O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica) tem nova gestão para 2023/2024. A psicóloga e servidora da Fundação de Assistência de Social (FAS), Ana Maria Franchi Pincolini, foi empossada nesta semana e dará sequência ao trabalho de Odete Araldi Bortolini, à frente do Comdica nos dois últimos períodos — entre 2019 e 2020 e 2021 e 2022.
Em entrevista ao Gaúcha Hoje da Rádio Gaúcha Serra nesta quarta-feira (21), Ana Maria destacou a necessidade de um diagnóstico da demanda atual assim como a importância em desvincular o Conselho da Assistência Social e alocá-lo em uma estrutura "mais neutra".
A nova presidente do Comdica também falou dos desafios para recuperar a defasagem na aprendizagem provocada pela pandemia e dos cuidados com crianças e adolescentes vítimas de violência. Confira:
Um dos grandes dilemas de Caxias do Sul envolve o tamanho do Conselho Tutelar. São 10 profissionais atuando em dois conselhos para atender uma população de mais de 500 mil pessoas. Um dos pedidos é a criação de um terceiro conselho para dar conta da demanda. Como a senhora avalia essa situação?
A gente precisa começar com um grande diagnóstico. A gente tem trabalhado muito com o diagnóstico nas assistências e penso que a gente precisa levar esse olhar também para o Comdica, para olhar para a política da infância como um todo. Hoje, o Conselho Tutelar está vinculado à Assistência Social, o que é um equívoco, porque o Conselho Tutelar é um órgão autônomo. Existe uma resolução do Conam que orienta que esteja vinculado a uma estrutura da administração pública porque ele tem um papel de fiscalizar as políticas. Como ele vai fiscalizar a assistência se ele está na assistência? Então, não apenas a ampliação, mas a própria vinculação do Conselho Tutelar seja ao gabinete do prefeito ou a uma política "mais neutra" para que possa olhar todas as políticas. Isso é uma demanda da cidade. A gente utiliza o parâmetro, que seria um conselho para cada 100 mil habitantes. Quando falamos de mais conselhos, estamos usando o parâmetro oficial, mas a gente não tem uma clareza real da demanda, porque o sistema de dados do Conselho Tutelar hoje filtra o número de pessoas atendidas. Ele não filtra por idade, não sabe dizer dessas pessoas quem já completou 18 anos, quem não completou. Para ter uma noção real dessa demanda, precisaria então melhorar esse diagnóstico. A questão da locação no Conselho é consenso que a gente tem que tirar da FAS. Precisamos contar com o Poder Legislativo também pra alterar a legislação. A gente poderia pensar o seguinte, então, é um a cada 100 mil habitantes, Caxias precisa de cinco conselhos tutelares. Infelizmente, nas políticas públicas, a gente trabalha sempre correndo atrás. Nós precisamos primeiro ter uma noção da real demanda para se planejar.
Ouça a entrevista:
Um dos reflexos mais graves na educação durante a pandemia foi a evasão escolar e a dificuldade de acesso às aulas, o que atrasou a aprendizagem. Como o Comdica vai acompanhar essa recuperação?
Penso que a gente tem que fazer um grande diagnóstico das políticas, de como estão. O objeto das conferências dos Direitos da Criança e do Adolescente esse ano foi justamente os impactos da pandemia. A gente precisa olhar para os dados, para as discussões de novo, sentar junto e aprofundar os diagnósticos que temos. Um outro dado, além da evasão escolar, é uma diminuição da questão da vacinação. Teve toda aquela discussão inicial das vacinas na pandemia e a gente tem observado e vamos ter que ver se isso se replica em Caxias, mas em vários locais do país tem se observado a questão da diminuição dos pais fazerem as vacinas. Tanto que a gente tem uma retomada de algumas doenças que eram bem comuns como é o caso da meningite. Assim como a evasão escolar, tem a questão do comportamento na vacinação e a questão da saúde mental de crianças e adolescentes. Já se fala hoje, por exemplo, em orfandade, que não é você ter ficado necessariamente órfão, mas você ter perdido muitas pessoas: os avós, por exemplo. Então, olhar para isso também.
As atividades no contraturno escolar são vistas como essenciais para garantir que crianças e adolescentes tenham uma rotina segura e saudável. Qual é o papel do Comdica no monitoramento dessas ações e como o conselho pode ajudar a ampliar o acesso ao contraturno?
Penso que tem que se conversar muito, porque também tem uma mudança na educação, além da ampliação do contraturno. O STF, há pouco tempo, julgou pela obrigatoriedade da educação até os três anos, aquela faixa que não era obrigatória, que era indicada. Tem ali mais um desafio da questão do contraturno e tem um desafio que se fala pouco, que é algo que impacta diretamente a criança e o adolescente, que é a questão da família. Hoje, Caxias tem uma defasagem muito grande na área da Assistência Social no acompanhamento às famílias. Somos um município que teria porte para ter muito mais CRAS (Centro de Referência). A mesma coisa do Conselho Tutelar acontece com o serviços de saúde mental, acontece com contraturno. Temos que tentar fomentar, que tentar pensar estratégias e alternativas. Para você ter ideia, hoje os serviços de média complexidade da assistência têm filas de espera. São aqueles serviços em que a criança ou adolescente sofre algum tipo de violência dentro da família e precisa de atendimento para evitar o acolhimento. Hoje nós temos defasagem, nós temos listas de espera nesse serviço. Isso gera o quê? Uma quantidade de acolhimentos. A pandemia também contribuiu com isso, o aumento da violência familiar também contribuiu. Na assistência, tem que inverter a pirâmide. Os serviços que atendem à família são tão importantes para evitar a violência quanto os serviços de contraturno no sentido de que, infelizmente, violência acontece muito dentro da família.
Como Caxias pode avançar mais em relação às políticas voltadas às crianças e aos adolescentes? Qual área está deixando mais a desejar e qual área é a mais exemplar?
Acho que temos que olhar para as áreas do acompanhamento às famílias na área da Assistência Social, para a questão do contraturno escolar. Olhar também para saúde, em especial a questão da saúde mental, das especialidades. Muito tem se falado da questão dos adolescentes, de fenômenos como o aumento de questões como ideação suicida, automutilação, que são questões do nosso tempo, desse momento histórico e que acabam tendo reflexos nessas mentalidades e no modo de estar no mundo. Eu gostaria muito de, junto com a equipe nova, pensar essas áreas. São áreas prioritárias. Obviamente tem a demanda, mas qual o tamanho real? Temos que ser realistas, nós não temos pernas para sair de dois conselhos e ter cinco. Assim como nós não temos como ampliar essas redes, duplicar as redes do dia pra noite. O recurso do Comdica é complementar às políticas públicas, é limitado, e o recurso das políticas públicas também é limitado. O Comdica é parceiro na hora de pensar as áreas de investimentos, mas para isso ele tem que ter esse diagnóstico. Temos uma rede tanto governamental quanto não governamental muito disposta a trabalhar, muito comprometida, muito interessada, muito criativa. Essa é a potencialidade de Caxias. Temos parceiros fundamentais, que querem contribuir com essa causa na cidade.
A questão da violência infantojuventil continua preocupante. Caxias possui uma rede articulada de forma consistente ou ainda há espaço para melhorias?
A violência, de forma geral, sempre foi subnotificada e, inclusive, violências graves acabavam por demorar muito para chegar às autoridades. Por conta disso, em 2017 a gente teve nacionalmente a lei da escuta protegida que dá orientações sobre a escuta protegida de crianças e adolescentes tanto na rede quanto no Poder Judiciário e nas delegacias. Isso é fundamental porque o modo como crianças e adolescentes eram escutados, muitas vezes, fazia com que elas não revelassem as violências ou revelassem as violências e sofriam novas revitimizações na forma como eram inquiridas. E a gente tem observado em vários municípios também com os quais a gente entra em contato um aumento das notificações e aí, na verdade, não é necessariamente um aumento da violência mas dessas crianças e adolescentes se sentirem encorajados. Essa lei, ao mesmo tempo que fala desses procedimentos de escuta, no final de 2018, teve um decreto nacional que deu 180 dias para os municípios criarem seus comitês, mas aí veio a pandemia. Em Caxias, a gente criou o comitê em 2021 e tem discutido esse tema e está bastante avançado. Essa discussão uniu os setores tanto da da Assistência, Saúde, Educação quanto da tutelar, quanto da área da responsabilização. A lei não traz coisas novas no sentido de "ah, vamos fazer mirabolâncias". Não, ela traz justamente organizar o fluxo, organizar a rede, organizar as informações, a forma como essa criança é atendida num local para que ela não tenha que repetir tudo de novo, para que aquele local que vai cuidar do enfrentamento da violência tenha as mesmas informações do que aquele que vai cuidar da questão da saúde da criança, para que isso circule de uma forma que esse atendimento seja integrado. A gente tem avançado no fluxo, no momento de cada política.
NOVA DIRETORIA DO COMDICA
- Presidente: Ana Maria Franchi Pincolini
- Vice-presidente: Maurien Helena Randon Barbosa
- 1ª secretária: Lia Fernanda Stedile Dartora
- 2ª secretária: Daiane dos Santos Luza
- 1ª tesoureira: Daiana Maria Batista
- 2ª tesoureiro: Inez Camargo Soso
- Conselho Fiscal: Yan Cassio Koakoski, Adelir Terres e Carlos Giovani Fontana