
O Rio Grande do Sul se defronta novamente, nesta quarta-feira (1º), com uma das tragédias que mais abalaram e entristeceram o país nos últimos tempos. Quase nove anos depois, quatro réus vão a julgamento pelo incêndio que matou 242 pessoas e deixou outras 636 feridas na Boate Kiss, em Santa Maria. O júri está previsto para se iniciar às 9h, no plenário do 2º andar do Foro Central I, em Porto Alegre.
Uma das moradoras da Serra que vivenciou a tragédia aceitou conversar com a reportagem às vésperas do julgamento. A bento-gonçalvense Bibiana Meireles Cembranel, 29 anos, voltou à terra natal em 2019 depois de se formar no curso de Farmácia na Universidade Federal de Santa Maria. Ela conseguiu sair da boate com todos os amigos que a acompanhavam e relata que o grupo mantém contato até hoje.
Bibiana diz que tem acompanhado de forma distante o desenrolar do caso nestes últimos oito anos. Para ela, uma sucessão de erros levaram ao desfecho trágico com mais de duas centenas de mortos:
— Eu acredito que cada pessoa envolvida na fiscalização, na montagem da boate, todos têm a sua parcela de culpa. Mas espero que a justiça realmente seja feita, que cada um deles (réus), na sua responsabilidade pelo que aconteceu, que tenha um julgamento da melhor forma possível, que seja justo com as famílias que perderam seus filhos. Até porque é algo que jamais vai voltar — diz Bibiana.
O julgamento envolve os sócios da Kiss, Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, o músico Marcelo de Jesus dos Santos e o produtor de palco Luciano Bonilha Leão. Conforme reportagem de GZH, eles são acusados pelo Ministério Público (MP) de terem agido com dolo eventual (quando se assume o risco de matar) pela morte de 242 pessoas na madrugada de 27 de janeiro de 2013. Os quatro ainda respondem pela marca de 636 feridos, abrigados na figura jurídica da tentativa de homicídio.
Além de Bibiana, outros cinco moradores da Serra sobreviveram ao incêndio — a reportagem contatou três deles via redes sociais, porém apenas uma jovem respondeu e disse que preferia não se manifestar. Outros cinco moradores da região que estavam na boate não conseguiram se salvar.
"Não conseguia assimilar que era fogo", relembra jovem
As marcas que Bibiana carrega daquele 27 de janeiro estão gravadas, principalmente, na mente e no coração dela. Embora a farmacêutica não tenha ficado com sequelas ou grandes cicatrizes por conta das chamas (ela passou por acompanhamento com pneumologista enquanto esteve em Santa Maria e tem apenas duas pequenas marcas nas pernas que acredita terem sido provocadas pelo salto alto de outras mulheres que tentavam sair da boate), ela recorda bem como tudo aconteceu:
— Eu estava bem embaixo de onde começou (as chamas). Eu vi, mas não conseguia assimilar que era fogo. Era um clarão e foi muito rápido para a fumaça se espalhar. Eu caí próximo à porta de saída, tinha muito caco de vidro, foi um bombeiro que me tirou lá de dentro — lembra.
Bibiana acredita que o fato de ter frequentado a boate em outras ocasiões auxiliou para que ela conseguisse percorrer o caminho certo até a saída.
— Um pouco de noção eu tinha. Já sabia mais ou menos para onde ir. Mas aquele lugar era um labirinto, e ficou pior com a fumaça e o fogo — comenta.
SOBREVIVENTES DA SERRA
:: Juciane Bonella, de São Marcos
:: Thiago Romagna, de Farroupilha
:: Karine Ariotti, de Bento Gonçalves
:: Anderson Donatello, de Bento Gonçalves
:: Tiago Brezolin Ribeiro, Bento Gonçalves
:: Bibiana Meireles Cembranel, Bento Gonçalves
NÃO CONSEGUIRAM SE SALVAR
:: Ricardo Custódio, de Farroupilha
:: Susiele Cassol, de André da Rocha
:: Roger Dallagnol, de Paraí, namorado de Susiele
:: Felipe Vieira, de Caxias do Sul
:: Ana Caroline Rodrigues, de Esmeralda