No início de uma tarde ensolarada, um novilho pasta tranquilamente no Instituto Veterinário de Grandes Animais da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Para quem passa distante, não imagina que o boi, de apenas 11 meses, 330 quilos e pelagem clara, carrega uma história de perseverança e recomeço.
Valente foi resgatado em Muçum pelo Grupo de Resgate de Animais em Desastres (Grad), depois de ter desaparecido por três dias por causa das chuvas no Estado no início de setembro. Quando foi encontrado, estava com uma pata fraturada. Ele precisou ter o membro amputado. Agora, o bicho está perto de ser o primeiro de grande porte atendido pela universidade caxiense a ganhar uma prótese - semelhante as que são feitas para humanos amputados.
— O que é diferente do Valente: ele é um animal de produção, um bovino. Ele não é considerado um animal de companhia, tampouco um pet. O bovino não tem a mesma relação que o ser humano, na sua grande maioria, tem com os cavalos. E os cavalos, às vezes os tutores não investem na colocação próteses, mesmo com essa relação. Com os bovinos, menos ainda. O Valente sempre tivemos a possibilidade de, ele vindo pra cá, a última opção seria eutanásia — explica o médico veterinário e diretor do Instituto Hospitalar Veterinário da UCS, Leandro Ribas.
Decisão é técnica
Logo que as enchentes ocorreram, o instituto colocou-se à disposição para auxiliar e acolher animais. Quando foram a Muçum para atendimento de alguns bichos, diagnosticaram a fratura na pata esquerda de Valente. Em conjunto com o Grad, chegaram à conclusão de que o tratamento deveria seguir no hospital veterinário caxiense.
Foi quando o grupo de resgate adquiriu o novilho do antigo dono e, em 19 de setembro, o boi chegou a Caxias. O primeiro tratamento, que consistia na imobilização com gesso, não funcionou. A partir do acompanhamento e com um prognóstico otimista, a possibilidade que surgiu foi a da prótese.
O professor reforça que até para esta alternativa é necessário levar em conta o quadro do animal e o prognóstico. Nem todas as fraturas ou casos podem ter essa solução.
A prótese é produzida por uma empresa de Porto Alegre. O investimento é de R$ 3,5 mil, pagos pelo Grad. A UCS assume os custos de acolhimento e tratamento. A projeção é que Valente receba a prótese em até 30 dias.
Qualidade de vida
Antes de receber a prótese, Valente realiza uma adaptação com uma provisória, produzida com cano de acrílico. A partir dela, a equipe do instituto veterinário da UCS percebe que o novilho terá qualidade de vida. O acompanhamento diário da veterinária Larissa do Amaral, que tem o apoio dos estagiários voluntários Leonardo Scain Amadori e Rafael Triches, mostra que o novilho está bem, inclusive conseguindo movimentar-se.
— Como que sabe a qualidade de vida? Primeiro, está demonstrada na expressão física dele. A expressão da face, dos olhos e da orelha. Sabemos que o animal tem dor até pela expressão. Então, ele não tem expressão de dor. Como sabe também que ele não está sofrendo? Ele não tem nenhuma ferida no corpo, por ficar deitado por muito tempo — analisa Ribas, com base também em parâmetros clínicos.
Larissa avalia que, neste momento, está tudo pronto para que Valente possa receber a prótese. Após a adaptação, o Grad colocará o novilho para adoção - o instituto veterinário estuda entrar nessa fila. O diretor afirma que Valente precisará de acompanhamento constante:
— É um animal que terá cuidado toda vida. Não é um animal que voltará para um rebanho. Ele vai ser criado como um pet. Tem que ficar perto das pessoas, para um olhar diário. Não dá pra soltar e olhar ele semana que vem.
Lição valiosa
A história de Valente traz bem mais do que somente a boa ação com o bicho. Como descreve Ribas, o caso oportuniza que os alunos ganhem o conhecimento técnico na prática, inclusive os estagiários voluntários do instituto. Depois, e ainda mais valioso, existe a lição da "parte humana, social e cidadã, que é nos importarmos com o problema dos outros", como reflete o professor e médico veterinário:
— Nós somos uma universidade comunitária e entendemos que temos que dar apoio nessas causas. Por ser uma causa diferente, eu acho que uma universidade como a nossa tem condições de fazer parte desse projeto. Hoje, o Valente se tornou um projeto de mostrar que primeiro nós temos que trabalhar nas causas sociais, de desastre. A parte humana precisa de todo nosso suporte, e a causa animal também. E também dizer que todo animal, independentemente do seu porte, se manejarmos eles, todos são pets, todos são animais de companhia. O Valente é uma mostra disso.