Um oficial de justiça foi afastado da Comarca de Caxias do Sul por suspeita de desvio de verbas de despesa de condução e locomoção de processos abertos no município, em outras cidades da Serra e na região metropolitana de Porto Alegre.
A verba em questão é disponibilizada como um auxílio para despesas de transporte para que os oficiais de Justiça cumpram mandados de intimação ou apreensão de bens em processos cíveis. Os servidores não têm veículos cedidos pelo Poder Judiciário e, por isso, usam veículos particulares.
A espécie de ajuda de custo é depositada com antecedência pela parte interessada no processo e, depois, sacada via Justiça pelo oficial. Para receber o valor, o servidor do Judiciário deve indicar que cumpriu o mandado em um sistema eletrônico do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio Grande do Sul, o que dá direito ao pagamento da verba. Caso o serviço não seja realizado, o dinheiro permanece na conta judicial até o final do processo.
Com o não cumprimento do serviço, o dinheiro deveria ser restituído aos advogados ou partes interessadas no processo. O valor geralmente varia de R$ 50 (para cada mandado cumprido na cidade) a R$ 150 (para mandados na zona rural). Contudo, há casos em que o repasse pode ser maior.
Conforme a reportagem apurou, a investigação da Corregedoria-Geral da Justiça, que está sendo mantida em sigilo, suspeita que o servidor, identificado como Mauro Kratz Fonseca, estaria se apropriando de verbas de serviços não prestados.
A decisão sobre a permanência do servidor no cargo, que foi afastado na sexta-feira, dia 14 de outubro, será tomada pelo TJ. Conforme a Corregedoria-Geral, a investigação foi encerrada na Comarca de Caxias e, agora, está com a Presidência do Tribunal, que deve divulgar a decisão final "em breve".
A suspeita é de que Fonseca teria se apropriado de valores que deveriam ter sido repassados a outros oficiais de Justiça. O servidor foi afastado, pela primeira vez, em abril, data em que se iniciou a investigação. Ele voltou a exercer o trabalho por um breve período, até a conclusão do processo administrativo, o que levou ao afastamento no dia 14.
Contraponto
A reportagem tentou contato com Mauro Kratz Fonseca por telefone e por mensagens de texto. Ele disse que "buscaria orientação" para responder, mas não atendeu mais as ligações após o contato.
Saiba mais
:: As verbas de condução e locomoção são valores depositados pelos advogados ou pela parte do processo como uma espécie de ajuda de custo para os oficiais de Justiça.
:: Após ir até o local do mandado, o oficial, a partir do sistema digital do judiciário, registra o itinerário para receber a taxa referente à condução e à locomoção. O dinheiro é enviado da conta da Justiça para a do oficial, lembrando que a parte do processo é responsável pelo pagamento. Geralmente, uma guia é gerada a partir do pedido da condução para a parte fazer o pagamento.
:: A suspeita é que o oficial investigado visualizava os mandados que não haviam sido cumpridos por colegas e assim, pedia o recebimento das taxas para si. Esse procedimento ocorre por meio eletrônico. Isto é, todo oficial informa os dados de cumprimento de mandado num sistema e automaticamente esse serviço é considerado concluído. Detalhe: os mandados em que o suspeito se beneficiou não eram cumpridos efetivamente.
:: Como um oficial de Justiça possui a fé pública, há valores que podem ter sido apropriados a partir do que o servidor relatou. Por exemplo, o suspeito teria afirmado que cumpriu um mandado e informou no processo, mas isso não teria ocorrido. Mesmo assim, ele recebeu o pagamento. A investigação também apontou que ele receberia valores a mais do que tinha direito.
:: A reportagem apurou que a investigação ainda tenta esclarecer de que outras formas o servidor conseguiu se beneficiar irregularmente. Seriam diferentes maneiras de apropriação do dinheiro, mas os detalhes não foram revelados até o momento.
Advogados de Caxias questionam
A partir de denúncias recebidas, advogados de Caxias do Sul procuraram a Justiça para questionar o destino desses valores das despesas de condução e locomoção em processos em que atuam. Em pedidos às Varas do Fórum de Caxias do Sul sobre as verbas em alguns processos, os advogados receberam respostas que informam que o oficial de Justiça investigado recebeu valores nos processos informados. Os advogados afirmam que a situação "causa insegurança no meio jurídico".
Rudimar Luís Brogliato, ex-presidente da Ordem dos Advogados (OAB) de Caxias do Sul e que integra o grupo de advogados que se sentem prejudicados, diz que não há clareza sobre o destino do dinheiro. Ele lembra que as custas de condução e locomoção são pagas por eles ao judiciário, que depois transfere aos oficiais de Justiça.
— No momento que tem uma apropriação indevida desse valor, o prejuízo não é do Estado, não é do Judiciário. O prejuízo é das partes ou dos advogados — afirma o advogado.
O caso, para os advogados, gerou insegurança no meio jurídico em Caxias. Por isso, o grupo entende que deve existir uma publicidade, para que mais profissionais saibam da situação e a verifiquem também.
— A Justiça, como um todo, tem que ser o mais transparente possível. Os atos do oficial de Justiça são de fé pública. Então, no momento que ele faz uma certidão que não é verdadeira, para se apropriar de algum valor, ele está corrompendo essa fé pública. Isso deixa inseguro todos os atos do processo — destaca Brogliato.