A chegada de 27 de janeiro, data em que se completam dois anos do incêndio da Boate Kiss, inquieta os moradores da Serra que sobreviveram à tragédia. Cinco jovens da região morreram e seis resistiram aos ferimentos. Com a rotina retomada, estes remanescentes não se sentem confortáveis em relatar como foi que conseguiram sair da boate. Ainda assim, são unânimes em lembrar que a data não pode passar despercebida, já que a imprudência que motivou a barbárie não pode ser repetida.
Dos três jovens que o Pioneiro conseguiu contato, duas estudantes seguem a rotina de estudos em Santa Maria. Ainda que tenha voltado para a sala de aula há um ano e meio, Juciane Bonella, 23 anos, carrega fortes marcas da tragédia. A jovem, que é natural de São Marcos, passou por mais de 20 cirurgias desde a tragédia. As intervenções não foram suficientes para reparar completamente queimaduras que tomam parte dos braços e pescoço, e dificultam movimentos. Neste verão, no entanto, já encarou manga curta e biquini. Três vezes por semana vai à fisioterapeuta e ainda participa dos encontros com sobreviventes da Kiss. Na pauta das últimas reuniões, está a indignação quanto a possível realização de uma festa, marcada para hoje, para lembrar as 242 mortes. A futura médica veterinária é contrária à balada e encara como uma ofensa à morte das quatro melhores amigas.
- Eu reservo os dias 27 para rezar, pedir proteção e bênção aos meus amigos que morreram no incêndio. Neste 27 de janeiro, eu não quero ficar em Santa Maria - afirma.
A bento-gonçalvense Bibiana Meireles Cembranel, 22 anos, conseguiu sair da boate com todos os amigos que a acompanhavam.
Ela ficou internada por alguns dias em um hospital santa mariense, e passou por tratamento respiratório por dois meses. A estudante de farmácia ainda vive em Santa Maria com a avó, e diz que seu comportamento mudou bastante após a tragédia.
Bibiana afirma dar muito mais valor à família e amigos. Sai para festas com menos frequência e observa bem a estrutura de ambientes fechados antes de entrar. O dia 27 de janeiro também a deixa nervosa, mas agradecida por estar aqui para contar a história.
- Vai chegando perto e não tem como lembrar, parece que vamos viver isso de novo. Mas a gente dá agora muito mais valor aos bons momentos que passa, porque fica uma lição.
No dia a dia como bancário em Farroupilha, Thiago Romagna, 29, tenta não lembrar do incêndio que levou seu amigo Ricardo Custódio. Dias se passam sem que ele pense, mas eventualmente algo aparece e traz tudo à tona. Para ele, o dia 27 de janeiro marca a segunda chance que teve.
- Pra mim, é meu segundo aniversário, mas ao mesmo tempo é um dia de tristeza. Perdi um grande amigo, muita gente ainda sofre com isso. É um dia muito triste.
Sobreviventes
:: Juciane Bonella, 23 anos, de São Marcos
:: Thiago Romagna, de Farroupilha
:: Karine Ariotti, 21 anos, de Bento Gonçalves
:: Anderson Donatello, 21 anos, de Bento Gonçalves
:: Tiago Brezolin Ribeiro, 29 anos, Bento Gonçalves
:: Bibiana Meireles Cembranel, 22 anos, Bento Gonçalves
Mortos
:: Ricardo Custódio, de Farroupilha
:: Susiele Cassol, de André da Rocha
:: Roger Dallagnol, de Paraí, namorado de Susiele
:: Felipe Vieira, de Caxias do Sul
:: Ana Caroline Rodrigues, de Esmeralda