Finalmente, Caxias do Sul poderá resolver os riscos causados por imóveis abandonados que se tornam problemas de segurança e higiene pública. A Lei n° 8.873, sancionada no dia 4 de novembro, cria normas para o município tomar estas edificações ou terrenos baldios que os proprietários demonstram não ter mais interesse. Até então, havia um vazio legislativo que limitava a atuação municipal. Com a nova ferramenta jurídica, a orientação é que a comunidade denuncie problemas causados por imóveis abandonados pelo Alô Caxias, pelo telefone 156, ou de forma online, no site da prefeitura.
A nova legislação surge após uma recomendação do Ministério Público (MP) em abril de 2019. No documento, o promotor Adrio Gelatti sugere que o município crie regras para enfrentar a derrelição presumida, ou seja, o abandono voluntário pelo proprietário. Na argumentação, ele aponta que o Código Civil já previa perda de imóvel por abandono e que o Código de Posturas municipal determina questões de limpeza, manutenção e cercamento de terrenos.
O problema de imóveis abandonados não é uma realidade exclusiva de Caxias. Em Porto Alegre, por exemplo, tem o famoso 'Esqueletão', um prédio abandonado desde a década de 1950, na Rua Marechal Floriano Peixoto. Chamado oficialmente de Edifício Galeria XV de Novembro, a estrutura tem risco crítico de desabamento e está com a estrutura comprometida após um incêndio e pelos efeitos do tempo.
— (A nova lei) é um instrumento legal necessário para darmos conta de alguns casos que eventualmente aparecem, e que podem reverter favoravelmente à comunidade. Antes, tínhamos um vazio legislativo sobre isso, e agora está devidamente regulamentado pelo município o processo de perda da propriedade. Como não tínhamos o instrumento, os casos ficavam como uma demanda reprimida ou invisível. Imagino que, a partir de agora, comecem a aparecer — aponta o promotor Gelatti.
Pela legislação, considera-se imóvel abandonado aquele vago e sem manutenção, que resulte em problemas de ordem ambiental, estética, sanitária ou de segurança. O segundo ponto, descrito na Lei n° 8.873, é a inadimplência fiscal por cinco anos. Comprovadas estas duas situações, o proprietário será notificado dos problemas e terá um prazo de 30 dias.
— São requisitos cumulativos. Se não resolver (os problemas do imóvel e a inadimplência), é declarado o abandono. Após estes 30 dias, (o proprietário) ainda terá três anos para reaver o imóvel. Só que terá que ressarcir o município pelas ações feitas para resolver aqueles problemas (do imóvel, que colocavam em risco a vizinhança). É uma lei que regulamenta todos os passos e como o município deve agir — aponta Fernanda Paglioli, diretora geral da Secretaria Municipal de Urbanização (SMU).
Para Fernanda, neste primeiro momento, a nova lei será a solução para aqueles imóveis que são invadidos por usuários de drogas, causando aglomeração de pessoas, sujeira e, por vezes, até incêndios.
— São denúncias que costumamos receber pelo Alô Caxias. São imóveis que os proprietários não tem mais interesse ou que não tem herdeiros. Então (a fiscalização), não tinha de quem cobrar. Esta lei é para estes casos, quando realmente não há interesse dos proprietários em manter o imóvel — explica.
Como não havia este instrumento jurídico, a SMU afirma que não possui um levantamento de quantos imóveis estão abandonados em Caxias do Sul. O trabalho será feito pela equipe atual de fiscais. Fernanda afirma que aplicação da nova lei será gradual e começará com um estudo de imóveis neste situação. Para isso, a SMU conta com as denúncias feitas pela comunidade.
O promotor Gelatti também não possui números ou casos concretos nos quais a lei poderá ser utilizada. Por sua vez, a Comissão de Direito Imobiliário da subseção de Caxias do Sul da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) estima que exista pelo menos uma centena de imóveis abandonados na cidade.
— São imóveis que estão há muitos anos abandonados e viram reduto de drogas. Até então, na prática, não havia o que o município fazer, afinal era propriedade privada. Cabia somente instigar as partes para resolverem os problemas ou para eles mesmos desocuparem — aponta Marcelo Lorenz, presidente da Comissão.
Na avaliação do representante da OAB Caxias, a Lei n° 8.873 resolve este problema e não deverá causar batalhas jurídicas.
— Acredito que é uma regulamentação bem segura. É curta, mas tem todos os requisitos necessários e que respeita este prazo longo dos três anos. Há outros municípios, como Porto Alegre e Novo Hamburgo, que servem de exemplo, onde funciona.
A declaração de abandono de um imóvel será divulgada no Diário Oficial do Município. Após os prazos, será averbada na matrícula do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis. Após, caberá à prefeitura dar um uso ao imóvel que favoreça a comunidade.
— Estes bens vagos poderão agora ser destinados aos programas habitacionais, à prestação de serviços públicos, ao fomento da regularização fundiária urbana ou serão objeto de concessão de direito real de uso a entidades civis que comprovadamente tenham fins filantrópicos, assistenciais, educativos, esportivos ou outros do interesse do município, que pode dispor do imóvel diretamente, por meio de alienação ou concessão a terceiros — comentou o prefeito Adiló Didomenico, após a sanção da lei.