A Semana Municipal de Conscientização sobre a Síndrome de Down, instituída por meio de lei há seis anos em Caxias do Sul, traz para debate a importância da inserção deste público no mercado de trabalho. Para além de cumprir uma determinação existente há mais de 30 anos no país, abrir as portas de uma empresa para estas pessoas significa promover a inclusão social e contribuir para a autonomia, sensação de pertencimento e igualdade desta parcela da população. Um ato, como relatado pelos envolvidos, que só gera ganhos para os dois lados.
Atualmente, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Caxias do Sul não tem um controle de quantos dos beneficiários com Síndrome de Down estão inseridos no mercado de trabalho, mas a psicóloga da entidade, Simone De Antoni, afirma que muitos deles estão empregados e que há uma preocupação da Apae em prepará-los para o ambiente profissional. A entidade presta serviço a cerca de 470 pessoas, de diferentes faixas etárias, gratuitamente.
— Desde que eles ingressam na instituição, temos um trabalho focado na independentização e autonomia. Buscamos que eles cresçam aprendendo, na medida do possível, a se virar. Existiu uma época em que havia muito protecionismo com a questão das deficiências, incluindo a Síndrome de Down. As famílias não expunham muito, tendiam a fazer as coisas por eles e isso acaba os limitando, não incentiva o aprendizado. Então, o trabalho da Apae é muito voltado, tanto para a pessoa com deficiência quanto para suas famílias, para que haja um incentivo para que se tornem independentes, tenham autonomia — explica Simone, acrescentando que cerca de 20% dos usuários têm a deficiência intelectual ligada à síndrome.
Outra questão pontuada pela psicóloga é que este público tem facilidade para ocupar vagas que exijam repetição e podem ser treináveis, o que não quer dizer, contudo, que não possa ser inserido em outras funções e tenham outras responsabilidades.
— O trabalho com eles têm que ser muito em cima de questões práticas e concretas. Mas não podemos generalizar: temos que avaliar as habilidades de cada pessoa. Cada caso é um caso— analisa a profissional.
O economista Mosar Leandro Ness, integrante do Observatório do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul (UCS), entende que o cenário atual de vagas para PCDs é promissor no município. Porém, ele observa que há dificuldades das empresas em localizar mão de obra.
— Comumente, a demanda de vagas é maior que a oferta. É importante lembrar que a legislação obriga que as empresas contratem nesse segmento. É interessante, então, que a oferta aumente para a demanda possa ser suprida —avalia Ness.
Danielle trabalha há nove anos no setor de RH e quer cursar História
A caxiense Danielle Oss Correa, 30 anos, nutre o sonho de cursar História. Para isso, não mede esforços e se empenha diariamente na função de auxiliar administrativo da empresa Brinox. Ela ocupa uma vaga no setor de Recursos Humanos (RH) desde 2014 — antes disso, passou por diversos outros setores de uma concessionária de energia elétrica.
— Eu gosto muito daqui, a empresa e a minha coordenadora incluem os funcionários. Sem contar todos os benefícios que temos. Sempre ganhamos presentes — revela.
Dani, como é carinhosamente chamada pelos colegas, exerce diversas atividades, como arquivamento de documentos de funcionários ativos e desligados, cadastros no sistema, coleta de assinaturas, além de apresentar parte da integração a novos colaboradores.
Ela diz que se sente bem e valorizada tendo uma renda no fim do mês:
— Posso comprar o que eu quiser. Eu mesmo administro meu salário — afirma.
Sobre o futuro, além de iniciar a graduação em História, Dani deseja ser reconhecida ainda mais na área de RH e aprender coisas novas. Sonhos e desejos incentivados por quem trabalha diretamente com ela:
— A Dani é muito importante, é um orgulho para nós. Ela tem muitas atividades e são responsabilidades que, de fato, consegue entregar. Viemos sempre revisitando as atividades, buscando novas aprendizados, para que ela cresça e aprenda cada vez mais dentro do grupo — ressalta a coordenadora de RH da Brinox, Caliandra da Silva Duarte.
Programa da Marcopolo emprega 18 pessoas com Síndrome de Down
Prestes a debutar, o Programa Envolver da Marcopolo já inseriu dezenas de Pessoas com Deficiência (PCDs) no mercado de trabalho ao longo dos últimos anos. Criada em meados de 2008, a iniciativa da empresa caxiense fabricante de carrocerias de ônibus emprega, atualmente, cerca de 500 funcionários, sendo que 18 deles têm Síndrome de Down.
Dividido nos turnos da manhã e da tarde, este grupo está inserido em setores como a logística, o corte e costura e também em uma célula específica para pessoas com deficiência, localizada no centro de treinamento da unidade de Ana Rech — neste local, eles recebem e executam demandas de outras áreas da fábrica, sempre acompanhados por instrutores. A designação do ambiente de trabalho e da função depende de avaliação das habilidades e capacidades de cada um, podendo mudar conforme a evolução do funcionário.
— Tentamos fazer com que mesmo não estando todos dentro da fábrica, eles consigam desenvolver um trabalho e se sintam incluídos. A maioria está junto desde 2008, criaram vínculos afetivos, se ajudam, as famílias se encontram aos finais de semana. Formou-se uma verdadeira comunidade, é até difícil desvinculá-los — explica a médica Jaqueline Taschetto, gerente de saúde e bem-estar da Marcopolo.
Quem trabalha diariamente com os funcionários com Síndrome de Down é a instrutora Maristela Moraes. Para ela, o amor ao trabalho e a dedicação são as características mais marcantes do grupo:
— São extremamente dedicados, não gostam de faltar, se preocupam com a limpeza e com as nossas ferramentas e materiais. O carinho que eles têm pelo trabalho chega a nos emocionar. Digo que deveriam ser um exemplo para todos nós — observa a instrutora.
O empenho nas funções não fica somente na percepção dos gestores. Na manhã da última quarta-feira (22), a reportagem visitou o Centro de Treinamentos da empresa e acompanhou parte do trabalho do grupo. Em uma das mesas estava Fernando Roberto Boschetti, 37 anos. Concentrado na montagem de peças para o encosto dos bancos, ele falou rapidamente sobre seu trabalho.
— Ano que vem vai fazer 10 anos que tô na Marcopolo. É muito bom trabalhar aqui embaixo (no Centro de Treinamento) — resume o funcionário.
Quem também demonstra amor pela função é o Jonas Echer, 34. Há 14 anos na empresa, recentemente ele foi transferido da célula para o setor de logística, onde diz se sentir bastante acolhido e querido por todos.
— Eu adoro estar aqui na empresa e gosto de trabalhar bem — garante ele.
Saiba mais
:: Desde o ano passado, o país celebra o Dia Nacional da Síndrome de Down em 21 de março. A homenagem ocorre por meio de uma lei federal sancionada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. O dia 21 de março não foi escolhido aleatoriamente: o número representa a triplicação (trissomia) do 21º cromossomo que causa a síndrome.
:: A Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência existe desde 1991. Conforme a legislação, as proporções para empregar pessoas com deficiência variam de acordo com a quantidade de funcionários. De 100 a 200 empregados, a reserva legal é de 2%; de 201 a 500, de 3%; de 501 a 1.000, de 4%. As empresas com mais de 1.001 empregados devem reservar 5% das vagas para esse grupo.