Em inúmeras situações do dia a dia envolvendo crianças e adolescentes, um dos primeiros órgãos que se pensa em chamar para o atendimento é o Conselho Tutelar. Mas, segundo o atual colegiado, que é composto por 10 conselheiros, muita vezes a população os aciona de forma equivocada para algo que não é de competência do órgão. Mas então, quando se pode chamar o Conselho de Caxias do Sul para atuação? Saiba a seguir em que ocasiões acionar o profissional, que neste sábado (18) é lembrado pelo Dia Nacional do Conselheiro Tutelar.
Segundo o que delibera o artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), "o órgão deve ser acionado para proteger os direitos de crianças com idade de até 12 anos incompletos, e adolescente entre 12 e 18 anos, em situações que envolvam falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis, do estado ou em razão da conduta da criança e do adolescente, que ameacem ou violem os direitos humanos assegurados na lei".
Os conselheiros tutelares Gilmar Ferreira Santos e Wagner Ricardo Padilha Da Silva, da macrorregião Norte, e as conselheiras Daiane Da Cruz, Evandra Regina Pellin, da Sul, explicam que o órgão aplica medidas de proteção, mas não cabe aos conselheiros uma ação imediata frente a um crime que esteja ocorrendo ou a responsabilização pelo mesmo. Ou seja, diante de situações que se caracterizam como crime, o primeiro órgão a ser acionado são os que integram a Segurança Pública. A falta de conhecimento da população em geral evidencia-se principalmente nos casos envolvendo adolescentes em ato infracional e na ideia de que o órgão ampara a criança e o adolescente, quando o correto é que o que se tutela é o direito.
Situações práticas
Como exemplo, o conselho deve ser acionado pela população por meio de uma denúncia quando suspeita-se de uma violação de diretos, como abandono, agressão, abuso sexual, maus-tratos, negligência, falta de atendimento de algum médico, entre outros.
Padilha explica que, por exemplo, quando um adolescente é flagrado traficando drogas, o órgão que deve ser acionado é a Brigada Militar (BM), e esta deve apresentar o suspeito de infração ao delegado de plantão na Polícia Civil. Evandra Pellin complementa que, após apresentação do adolescente os órgãos de segurança, devem se esgotar todos os recursos de localização da pessoa indicada pelo adolescente como responsável para buscá-lo em caso de ser liberado.
Quando o familiar não é localizado ou o adolescente é de outro município, conforme prevê artigo 88 do ECA, os órgãos de segurança, o Judiciário e a assistência social, de forma articulada, devem se responsabilizar pelo adolescente. Mas, em geral, segundo os conselheiros, são aplicadas medidas de proteção e acolhimento em abrigo institucional.
Gilmar Santos esclarece que não é de responsabilidade do Conselho Tutelar "punir", mas aplicar medidas de proteção quando um há uma violação de direitos. E que os acompanhamentos dos casos ocorrem por meio das políticas públicas disponibilizadas pela prefeitura. Ressaltam que o conselho deveria ser o último órgão a ser acionado, o que implica em dizer que a família, a sociedade e o Estado não conseguiram garantir o direito ou fazer cessar a violação de direitos envolvendo crianças e adolescentes. Na mesma linha, Daiane exemplifica que, em todos os casos, a responsabilidade sobre aquele adolescente ou criança envolvida é dos pais ou responsáveis:
- Às vezes, a escola liga, por exemplo, (avisando que) o padrasto agrediu a criança e ela chegou com marcas. O primeiro contato é com a mãe, ela é responsável. A mãe respondeu que a criança merecia apanhar e que quando chegar em casa vai apanhar porque contou na escola. Daí o Conselho vai intervir. Mas, se a mãe veio, pegou a criança, levou para atendimento médico, fez o boletim de ocorrência, deu segurança a essa vítima em relação ao agressor, a mãe fez o papel dela. Ela é referenciada na rede de proteção e a rede vai acompanhar repassando ao conselho o que está acontecendo, esse é o sistema.
Outro exemplo seria se a criança ou o adolescente teria sido diagnosticado por um médico com problema de saúde mental e estaria passando por um surto psicótico. O conselho não tem responsabilidade para esse atendimento de saúde. A orientação é que a família acione o Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu).
Outro caso citado por Padilha é quando se visualiza uma criança próximo a sinaleira com a mãe ou pai pedindo esmolas, o qual também não se chama-se o conselho, que não é um serviço de abordagem social. O órgão, segundo Padilha, será acionado pela instituição social caso haja alguma violação de direito deste menor. O mesmo ocorre em uma situação de abandono de incapaz.
- Em crimes de abandono de incapaz, a mãe saiu e deixou a criança trancada em casa sozinha e ela esta gritando. É um crime, tem que ser avaliado e é preciso avisar a segurança pública - exemplifica o conselheiro da região Norte.
Nos últimos meses, foram registradas algumas ocorrências envolvendo adolescentes em saídas de festas, resultando até em homicídios, acrescenta Gilmar Santos. O conselheiro afirma que o órgão de proteção foi questionado de respectiva participação na fiscalização de festas e da conduta dos adolescentes. Porém, segundo o profissional, as demandas do são previstas em lei, e não é possível acrescentar atividades como fiscalização de bares, boates e congêneres. Além disso, os responsáveis pelo adolescente devem ter consciência de onde ele está e do que está fazendo.
O Conselho Tutelar também salienta que, em caso de dúvidas sobre alguma denúncia, os cidadãos podem telefonar para os contatos do órgão: (54) 3227-7150, na região Norte, e (54) 3216-5500, no Sul.
Evandra Pellin informa que a denúncia para o conselho ela é sigilosa, mas a pessoa precisa se identificar. Caso o denunciante deseja manter o anonimato, deve ligar para o Disque 100. Por lei, o conselho não divulga a fonte da denúncia. Ao órgão de proteção, o denunciante deve repassar os dados pessoais, endereço completo de onde a violação de direito está acontecendo e pelo menos o primeiro nome dos envolvidos, para que o conselheiro possa fazer uma abordagem direcionada à vítima.
Outras funções do Conselho
O Conselho Tutelar recebe também informação dos órgãos da rede de proteção, que são os serviços das diferentes políticas públicas. Evandra Pellin comenta que a essas instituições, sejam elas públicas ou privadas, é exigido por lei que prestem informações envolvendo violações de direitos ao conselho, como, por exemplo, a Unidade Básica de Saúde constatar que determinada família não atualiza a carteira de vacina da criança ou a escola perceber a infrequência escolar. A omissão dessas informações pode acarretar em responsabilização.
Ao ser acionado, o conselho notifica a família e toma as providências necessárias para que os responsáveis cumpram com os deveres inerentes ao poder familiar, encaminhando a criança ou adolescente aos atendimentos necessários.
Por outro lado, caso a família precisar de acompanhamento de um médico especialista e não o consegue, o conselho requisita a consulta com urgência. Será envia o um documento oficial solicitando à Secretaria de Saúde (SMS). Outro exemplo é uma família que mudou-se para Caxias e precisa de uma vaga em uma escola da rede pública. Os conselheiros podem intervir para garantir o direito.
O trabalho do conselheiro também é fomentar políticas públicas para melhorias nos serviços. O profissional é um elo com os problemas sociais encontrados diariamente. É quem conhece a realidade da demanda infanto-juvenil. Daiane da Cruz comenta que uma das inúmeras funções é trabalhar na prevenção de violações de direitos, por meio de divulgação de serviços e palestras, mas, devido ao número de conselheiros tutelares, 10 para 463.501 habitantes (número do IBGE de 2022), não se consegue ser atuante:
- Eu assumo a minha responsabilidade como conselheira de não conseguir ser atuante em todas as frentes. Mas a gente faz o que consegue conciliar com o agendamento, reuniões, visitas domiciliares, audiências, representações em reuniões públicas, temos assentos em conselhos. É um universo grande. Precisaria de mais conselhos para fazer efetivamente o nosso trabalho - resume ela.
A conselheira afirma que segundo recomendação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), a cada 100 mil habitantes a cidade deveria ter um Conselho Tutelar.
Além da carga diária - atendimento de segunda a sexta das 8h às 12h e das 13h30min às 17h30min -, os conselheiros fazem plantões semanais entre 16h e 0h nos finais de semana e feriados. O colegiado também acrescenta que, desde 2013, os conselheiros tutelares não são remunerados e não compensam as horas trabalhadas em regime de plantão.
Mudança de conselheiros e de cargos na lei
A gestão atual encerra o mandato em 9 de janeiro do próximo ano. A equipe relembra o quanto foi difícil a atuação nos últimos quatro anos. No início do mandato, em virtude da pandemia, foi necessário se adequar à nova realidade e pensar em outras alternativas, para garantir a proteção de crianças e adolescentes num período em que muitos dos serviços públicos se encontravam fechados, com horários reduzidos ou trabalhando remotamente. Observaram-se reflexos deste período, com diversos acolhimentos institucionais de forma emergencial no pós-restrições da pandemia e aumento de casos de saúde mental. Além disso, tratou-se de uma gestão atípica com recorrentes substituições de conselheiros tutelares, o que afetou diretamente na atuação dos colegiados.
A partir da próxima gestão, serão implantadas mudanças previstas na Lei Complementar 724, sancionada em 24 de março de 2023. O Conselho Tutelar deixará de estar administrativamente vinculado à Fundação de Assistência Social (FAS) e passará a estar ligado à Secretaria de Recursos Humanos e Logística (SMRHL).
A presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica), Ana Maria Franchi Pincolini, explica que a principal mudança da lei é regular de forma correta o cargo do conselheiro. Antes, o candidato eleito era tratado como um CC, o que não lhe permitia ter direitos como receber horas extras.
— Um CC é um cargo de chefia, onde o prefeito pode livremente deliberar a nomeação e a exoneração, como um secretário por exemplo. Porém, o conselheiro não é assim, ele é eleito, por isso, o cargo correto é agente público temporário. Essa lei arrumou a vinculação dele — explicou Ana Maria.
A presidente Ana Maria ressalta que não é possível o Conselho Tutelar ser vinculado à FAS, já que é um órgão fiscalizador da assistência social. Então, para regular férias, cartão ponto e demais situações administrativas, ele foi repassado para a Secretaria de Recursos com o objetivo de garantia dos direitos deles e correção de distorções como estar em um cargo de CC.
Para a população, na prática, não há mudanças. A lei municipal não pode modificar as atribuições da equipe. A transição entre FAS e RH está em andamento, com reuniões dos órgãos competentes e em breve deve ter com o novo colegiado eleito, segundo o secretário municipal de Recursos Humanos, Ronaldo Boniatti. Após a implantação da nova lei, Boniatti afirma que serão revistas as horas de trabalho dos conselheiros e avaliada a necessidade de ampliação do quadro de agentes ou criação de mais conselhos.
Outra mudança prevista é que o conselho não será mais responsável pelo acolhimento de adolescentes, após os tramites judiciários, o que já era determinação anterior mas na prática não ocorria. Até o dia em que a lei terá mudança definitiva, em 2024, os conselheiros seguirão fazendo o acolhimento de adolescentes autores de ato infracional sem a localização de familiares ou responsáveis ou pertencentes a outros municípios.
Depois, o acolhimento será de responsabilidade da assistência social. Com a atual experiência de acolhimentos, os conselheiros Santos, Silva, Daiane e Evandra relataram a preocupação com a forma com que é feita os acolhimentos de crianças e adolescentes em Caxias. O colegiado esclarece que a atribuição de acolhimento institucional é do juiz da Vara da Infância e Juventude, e que, emergencialmente, em casos excepcionais, se aplica a medida com comunicação imediata ao Ministério Público com posterior revisão do Judiciário.
O acolhimento institucional é a última medida a ser aplicada, pois trata-se de uma intervenção em que nenhum conselheiro se sente confortável em fazer. Pois o grupo acredita que deveria focar mais nos serviços da proteção social básica para promoção das famílias, com o objetivo de evitar o rompimento de vínculos.
Relembre os conselheiros eleitos para a gestão 2024-2028
Eleitos:
1º - Rafael Neques Machado (1.441 votos)
2º - Adriano Gomes Morandi (1.431 votos)
3º - Dai Cruz (877 votos)
4º - Rodrigo Barbosa (Dão) (785 votos)
5º - Maurício da Silva Abel (735 votos)
6º - Evandra Pellin (655 votos)
7º - Marjorie Sasset (636 votos)
8º - Profe Daiane Torres (604 votos)
9º - Priscila Vilasboa (565 votos)
10º -Karen Finger (496 votos)
Restante da lista
11º - Marielle Munari (392 votos)
12º - Rita Elisabete (382 votos)
13º - Wagner Padilha (326 votos)
14º - Jeferson Morais (293 votos)
15º - Karine Gama (288 votos)
16º - Josué Orian (280 votos)
17º - Ana Lúcia Grandi (196 votos)
18º - Josi Meller (109 votos)
19º - Magda Juliana De M. Boff (94 votos)
20º - Medianeira Zaltron (93 votos)
21º - Jeferson R. Menin (64 votos)
22º - Valdnéia Borges (Val) (59 votos)
23º - Janaína dos Ouros (40 votos)