Distante 18 quilômetros do centro de Farroupilha e a seis de Garibaldi, Vila Rica está no limite entre os dois municípios responsáveis por grande parte da produção de espumante moscatel do Brasil. Ali, entre um riacho e uma igreja em homenagem à Santa Lúcia, está instalada a família Chesini. Descendentes de Felippe Chesini, oito irmãos compartilham há 63 anos a sociedade da vinícola criada em 1960 e responsável por produzir cerca de 35 mil litros de vinho canônico para todo o país.
A bebida feita por eles, com uvas do tipo Isabel, e utilizada por padres para a consagração da eucaristia, é produto final de uma história de fé que transformou a vida da família e deu origem à localidade onde estão instalados até hoje. Em 1932, muito antes que se imaginasse produzir o vinho rosado que simboliza o sangue de Jesus, o patriarca Felippe instalou na localidade uma ferraria.
E foi trabalhando nela que um dos irmãos, por acidente, feriu um dos olhos. Por muito pouco, não fosse o que hoje se atribui a um milagre, o jovem Eduardo Chesini teria perdido a visão. A lenta, mas total recuperação aconteceu após uma novena realizada pela família e após lavagens regulares do ferimento com a água de uma fonte que corria ao lado de casa. Com a esperança alimentada pela fé, Eduardo prometeu que, caso voltasse a enxergar, ergueria uma capela em homenagem à Santa Lucia, protetora da visão.
Assim que o ferimento sarou e o jovem passou a enxergar de forma completa, a estrutura de madeira foi erguida onde hoje ainda está localizada a fonte a que se atribui o milagre. Chamado para dar a bênção ao novo centro de fé, lá em 1932, o vigário de Garibaldi, Frei Caetano Angheben, atentou para as riquezas do local construído com a força da família. O cenário de uma graça atendida, local com um riacho de água benta, foi batizado de Vila Rica e alcançou o status de comunidade.
E foi ai que Ricardo Chesini, 49, neto de Felippe, cresceu e deu continuidade ao que se tornaria um dos principais produtos da família, o vinho canônico. Ainda nos anos 1970, com a vinícola já inaugurada e na casa onde até um milagre é atribuído, padres sempre foram muito bem recebidos com jantares regados ao líquido produzido ali. Em uma das ocasiões, a bebida foi mais do que aprovada e a partir daí começou a produção em grande escala, como conta Chesini:
— Não é simplesmente um produto que vendemos comercialmente, ele está dentro de um contexto de fé e religiosidade que temos aqui. O vinho dos padres precisa ser o mais puro possível e até por isso deve ter graduação alcóolica mais alta para não ter conservantes e durar por mais tempo. O padre bebe um gole a cada missa e em alguns locais as celebrações não acontecem com tanta frequência. O vinho canônico dura mais de 90 dias depois de aberto.
A bebida produzida na Vila Rica tem, inclusive, a chancela da Diocese de Caxias do Sul.
Agora, a família Chesini revisita a história de fé e empreendedorismo para investir em um turismo religioso baseado na autenticidade das suas origens. Por entre pipas de madeiras, os turistas são convidados a conhecer a história da Vila Rica por meio do milagre da década de 1930 e da cumplicidade dos irmãos que seguem sócios e produzem o vinho dos padres. Tudo isso no mesmo município do Santuário de Nossa Senhora de Caravaggio, destino procurado por milhares de fiéis anualmente.
— Estamos dando sequência a um legado. A safra da uva representa muito trabalho. Em 40 dias recebemos toda a matéria-prima do ano, trabalhamos com seres vivos, que são as leveduras que produzem o álcool, e isso demanda um acompanhamento muito minucioso — disse Chesini, que tem na vindima a época mais importante do ano.
A energia empregada para produzir a bebida da melhor forma possível é colocada em cada um dos processos com o orgulho, segundo o diretor da vinícola:
— Enólogo que dorme durante a safra não dorme no restante do ano.