É muito triste ver quantos animais fogem por medo, e nem sempre é descuido dos tutores, pois, como o Forest, eles ficam desesperados e fazem qualquer coisa para fugir. Muitas vezes até morrem nessas fugas. Ele já tomou até calmante receitado pelo veterinário, e mesmo grogue saía cambaleando bem nervoso. Ficamos com ele dentro de casa e ele tenta abrir a porta, treme, se baba. Fica apavorado e chega a morder as patas de nervoso, por isso estava usando uma meia nas patas quando fugiu — conta Emili.
Dicas
:: Coloque todos os animais dentro de casa, inclusive os que ficam em canis.
:: Não esqueça de soltar os cães da corrente. O mais seguro é deixar o pet dentro de casa, em um ambiente o mais isolado possível do barulho e em local protegido. É extremamente importante manter portas e janelas fechadas para abafar o som de fora o máximo possível e evitar fugas.
:: Não demonstre medo ou nervosismo, mas, sim, segurança e tranquilidade.
:: Evite que crianças fiquem agarrando e abraçando o pet, pois isso pode desencadear uma lembrança ruim decorrente do pânico do animal.
:: Evite colocar muitos animais no mesmo ambiente. Eles podem brigar ou até se matarem na hora do desespero.
:: Não deixe o animal sozinho. Quem mora numa casa deve ficar atento aos portões e muros, pois a tendência é que o animal tente fugir para longe do barulho. No caso dos apartamentos, a atenção deve ser direcionada para a varanda e janelas, onde há risco de queda na tentativa de fuga.
:: Coloque chumaços de algodão grandes nas orelhas do animal. Isso pode ajudá-los a sentir menos o barulho dos fogos.
:: Jamais medique seu pet. Apenas um veterinário pode fazer isso.
:: Animais de porte grande, se possível, devem ser levados para dentro de casa e mantidos sem correntes ou coleiras.
:: Mantenha a calma. O comportamento alterado pode gerar tensão para o animal. Pegar o animal no colo e tentar acalmá-lo pode, inclusive, intensificar o medo.
:: Não dê muitos alimentos neste dia, pois o medo pode gerar torção gástrica, que pode matar.
:: Escolha um cômodo que possa servir de abrigo para o bicho e que tenha pouca interferência de barulho externo. É bom ligar a TV ou o rádio para amenizar o som dos fogos.
:: No caso dos gatos, a dica é deixar armários com as portas abertas para que possam se esconder. Cães costumam ficar embaixo de camas ou móveis que lhes deem a sensação de refúgio e segurança.
:: Não tente tirá-los do local escolhido: permita que encontrem um local onde se sintam protegidos (embaixo da cama, dentro do armário, no meio das almofadas do sofá, dentro do box do banheiro).
:: Cubra gaiolas de pássaros com um cobertor grosso: eles também ficam apavorados com o barulho.
:: Mantenha o pet com medalhinha ou placa de identificação.
Fonte: Sociedade Amigos dos Animais (Soama)
Lei municipal
Os fogos não assustam apenas os bichos, mas também prejudicam os idosos, as crianças e os autistas. Em Caxias do Sul, em 12 de dezembro de 2023, foi aprovada uma lei municipal que proíbe o uso de fogos de artifício sonoros, ou seja, com barulho. A proposta ainda aguarda a sanção do prefeito Adiló Didomenico.
Em caso de não cumprimento, a penalização prevista é de 150 valores de referência municipal (VRMs), que será dobrada em caso de reincidência. Como cada VRM corresponde a R$ 42,62, a multa mínima será de R$ 6.393.
O que diz a lei estadual?
O projeto de autoria da deputada Luciana Genro (PSOL) foi aprovado e sancionada em 2020 pelo governador Eduardo Leite. O PL 21/2019 "proíbe o manuseio, a utilização, a queima e a soltura de fogos de estampidos e de artifícios, assim como de quaisquer artefatos pirotécnicos de efeito sonoro ruidoso no RS".
Contudo, uma emenda do deputado Tenente-Coronel Zucco (PSL) mudou o texto original e estipulou proibição de fogos com ruído acima de 100 decibéis. Portanto, com a lei nº 15.366/2019, os artefatos pirotécnicos não poderão ultrapassar 100 decibéis a uma distância de 100 metros. De acordo com o Ministério Público, a quem descumprir a lei haverá multa de R$ 2 mil a R$ 10 mil, conforme a quantidade utilizada de fogos.
No RS, as denúncias podem ser feitas via WhatsApp da Polícia Civil (51) 98444-0606 ou no site do Ministério Público do Estado por meio de formulário. É recomendado que o denunciante anexe imagens e o endereço de onde os fogos foram soltos. Os fogos visuais são permitidos.