O acordo entre a prefeitura de Caxias e os vendedores ambulantes para ocupação de calçadas no centro da cidade completou um ano. Ao longo do período, ajustes foram feitos para dar melhores condições aos comerciantes, a maioria vinda de outros países. A promessa de um centro de compras para abrigar esses trabalhadores ainda não tem data para sair do papel. Os lojistas, por sua vez, apontam que muito precisa avançar.
O cenário é o de sempre. Na calçada, o consumidor experimenta o que vai levar, caso dos fregueses do senegalês Papa Mbacke, que há nove anos vende roupas e acessórios em uma das esquinas mais movimentadas de Caxias, período suficiente para conhecer os desafios de atuar na rua.
— Na verdade, quando chove a gente vende e quando esfria também. Pra nós, não muda nada. A gente tem que ganhar alguma coisa para conseguir comer.
Realidade parecida com a de Matheus Costa. Ele permanece 12 horas por dia na rua, sem contar o tempo para organizar os produtos.
— É complicado, deixo (produtos) a duas quadras daqui. Aí venho, trago um carrinho, algumas coisas, venho, trago de novo, é quase uma hora para montar e desmontar — detalha.
Papa e Matheus fazem parte de um grupo que ocupava as calcadas da Avenida Júlio de Castilhos e agora se concentra em dois pontos no Centro: nas ruas Doutor Montaury e Marechal Floriano. Há um ano, o endereço é fixo. A montagem da barraquinha nesses pontos é parte de um acordo entre os comerciantes e a prefeitura, oficializado em maio do ano passado.
Rodrigo Lazzarotto, gerente de fiscalização da Secretaria de Urbanismo de Caxias, enfatiza que é um trabalho longo, que deve ser encarado como um projeto-piloto.
— A gente sabia desde o início que não seria uma solução definitiva para Caxias do sul, é um projeto paliativo. Percebemos que nesse um ano, depois da construção que foi feita, com os senagaleses, a situação nas avenidas principais, como a Júlio e a Sinimbu, melhorou bastante em frente às lojas, que era a principal reclamação do comércio. Sabemos que não é o ideal, está longe disso, mas é o primeiro passo para a efetivação de um projeto final que é a ida desses vendedores para um centro de compras — explica.
Menos vendedores e adaptações
Há um ano, 93 ambulantes assinaram o acordo, número que já caiu para menos de 60 nos pontos determinados para a venda, segundo a prefeitura. Muitos deles migraram para outras cidades ou retornaram para o país de origem.
— Por enquanto, estamos trabalhando no dia a dia. Antigamente, a gente achava mais oportunidades. Hoje em dia, muita gente já foi embora porque está bem difícil, seja para os brasileiros como para os imigrantes. Mas a gente está aqui no dia a dia, se levanta para tentar vir aqui, ganhar um troco, comer, fazer a nossa vida, com orgulho, e ajudar a nossa família que está lá do outro lado — conta Papa.
Com menos pessoas pra ocupar os espaços, há quem aproveite pra ampliar a área de exposição de produtos. O que também cresceu foi o tamanho das tendas. A maioria preferiu trocar o equipamento original fornecido pela prefeitura para investir numa tenda com mais espaço para as mercadorias.
— O apontamento que eles (vendedores) fizeram é que as tendas que eles receberam era frágeis e percebemos, ao longo do tempo, que eram de fato. Acabavam cedendo com a chuva, com o vento. Eles procuraram abrigo nas marquises nesses pontos onde já estavam anteriormente e causou transtorno nos últimos meses. Mas conseguimos adequar, eles se uniram, comparam tendas e gazebos mais resistentes —revela Lazzarotto.
Insatisfação no comércio
A medida adotada pelo município ainda gera discussão entre os lojistas, segundo Rita Bertussi, assessora de relações institucionais da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) Caxias.
— Na verdade, apenas se transferiu os ambulantes de calçada. Nós éramos contra essa transferência porque levamos para a prefeitura que era necessário um centro de compras. Vemos hoje é que não andou esse centro de compras. Os ambulantes não cumprem o decreto, eles ganharam uma tenda que não estão usando, estão utilizando um numero bem grandioso de mercadorias, às vezes tem mais mercadorias do que em pequenas lojas. Muitos ambulantes acabam ficando fora dos espaços determinados. Então, a gente não vê muito sucesso no que está acontecendo e aguardamos uma ação rápida da prefeitura.
Ou seja, a solução, a longo prazo, seria mesmo a criação de um espaço para reunir os vendedores que estão nas ruas. A prefeitura pretende definir um local para a construção até o fim de junho, mas ainda vai buscar parceiros privados para investir no espaço. Por esse motivo, a transferência não tem data para ocorrer.
— É um problema para os próprios ambulantes. Eles acabam não tendo uma situação muito digna. Escolheram o comércio para atuar, então que eles possam ter um espaço para atuar e que eles recebam uma educação na questão tributária, de gestão do próprio negócio, para que possam evoluir e continuar no comércio, mas de uma forma legalizada assim como o comércio legal — pontua Rita.
Rodrigo Lazzarotto opta pela cautela.
— Caxias sempre foi bastante aberta, nossa história é baseada nessa questão de imigração e não podemos fechar os olhos e as portas para esse pessoal que vem de fora. Não é só a simples venda ou ocupação indevida do espaço público, temos que estar preocupados também com a questão social.
O gerente de fiscalização frisa que, até o momento, não foi necessário fazer nenhum recolhimento de produtos.
— No Dia das Mães, tínhamos 12 fiscais na área central de Caxias coordenando esse processo, mas é mais um trabalho orientativo, a gente não quer entrar em choque ou fazer qualquer tipo de apreensão neste momento.