A Associação de Apoio a Pessoas com Câncer (Aapecan), uma organização sem fins lucrativos, completa 18 anos de atividades e comemora tanto o atendimento a pacientes quanto o reconhecimento da comunidade. Em 15 de junho, a entidade foi homenageada pela Câmara de Vereadores com o Prêmio Caxias. A finalidade da Aapecan é oferecer suporte a pessoas em tratamento e aos respectivos familiares.
— Estou encantada, é uma rede de apoio que oferece o melhor. Nem parece que estamos doentes quando estamos aqui (na Aapecan) — comenta Jéssica Martins Pissolo, moradora de São José dos Ausentes que acompanha o pai, Laercio Augustinho Pissolo, 73 anos, durante o tratamento de câncer na laringe.
Pissolo recebeu o diagnóstico em março deste ano, após perceber que a voz estava mudando. O morador de São José dos Ausentes fez todas as consultas na cidade de origem e em Bom Jesus, município vizinho, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O médico receitou 28 sessões de radioterapia para o tratamento da doença, que está em estágio inicial. O tratamento é realizado no Hospital Geral de Caxias do Sul, que fica a três horas de viagem da casa dele.
Como um familiar de Jéssica já fazia doações para a Aapecan e havia utilizado os serviços, que envolve atendimento psicológico, de assistência social, nutricional, fisioterapia, apoio jurídico, oficinas, entre outras atividades de lazer, Jéssica e o pai sabiam que poderiam contar com a entidade. A Aapecan disponibiliza uma casa com acomodações para que as pessoas possam dormir e se alimentar, caso necessitem.
Com essa recomendação, ao chegar em Caxias para fazer a primeira radioterapia, há quatro semanas, a família foi orientada a procurar a Aapecan. A unidade hospitalar, que tem parceria com a entidade, entrou em contato e deixou um dos oito quartos da casa reservado para Laercio. O espaço conta com duas camas, uma para o paciente e outra para o familiar.
— A gente tem família em Caxias, que nos ofereceu para ficar na casa deles. Mas o parente sai para trabalhar e volta à noite, tu tens que ir e voltar do hospital e a gente não gosta de ficar incomodando. Na Aapecan, eles estão aqui pra isso e fazendo muito bem o trabalho. Eles levam e trazem do HG, cuidam da gente, todo dia tem coisas pra fazer, tu se distrai — descreve a filha.
A rede de apoio se forma por meio do voluntariado
A família Pissolo pretende ser uma doadora da Aapecan, assim que finalizar o tratamento de câncer (veja as formas de doação abaixo). E assim é com todas as pessoas que já passaram pela casa. Um dos casos é do cabeleireiro caxiense Modesto Alvanir Paz, 74, que teve câncer de mama em 2007. A mãe e duas irmãs tiveram a mesma doença, porém, não conseguiram a cura como Modesto e morreram. Ele ficou em tratamento até dezembro de 2022 e frequentou a Aapecan por todo esse período, como paciente e como voluntário. Em um dia da semana, definido num cronograma de oficinas, Modesto integra “O Dia da Beleza”. Ele corta os cabelos das pessoas que passam pela casa.
— Eu trabalhei no exército por 29 anos e, quando tive câncer na região da mama, do pulmão, eu saí e procurei a Aapecan. Por que não dar um retorno a eles com o meu voluntariado? É assim que a rede de apoio de forma — complementa o morador do bairro Colina Sorriso, em Caxias.
As oficinas são realizadas por pessoas voluntárias da casa, há momentos de pintura, costura, culinária, trabalhos com EVA (espuma sintética bastante flexível para diversas atividades) e artesanato, além de sessões de Reiki e Pilates, aulas de computação, Dia da Beleza e palestras informativas. A grande maioria tem o intuito de ser um momento de lazer dos pacientes e familiares que são atendidos pela Aapecan. Mas, em alguns casos, como por exemplo as oficinas de costura e artesanato, são utilizadas como uma fonte de renda ao paciente.
A atual presidente da entidade, Marli Francisca Larandi, 69, também foi uma usuária e hoje participa da oficina de culinária "Mão na Massa". A mulher forte e determinada passou pelo diagnóstico de câncer de mama em 2007. Ela já era viúva e cuidava dos dois filhos, Marcos e Tatiane.
A moradora do bairro Cidade Nova relembra que foi ao médico sozinha e recebeu o diagnóstico. Mas não teve medo. Comenta que seu primeiro pensamento foi: "preciso criar meus filhos primeiro". Ela teve um grande apoio dos pais e irmãs. Na época, não procurou psicóloga, apenas focou no trabalho e na criação dos filhos.
— No dia em que eu fazia a quimio, dirigia até em casa, passava bem mal de saúde. Mas, no dia seguinte já ia trabalhar — conta ela.
Em meio ao tratamento, soube da Aapecan e procurou atendimento e encontrou um ponto de apoio. A vovó da Julia, 11 anos, e da Carolina, de 8, destaca que hoje não consegue ficar em casa, sem visitar a instituição com frequência. Além disso, criou um vínculo com os demais colegas. Marli se reúne uma vez por mês com as integrantes da oficina Mão na Massa para um almoço ou jantar na casa de uma delas. O último, dia 10 de junho, foi na casa de Marli. Segundo Marli, essa convivência reforça o tratamento das que ainda precisam dela, que já está curada há 15 anos.
— A gente passa um incentivo uma para a outra, falo pra elas terem força, terem fé, levo a minha experiência pra elas — complementa a presidente.
Do diagnóstico ao apoio
O paciente oncológico chega até a associação por meio de indicações do médico, da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Hospital Geral, parceiros, divulgações, entre outros. Já na entrada da sede tem a recepção onde se faz um cadastro do paciente. O primeiro encontro é com a assistente social e com psicóloga para entender a demanda daquele novo usuário. Após, a equipe de profissionais da casa se reúne e verifica em quais atividades a família dele pode ser inserida, se há necessidade de doações, empréstimos de equipamentos, ou ainda apoio jurídico para conseguir benefícios.
O espaço tem o objetivo de acolher o paciente que precisa sair cedo do respectivo município, dos 48 municípios da Serra, e passará horas fazendo um tratamento forte como é a quimioterapia, por exemplo. E não tem condições de esperar por uma van ao final do dia para voltar à residência. Por isso, desde a alimentação, a cama, os espaços de convivência são projetados para esse acolhimento.
Após a cura do câncer, o “antigo paciente” também é bem-vindo para continuar passando força e experiência aos demais. Ainda segundo Marli, muitas famílias iniciam e infelizmente o paciente não resiste à doença, mas os familiares são convidados a continuarem nas atividades da organização. Principalmente do atendimento psicológico. A Aapecan é aberta à comunidade. A população de Caxias do Sul pode ir até a associação conhecer o local e verificar o cronograma de atividades para participar daquilo que lhe interessar. Não é cobrada contrapartida das pessoas que integram a Aapecan.
A Aapecan tem cadastros novos todos os dias
A psicóloga Bruna Curra, 32, é uma das primeiras profissionais a dar o acolhimento ao paciente e aos familiares. Ela analisa o contexto familiar do paciente e do que ele precisa, o encaminhando para atividades em grupo, individual, recebimento de benefícios como medicação, cesta básica, entre outros.
Segundo Bruna, todos os dias há novos cadastros de pessoas com câncer na Aapecan. Há dias que até quatro cadastros são feitos. Atualmente, a organização tem 520 pessoas cadastradas, sendo mais de 3 mil pessoas, entre pacientes e familiares, participando das atividades. Em 2022, a Aapecan Caxias teve cerca de 35 mil atendimentos diretos e, indiretamente, atendeu 4.279 pessoas. São servidas mais de 70 refeições por dia. Em âmbito estadual, nas 15 unidades, no ano passado, foram mais de 238 mil atendimentos (envolve o usuário e a família). Já nos 18 anos de atuação, a associação já ultrapassou 26.053 pessoas cadastradas.
Nos últimos dois anos, a psicóloga, que trabalha há cinco na entidade, detalha que houve um acréscimo de pessoas diagnosticadas. Ela percebeu também que as doenças estão mais agressivas. Na avaliação da profissional, durante a pandemia, as orientações de permanência em casa e para evitar ir a hospitais permeou a retratação das pessoas em buscar consultas médicas. Essa retenção piorou o quadro das doenças.
— Devido à demora na busca pelo médico, o medo de ser realmente algo grave e o preconceito com os exames, as pessoas estão aguardando mais para consultas. Porém, quando diagnosticados, o tratamento é mais demorado e invasivo por conta da gravidade em que o quadro já se encontra — explica Bruna.
Nas mulheres, o câncer de mama, segundo Bruna, é o mais comum e a doença vem acometendo mulheres com idade próxima dos 30 anos. O padrão, segundo ela, é a recomendação da mamografia de rotina para as mulheres de 50 a 69 anos, uma vez a cada dois anos. Contudo, o perfil das mulheres diagnosticadas está mais jovem. Já nos homens a principal doença que os leva ao consultório da psicóloga é o câncer de próstata. As dúvidas sobre exames, o preconceito com o exame de toque, entre outras questões, afetam o psicológico dos pacientes masculinos.
Os tratamentos disponibilizados pela Aapecan são terapêuticos, de resgate ao contato familiar, criação de vínculos e valorização da vida. A participação em projetos fotográficos, depoimento em palestras, reuniões em grupo e atividades práticas nas oficinas são alguns deles. Além do contato mais individual para repassar maior segurança ao usuário. Bruna também recebe em sua sala para conversas constantes, os familiares desses pacientes.
— O familiar tem que ser o suporte. Muitas vezes precisa mascarar as preocupações. Então, em minha sala a gente pode colocar todas essas questões na mesa e tratá-las da melhor forma — comenta a psicóloga, que atende cerca de 100 pessoas ao mês individualmente.
Nos meses de outubro e novembro, Bruna integra a equipe da Aapecan que realiza palestras em instituições e empresas. O objetivo do grupo é alertar sobre os tipos de câncer, principalmente o de mama e o de próstata, os sintomas, como tratar com o diagnóstico e o atendimento da associação. Os pacientes são convidados a acompanhá-los e a dar um depoimento sobre a respectiva trajetória. Bruna avalia que falar sobre o assunto ressignifica a doença ao paciente e torna a fala mais impactante ao público ouvinte. Para receber a palestra nas instituições, os interessados devem encontrar em contato com a Aapecan pelo telefone (54) 3026-9546.
Como doar
As doações podem ser de alimentos, roupas, dinheiro, muletas, cadeiras de rodas, enfim, objetos de uso por conta de limitação física. Para doar, acesse o site da associação ou vá diretamente na sede, localizada na Rua Irmão Anastácio, 65, bairro Sagrada Família.
Os benefícios, como as cestas básicas, suplementos, medicações, são concedidos aos pacientes apenas durante o tratamento do câncer. Após, é permitida a participação nos demais projetos da instituição.
Além das doações financeiras, a associação constantemente se inscreve em projetos de instituições financeiras para receber recursos. Os valores são destinados para a manutenção das atividades e parte revertido para a construção da nova sede.
Trajetória da associação
:: Aapecan foi fundada em 2005 por um grupo de voluntários que ia até o Hospital Geral (HG) prestar apoio aos pacientes oncológicos.
:: Em 2011, o grupo percebeu que precisava de um espaço, próximo ao HG, para atender quem vinha de fora e precisava de um conforto durante o tratamento.
:: A sede atual é alugada, contando com recepção, duas salas de assistências sociais, uma de psicologia, banco de perucas, cozinha, salas para demais oficinas e um anexo onde fica a casa de apoio.
:: A associação tem uma chácara em Fazenda Souza, onde leva os pacientes e familiares para áreas de lazer e para cultivar alimentos.
:: O novo espaço será ao lado do Hospital Geral e será inaugurado, provavelmente, em agosto de 2024, segundo a assessoria da Aapecan.
:: A associação irá dobrar a capacidade de atendimento. Dos atuais oito quartos, serão 14, com 28 leitos disponíveis.
:: O espaço será aberto também para aqueles que apenas desejam participar de atividades, mesmo não sendo pacientes ou familiares.
:: Além de Caxias, a Aapecan está presente em outros 15 municípios gaúchos. A última unidade aberta foi em Santa Rosa e já há mais de 100 pacientes atendidos.