Planejado para construir escolas e resolver o dilema de famílias que não tinham onde deixar os filhos, o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância) completa uma década neste mês e segue sem cumprir com o seu objetivo em quatro municípios da Serra. A previsão era erguer, ao menos, 12 escolas infantis em Caxias do Sul, Farroupilha, Gramado e Bom Jesus com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE, ligado ao Ministério da Educação (MEC). Ao longo do tempo, a empresa responsável não iniciou e nem deu sequência às obras, obrigando as prefeituras a entrarem na justiça para receberem os recursos e construírem as unidades.
A Serra não está sozinha. No Rio Grande do Sul, segundo levantamento de GZH, foi projetada a construção de 1.843 creches e quadras esportivas dentro do programa nacional. Desse total, 853 instituições não foram concluídas - incluindo as 12 unidades escolares previstas na Serra. Essas creches seriam construídas com um método inovador proposto pela empresa MVC Componentes Plásticos, com tecnologia pultrudado, ou seja, material composto por resina e fibra de vidro, que prometia grande resistência e melhor custo benefício e também mais agilidade na entrega das estruturas.
A empresa venceu o pregão eletrônico promovido pelo governo federal em 2012 e começou parte das obras em 2013. O problema é que, de lá para cá, a maioria das construções parou e algumas, como as de Caxias, nem saíram do papel. Em julho de 2017, a MVC (atualmente Gatron), que já vinha com uma série de problemas financeiros, entrou em recuperação judicial. Na época do início do projeto, em 2012, havia a previsão de oito escolas infantis em Caxias do Sul, duas em Farroupilha, uma em Gramado e outra em Bom Jesus. Destas, uma está prevista para este ano e as demais seguem aguardando. (leia mais abaixo).
Em Bom Jesus, a instituição do município dos Campos de Cima da Serra é a que estava mais adiantada, com 60% concluída em 2015, mas não foi finalizada. Para poder concluir a obra, localizada no bairro Vila Spinelli, o município entrou com um processo judicial pedindo indenização.
Ao longo dos anos, as demandas de escolas inacabadas da MVC em Gramado e Farroupilha foram anexadas ao mesmo processo em razão das obras terem iniciado e dado origem a uma ação judicial contra a MVC por danos morais coletivos. A Justiça Federal já deu ganho de causa, que está em fase de recurso. Ao todo, são R$ 240 mil por escola, mais juros desde 2015, que deve totalizar R$ 360 mil, por creche, em indenização aos municípios no fim do processo.
Caxias também está com ação na justiça, mas não faz parte do mesmo processo já que as escolas previstas para a cidade ainda estavam no papel quando os contratos com a MVC foram cancelados. O pedido de indenização deve ser superior a R$ 27 milhões, que foi calculado em 2020 e não contempla os juros do período.
A alternativa dos municípios foi obter a aprovação para migrar a construção do método da MVC para o tradicional. Por isso, das oito escolas previstas inicialmente, Caxias pretende inaugurar a creche no Campos da Serra em breve porque custeou a realização da obra enquanto aguarda ser ressarcida pela obra. Ao mesmo tempo, também há projeto pronto para erguer a creche no bairro Mariani. Essa e as demais cinco escolas previstas originalmente para o município aguardam a conclusão do processo judicial para serem continuadas.
Um dos diferenciais do projeto, que era a construção de escolas com chapas prontas de fibra de vidro, visava agilidade na construção, o que se mostrou, dez anos depois, uma estratégia que atingiu outro caminho. Para o procurador Fabiano de Moraes, que atuou pelo Ministério Público Federal (MPF) nos casos julgados na Serra, a alternativa adotada pelas prefeituras é garantir os recursos federais para poder dar sequência às construções.
— Os municípios entraram com as ações para que pudessem usar os recursos e dar sequência ao projeto não concluído, ou, no caso de Caxias do Sul, usar o investimento para poder construir as creches em um projeto normal e não como o inovador projeto pretendido. Na época, os municípios poderiam ter optado por licitar as escolas pela metodologia tradicional, mas eles eram incentivados pelo próprio FNDE a preferirem o método inovador, até por uma questão de prazo e pela licitação federal — explica.
Situação nas cidades da Serra:
Veja como está o andamento das escolas nas cidades da região:
:: Caxias do Sul
Das oito escolas previstas, uma foi descontinuada e outras sete aguardam para sair do papel. A mais adiantada é a unidade no loteamento Campos da Serra, com capacidade para 188 crianças em dois turnos ou 94 crianças em turno integral. O investimento é de R$ 1,9 milhão e será custeada com recursos do município enquanto a prefeitura reivindica, na justiça, ressarcimento do que investiu.
As obras iniciaram em 2020 e a Secretaria Municipal da Educação (Smed) informou que a unidade deve ser concluída nos próximos meses. A instituição prevista no bairro Mariani tem projeto pronto e deverá ser continuada também quando houver desfecho da ação judicial.
As demais unidades previstas e sem previsão de andamento são Jardim Planalto, Paiquerê, Bela Vista, Luxor e Jardim Eldorado.
:: Farroupilha
Em Farroupilha, das duas escolas infantis previstas no Proinfância, o município custeou a construção de uma instituição no bairro Belvedere, que está em obras. Uma ação judicial busca a reparação dos danos patrimoniais efetivamente experimentados, que diz respeito aos valores pagos em relação às obras inacabadas.
A outra, do bairro Monte Pascoal, as obras iniciaram pela MVC, mas está abandonada, se deteriorando, tendo sido, inicialmente, declarada a impossibilidade de prosseguimento. Ou seja, na prática, deverá ser reiniciada. Neste caso, segundo o assessor jurídico da prefeitura, Thiago Galvan, foi determinada a perícia, depois de muitos recursos interpostos no Tribunal.
— Atualmente, estamos em fase de apresentação de quesitos em relação a esta, para determinar os efetivos prejuízos e em que estágio as obras pararam, bem como o porquê — afirmou.
:: Bom Jesus
A construção da escola no bairro Vila Spinelli começou em 2014, chegou a ficar 60% concluída, mas não foi mais continuada devido à interrupção do contrato. Também aguarda o resultado da ação coletiva para garantir os recursos necessários, licitar e dar sequência ao trabalho. Os recursos necessários são no valor de R$ 1,5 milhão. Segundo a prefeitura, a parte estrutural das salas de aula, assim como a área de convivência coberta, já foram construídas. Elas preservam a metodologia da MVC. As novas salas de aula irão garantir 120 vagas para alunos do berçário até a pré-escola.
:: Gramado
A obra localizada na Rua Corte Real, esquina com a Rua Farrapos, no Bairro Piratini, está sendo realizada porque uma licitação da Prefeitura de Gramado definiu uma nova empresa para concluir o serviço, que deve ser entregue até o final deste ano. A conclusão da creche garantirá o incremento de 80 vagas, atendendo um dos bairros mais populosos da cidade.