Os fios de cabelo caindo com fragilidade por causa da quimioterapia são observados com apreensão por aquelas que, além de estarem lidando com o diagnóstico do câncer de mama, encontram no reflexo do espelho uma versão desconhecida de si mesmas. A partir da lamentação de uma paciente sobre os valores das perucas, que devolvem a autoestima das mulheres durante o tratamento, o projeto Banco de Perucas foi criado no Hospital Geral (HG) de Caxias do Sul. A iniciativa celebra 10 anos de existência neste mês de outubro.
Pesquisando sobre os valores e compartilhando com o marido a lamentação da paciente, a médica oncologista Janaína Brollo decidiu dar início ao projeto, em 2013. Segundo ela, os 10 anos vivenciados desde então só foram possíveis a partir de encontros com as pessoas e parcerias certas, que abraçaram a iniciativa e entenderam a importância de, não apenas fornecer perucas para as mulheres em tratamento, como se tornar uma rede de apoio para cada uma delas.
— Não tinha ideia do preço de uma peruca feita com cabelo verdadeiro e mencionei como seria bacana se existisse um banco. A partir dessa conversa, o projeto começou a caminhar. Tive a felicidade de encontrar no caminho pessoas que me auxiliaram porque não basta ter uma grande ideia, é preciso ter força de vontade, persistência e encontrar as pessoas certas. Essa paciente, que deu início à ideia, infelizmente não está mais aqui, mas sempre lembramos dela porque ela foi um marco no início desse projeto — conta a médica.
Com a ajuda da paciente Tatiana Dall'agnol, que incentivou a criação da ideia, o projeto cativou também Clementina Giacomelli, atual coordenadora do Banco de Perucas. Diagnosticada com câncer de mama aos 45 anos e curada após o tratamento, encontrou na iniciativa uma forma de fazer a diferença na vida de mulheres que poderiam passar pela mesma situação.
— Quando você recebe o diagnóstico de um câncer, você passa a viver um momento ímpar. Esse projeto muda não só a nossa vida, mas a vida de muitas mulheres que vem aqui. Aqui elas encontram acolhimento e esse acolhimento faz muita diferença. Elas encontram mulheres que passaram pelo mesmo processo, mulheres que sabem exatamente o que elas estão passando e, quando elas manifestam medo ou começam a apresentar os efeitos do tratamento, encontram aqui a oportunidade do diálogo e percebem que não estão sozinhas. Nos tornamos uma rede de acolhimento e apoio para as mulheres em um período sensível — relata Clementina.
Ao longo dos 10 anos, o Banco de Perucas, que conta com a participação de voluntárias do projeto Amigas de Peito e Alma, recebeu apoiadores de diferentes pessoas e entidades de toda a Serra. Entre realizações e momentos grandiosos para firmar a existência do projeto, ocorreram diversas perdas de pacientes, que acabaram não resistindo ao câncer. Conforme as organizadoras, o Banco de Perucas continua, também, a partir da força deixada por cada uma delas.
Broches e desfiles de pacientes
Para que o projeto continuasse dando os primeiros passos, Janaína teve a ideia de fazer broches personalizados com a temática do Outubro Rosa. Inicialmente, a médica oncologista pensou na fabricação de pouco mais de 20 broches, que seriam distribuídos entre entidades e profissionais da saúde. Foi aí que houve o encontro com a empresária Sirley Sonda Massoni, que idealiza os acessórios.
— Quando fiquei sabendo da ideia dela, do projeto, aquilo mexeu comigo. Eu sabia que meu fornecedor não faria menos de 200 protótipos, então arriscamos e pedimos para que fizesse os 200 broches. Só naquele ano, a ideia dos 23 broches para distribuição, se tornou 3 mil broches vendidos e o dinheiro arrecadado foi colocado aqui no Banco de Perucas. A partir disso, conseguimos o espaço no HG e fomos ganhando mais apoio de diferentes pessoas — lembra Sirley.
Atualmente, os broches são o "carro chefe" do projeto. Segundo as organizadoras, graças às vendas dos laços rosas em pedraria, o Banco de Perucas consegue se manter e atender diversas pacientes diagnosticadas com o câncer de mama.
A parceria de sucesso entre o projeto e a moda seguiu para a chegada de Claires Carnino Viezzer, empresária do ramo de confecções. Segundo ela, logo no primeiro ano o Banco de Perucas conseguiu organizar desfiles de pacientes, tanto para arrecadar fundos para o projeto, quanto para proporcionar o momento de deslumbre entre as mulheres que estavam em processo de tratamento. Os desfiles continuam na cartela de possibilidades organizadas pelo projeto.
— Eu não entendia muito bem o projeto naquela época e acho que ninguém imaginava a proporção que ia se tornar, mas quando surgiu a ideia dessa união do projeto com a moda, e quando organizamos esse desfile, vi que era uma ideia fantástica. Foi uma experiência incrível para nós e, também, para as pacientes, que puderam desfilar no Clube Juvenil. Elas escolheram na minha loja as roupas que queriam usar no desfile, mostraram todo o charme que tinham e, pelo menos naquele momento, a doença não era a parte maior. Elas eram a parte maior — lembra Claires.
Para organizar os eventos do Banco de Perucas, os caminhos das organizadoras acabou cruzando com o de Paula Ledur, que já atuou na área da enfermagem e, atualmente trabalha com a locação de itens para festas.
— Trabalhei por 18 anos na enfermagem e vi a luta quando chega o diagnóstico do câncer para uma pessoa. Esse diagnóstico mexe com a paciente, mas também com toda a rede de pessoas envolvidas com ela. Quando recebi o convite para participar do projeto, abracei a ideia por saber do processo difícil, das questões de abandono que muitas mulheres enfrentam durante o tratamento. Acho que quando você ajuda, mesmo que um pouquinho, você está contribuindo não só para o crescimento de um projeto como esse, como para um sentimento positivo dentro de si mesmo — lembra Paula.
O futuro do Banco de Perucas
Presente no conhecimento de moradores não só de Caxias, como de diversas cidades da Serra, o projeto vivenciou nos 10 anos de existência crescimento de espaço ocupado e, também, de apoiadores da causa. Desde os primeiros passos dados, em 2013, o Banco de Perucas já conseguiu cerca de 800 perucas e atendeu mais de mil mulheres.
Atualmente, o projeto, apoiado pelo Hospital Geral, auxilia pacientes diagnosticadas com câncer de mama com clipe mamário, lenços, almofadas e perucas confeccionadas com doação de mechas de cabelos verdadeiros.
Conforme Janaína, o projeto que começou nos corredores do Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon) do HG, se tornou regional e o objetivo para os próximos anos é continuar prestando atendimento qualificado, humanizado e acolhedor para todas as pacientes que tenham os próprios caminhos cruzados com o Banco de Perucas.