Há cem anos, a Metalúrgica Abramo Eberle forjava a primeira espada fabricada integralmente em solo gaúcho e criava assim um dos grandes símbolos de trabalho e inovação de Caxias do Sul. Foi em 1923, quando a necessidade pelas armas aumentou e a empresa, que até então produzia lamparinas, itens de montaria e cutelaria, passou a forjar as próprias lâminas.
Cerca de 20 anos depois da primeira forja, ao fornecer as armas para o exército e enviar milhares delas de navio à Itália, Caxias do Sul, por meio da Eberle, se tornaria referência brasileira na produção de espadas. A relevância é comparada com cidades mundialmente famosas pela forja e que forneciam aos seus exércitos, como Birmingham, na Inglaterra, e Solingen, na Alemanha.
A espada, de um metro de comprimento e 1,7kg, colocava no mapa o então pequeno município de colonização italiana como fornecedor exclusivo das espadas que armavam os soldados brasileiros da Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante a 2ª Guerra Mundial. Gravado com o brasão da República, o guarda-mão (parte do punho de uma arma) e a bainha (que protege a lâmina da espada) tinham acabamento oxidado e davam cor preta ao armamento, para que não chamasse a atenção nas batalhas.
Uma delas está exposta e serve até hoje como modelo para o padrão das lâminas que seguem sendo produzidas por uma empresa do município. Quem forja o que antes era armamento e agora se tornou símbolo de força, vendido para academias, corporações e polícias militares de todo país, é a SabreSul.
Instalada na BR-116 e capitaneada por quatro ex-funcionários da Metalúrgica Eberle, a empresa desenvolveu uma medalha para comemorar os cem anos de história e expor o orgulho em dar continuidade ao legado. Eugênio Bastiani, 71 anos, que trabalhou por 24 anos na metalúrgica, emprega 15 funcionários, a maioria deles ex-colegas da Eberle e depois na Mundial, que viria a comprar a empresa.
— Foi a partir da aquisição da unidade de espadas da Mundial que seguimos o legado de forjar espadas, quando convidei todos os colaboradores da época para trabalhar comigo. É um fato histórico chegar ao centenário da primeira forja, e é importante que o país saiba deste marco. A Eberle produzia para o Chile, Argentina, Estados Unidos, Arábia Saudita, entre outros — contou Bastiani.
A intenção de Bastiani é presentear com a medalha, que tem gravada a espada e a bigorna, o poder público de Caxias do Sul e quartéis de todo o país. Ele vai usar o expediente da Câmara de Vereadores, no dia 6 de julho, para falar sobre o assunto.
"Produzir espadas nos faz mais patriotas"
A frase é de Noely Braga de Freitas, 74 anos, e que há 51 deles se dedica à fabricação de espadas. O primeiro emprego foi na Metalúrgica Eberle, depois na Mundial e agora na SabreSul. Quando foi contratada em 1972, aprendeu com colegas que haviam forjado os armamentos enviados para a 2ª Guerra Mundial.
Atualmente trabalha com a pintura das bainhas do artigo que agora ornamenta as corporações militares. Com o auxílio de uma lupa, faz o delicado serviço à mão de cobrir com tinta plástica a peça que depois será banhada a ouro.
— Tu cobre com a tinta azul e protege o que não quer que tenha o banho de ouro. Tenho muitas lembranças de pessoas que foram meus colegas e já partiram para outras estâncias, como se diz — contou.
O ofício ajudou Noely a criar dois filhos que lhe deram três netos. Mesmo que já aposentada, segue cumprindo carga horária semanal no emprego que, segundo ela, lhe faz mais patriota.
— Gosto de fazer até hoje, porque manda pra frente um símbolo aos meus irmãos de pátria que são os militares. Penso e repenso a aposentadoria, porque é um trabalho diferente, as pessoas têm curiosidade e me faz bem — contou.