Quando saiu ainda jovem da colônia dos pais no interior de Farroupilha, Pedro Cecatto, hoje com 81 anos, não imaginava que passaria por tantas coisas na vida. Os planos de empreender em uma padaria no centro da cidade foram os primeiros a não saírem como o imaginado e os que motivaram o retorno à comunidade onde nasceu. Perto dali, e ainda em Monte Bérico do 2º Distrito, Cecatto assumiu a responsabilidade pelas parreiras hoje centenárias, fez família, viu orgulhoso um dos filhos escolher o sacerdócio como profissão e, principalmente, fez da uva a protagonista dos seus dias.
Entre safras surpreendentes e outras nem tanto, foi da saúde de onde vieram os principais sustos durante sua jornada. Em 2013, com 71 anos, a correção de um aneurisma na aorta do coração deu início a uma série de procedimentos cirúrgicos que fariam do seu órgão vital uma surpresa até para os médicos.
— Ele (Cecatto) está todo remendado, o médico chama ele de morto ressuscitado — resumiu, brincando, a esposa Anedi Basso Cecatto, 77, com quem está casado há 56 anos.
Com três pontes de safena, quatro stents (pequenas próteses que evitam novas obstruções no coração) e um marca-passo recém instalado, o funcionamento do coração de Cecatto é admirável e bate mais forte quando a vindima se aproxima. Muito, segundo ele, em função do trabalho que faz questão de não abandonar. Se manter ativo para o agricultor é a forma eficaz de combater doenças e, nas suas palavras, "ajudar a musculatura".
— A gente se anima, é a coisa mais linda do mundo ver a safra pronta para ser colhida. Sinceramente, eu gosto de trabalhar, o que sou capaz de fazer faço até hoje. Dou graças a Deus de estar vivo — contou.
O serviço na propriedade da família está mais leve ultimamente, é claro: os filhos alertam para cuidados como não carregar peso ou não deixar que a pressão arterial suba enquanto o pai acompanha os jogos do Juventude pelo rádio. Mas é difícil, a rotina de trabalho está enraizada em Cecatto. Até hoje ele colhe pêssegos, faz a poda verde nas plantações e, como não poderia deixar de ser, figura embaixo das parreiras durante a vindima.
Sua postura diante da vida, além de ser motivo de orgulho para a família, serve de exemplo aos outros pacientes do médico cardiologista Alex Gulles Mello. O especialista da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre acompanha Cecatto desde a primeira cirurgia e, por meio dele, comprova mais do que nunca que otimismo e vontade de viver são fundamentais para uma boa recuperação.
— Eu brinco que queria contratar ele (Cecatto) para dar palestra aos meus pacientes. É um cara fora da curva, a maioria dos pacientes na idade dele já encarou essas doenças como o fim da vida, ele não. Sempre encarou como adversidades a serem superadas. Tem muita coisa da genética dele, mas têm outras que fazem ele ser diferente — diz o médico.
Quem acompanha a saúde do nosso personagem entende que é também o cenário criado por ele, em harmonia com as plantações e a família, que convidam ao bem viver. Fato que é comprovado quando Cecatto é questionado sobre suas férias. Entre a praia ou as piscinas de águas termais, é a própria casa que tem a preferência para os dias de descanso.
— Minha praia é aqui — diz à mulher e aos filhos em uma compreensão fina de que é o seu canto e suas tarefas realizadas durante uma vida toda que fazem seu coração continuar a bater. O cardiologista, visitado com frequência para exames de rotina, concorda com a receita:
— Enquanto a pessoa se sente produtiva e capaz de manter o sustento da família, ela se sente útil e com vontade de viver. Um mérito é a presença dos filhos que ajudam dando o valor que ele merece e obedecendo as vontades dele em se manter ativo. Algumas famílias optam por privar o paciente, eles não. É sempre uma inspiração vê-lo bem.
A coragem e ânimo do senhor de 81 anos ainda contam com o bom humor que cria o estado de espírito contagiante do agricultor. Da varanda na casa em Monte Bérico, Cecatto nos recebeu com um sorriso no rosto e não se despediu sem antes pedir "desculpas por qualquer coisa". A frase é comum no interior e típica da hospitalidade de quem só quer o bem para as visitas. Junto dos filhos e alguns safristas contratados especialmente para a vindima, Cecatto colherá cerca de 90 toneladas de uvas isabel e niágara destinas a uma vinícola vizinha e ao consumo in natura.
Em março, quando a última uva for colhida e a safra se despedir, Pedro Cecatto não terá nada a se desculpar. O trabalho e a disposição são sempre pelo bem das frutas que voltam a visitá-lo a cada início de ano.