Pela terceira vez, a comunidade ligada à Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Atiliano Pinguelo, no Loteamento De Zorzi, região do Diamantino, tem um prazo estipulado pela prefeitura de Caxias do Sul para voltar a ocupar dependências que sejam, de fato, do educandário: o início do ano letivo de 2024. A expectativa paira entre alunos, pais e professores há mais de quatro anos, quando o prédio da escola, que já estava parcialmente interditado, precisou ser desocupado por risco de deslizamento após uma forte chuva que atingiu a cidade.
Um projeto inicial de reforma foi substituído por outro de construção de uma nova sede, no mesmo bairro. Desde então, por duas vezes, as famílias foram frustradas com o descumprimento de prazos para conclusão da obra: primeiro por falta de materiais e entraves burocráticos e, depois, por desistência da empreiteira contratada. A ordem de serviço que será assinada neste sábado (26), com a segunda colocada da licitação, renova a esperança da comunidade escolar que anseia pelo dia em que o educandário voltará a funcionar no território ao qual pertence.
Os estudantes não ficaram sem aulas. O prédio do antigo Mutirão, no bairro Nossa Senhora de Lourdes, tornou-se a sede temporária onde são atendidos os 230 estudantes hoje matriculados. O espaço também é ocupado pela EMEF Laurindo Formolo — outra escola que, por questões estruturais, foi desocupada — que tem 200 alunos matriculados. Segundo a Smed, são despendidos mensalmente R$ 20 mil reais para o aluguel do prédio, além de aproximadamente R$ 32 mil para o transporte dos estudantes da Atiliano Pinguelo que, em sua maioria, são moradores dos bairro Diamantino, De Zorzi e Campos da Serra.
Após um período de adaptação, que envolveu alguns ajustes no prédio de estrutura antiga, cinco salas de aula, além de outros espaços como refeitório, pátio e ginásio - estes dois últimos compartilhados com a Laurindo — passaram a ser ocupados.
Apesar da estrutura de formato escolar, a necessidade de deslocamento e o fato de o funcionamento ocorrer fora da comunidade não deixam de gerar impactos às famílias, o que torna a volta ao território de cobertura cada vez mais aguardada.
— O principal impacto é a comunidade não se sentir pertencente ao espaço, e a gente luta desde que a gente veio para cá para que eles se sintam bem no espaço. Porque tem coisas que realmente é difícil, tem muitos pais que nem conhecemos o rosto. Por mais que a gente se organize com todas essas parcerias que precisam acontecer, não é fácil. As famílias ficam nervosas porque todo dia o filho está dentro de um ônibus. Estamos bem, mas queremos voltar — afirma a diretora da escola, Mariana Zanotti.
O transtorno causado pelo atraso nas obras é reconhecido pela titular da Smed, Sandra Negrini, que conta com a conclusão da obra a partir da contratação de uma nova empresa.
— A gente avalia como uma coisa ruim, sempre. A escola começou antes da pandemia ainda. É ruim porque cria expectativa tanto com as crianças quanto com a comunidade, mas infelizmente foge da nossa alçada — afirmou.
Segundo a secretária, a empresa Construvia Serviços de Reformas Prediais Eirelli abandonou a obra que encontra-se 48% executada. Ela afirma que a recisão foi oficializada em outubro e que o município irá buscar ressarcimento para cobertura dos gastos ocasionados pelo atraso.
De acordo com a prefeitura, o investimento permanece em R$ 3.586.864,63 sendo R$ 1.858.237,02 repassado a JC Rossi Construções Ltda, segunda colocada na licitação, contratada para a finalização da obra. A reportagem tentou contato com a Construvia Serviços de Reformas Prediais Eirelli, mas não obteve retorno.
"Ele só precisaria atravessar a rua", lamenta mãe de estudante
As aulas no prédio do antigo Mutirão representam a única versão da escola Atiliano Pinguelo que o Eduardo Moretto Santos, 11 anos, estudante do 5º ano, conhece. E provavelmente será a única que ele vai conhecer, já que no ano que vem ele deverá frequentar uma escola que ofereça o Ensino Fundamental de 6º a 9° ano.
O estudante mora no bairro Diamantino, praticamente em frente à obra que, se concluída dentro dos primeiros prazos previstos, poderia ter sido frequentada por ele. Acompanhado pela mãe, Sandra Moretto, 36, é uma obra parada que ele enxerga do outro lado da rua quando se desloca até o ponto de ônibus.
— Até o segundo ano ele estava na (EEEM) Provincia de Mendoza, no bairro Cruzeiro, porque era mais perto do meu trabalho. Quando surgiu o projeto da escola, resolvi garantir uma vaga, porque ele só precisaria atravessar a rua. Consegui a transferência em 2020 achando que a obra logo ficaria pronta mas, em 2022, quando foi retomado o ano letivo, ele voltou pro Mutirão — relata a mãe.
Situação parecida vive Andriely Nofre Dal Alba, de 11 anos, que mora no mesmo condomínio de Eduardo e também pega ônibus até a Atiliano, sob os cuidados de Sandra. Isso porque a mãe dela, Neli Nofre, 45, é metalúrgica e sai de casa antes da filha pela manhã.
— Eu matriculei ela na Atiliano porque não precisaria de terceiros para cuidar dela, levar no colégio. Agora vou tentar matricular ela em um colégio que já tenha Ensino Médio, pra não precisar ficar trocando toda hora — projeta Neli.
Para Lisângela Rizzon Pires, 42, ainda há esperança de que o filho Lorenzo Pires Silveira da Rosa, 9 anos, estude na nova sede da escola.
— Esse deslocamento é uma preocupação pra gente. Ele ainda tem mais um ano na Atiliano, tenho esperança. Se tivessem trabalhado direito, em um ano estava feita. A gente via que era um descaso — lamenta.
Lisângela é professora da Educação Infantil e também conta com a vizinha Sandra para cuidar de Lorenzo da saída de casa até o momento do embarque. A auxiliar administrativa consegue assumir a função porque está em licença de saúde. Ela já passou por duas cirurgias para a remoção de tumores na cabeça e mesmo com fortes dores que ainda são investigadas pelos médicos, acompanha as crianças.
A reportagem acompanhou uma manhã no ponto de embarque onde cerca de 15 estudantes da Atiliano pegam o ônibus, que fica a poucos metros da antiga e da nova Atilino Pinguelo. As mães entrevistadas demonstraram a preocupação que sentem em relação ao local do ponto, que fica às margens da movimentada Rua Madre Bárbara, no acesso ao condomínio Villaggio Madre Bárbara, de onde diversos carros saem antes do ônibus passar, às 7h. O local também tem iluminação precária e não conta com proteção para dias de chuva, por exemplo.
— Quando chove a gente faz cabana de guarda-chuva — relatou Andriely.
Procurada pela reportagem, a assessoria da Smed afirmou que não recebeu reclamações referentes às condições do ponto de embarque e afirmou ainda que "os estudantes frequentam as aulas durante o dia. Ainda assim, sempre que foram solicitadas melhorias em paradas de ônibus, as secretarias envolvidas na solução foram acionadas e responderam à demanda".
Outra preocupação apontada pelos pais dos estudantes se refere ao Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI) que o prédio do antigo Mutirão não tinha quando foi locado pela prefeitura. À reportagem, a Smed não confirmou se o documento chegou a ser obtido. O problema afeta outras escolas da rede municipal da cidade e, por isso, desde abril a prefeitura tem realizado adequações. O primeiro lote anunciado incluiu 10 instituições, sob investimento superior a R$ 8 milhões. A legislação estabelece como prazo para a realização de todo o processo o ano de 2030.
Retomada da obra
A segunda colocada no processo licitatório da obra , a JC Rossi Construções, disse que foi procurada há cerca de cinco meses e que, desde então, veio realizando estudos para viabilidade de assumir o projeto, conforme o recurso disponibilizado. A ordem de serviço será assinada neste sábado (26) e, conforme a arquiteta responsável, as obras serão iniciadas em setembro com cronograma de um ano para serem concluídas. Segundo a Smed, o valor total investido pelo município chega a R$ 3.586.864,63, sendo o montante de R$ 1.858.237,02 destinado à empresa que agora assume a execução. A expectativa é de que os trabalhos sejam retomados em até 30 dias.
O projeto prevê o novo prédio escolar erguido em uma área de aproximadamente 900 m², com cinco salas de aula — duas a mais do que havia na antiga sede —, aptas a acomodar até 30 alunos cada. Duas salas estarão reservadas para educação infantil para crianças de quatro e cinco anos, com capacidade de 20 alunos cada.
O projeto ainda prevê biblioteca, sala dos professores, sala da direção e secretaria, cozinha, laboratório de informática, refeitório, banheiros adaptados, despensa e sala multiuso. A futura escola também contará com um ginásio fechado de aproximadamente 500 m², incluindo dois vestiários, dois banheiros acessíveis à PCD e depósito de educação física.
O pedido da Smed é que o foco seja na conclusão da parte que poderá receber os estudantes a partir do ano letivo 2024, ficando para o restante do prazo, que se encerra em setembro do ano que vem, a construção do ginásio.
Relembre o caso
As aulas da Atiliano Pinguelo foram suspensas em 16 de abril de 2019, após parte do muro da antiga estrutura ter cedido durante uma chuvarada que ocasionou risco de deslizamento. As estruturas do banheiro e parte da cozinha do educandário com 140 alunos já estava comprometida há pelo menos dois anos, com interdição parcial. Seis famílias que ocupavam o terreno da escola foram retiradas e a prefeitura, sob gestão de Daniel Guerra, passou a planejar uma reforma orçada em R$ 1 milhão, com recursos da Secretaria Municipal de Educação. A obra incluiria um refeitório e uma quadra de esportes.
A área do antigo colégio Mutirão, no bairro Nossa Senhora de Lourdes, virou sede provisória dos estudantes da Educação Infantil ao 5º ano a partir de 29 de abril de 2019. Sete meses depois, em 27 de novembro, a prefeitura apresentou o projeto de um novo prédio para a escola, na área de 1.350 m², que ainda demandava terraplanagem e tinha orçamento previsto em para a construção de R$ 4,7 milhões.
A ordem de serviço foi assinada somente em março de 2021, com o município já sob a gestão do prefeito Adiló Didomenico (PSDB). O prazo de conclusão foi definido em 270 dias (cerca de nove meses) e orçamento de R$ 2.968.459,70. Um ano e quatro meses depois, a obra ainda não estava pronta. Ela chegou a ficar um tempo paralisada, por falta de material e entraves burocráticos, sendo retomada em 29 de julho de 2022, com a previsão de término até o final do ano passado.
A empresa Construvia Serviços de Reformas Prediais Eirelli, vencedora da licitação, com sede em Brasília, abandonou a obra pela metade, 48% executada, dois meses depois, em uma rescisão que se oficializou em outubro.