A data era 6 de setembro de 2000. Os moradores de Caxias do Sul, acostumados apenas com o carro, o táxi e os ônibus tradicionais como meios de transporte, ganhavam uma nova opção. Os táxis-lotação passaram a circular oferecendo um modal mais flexível, com linhas fixas, mas adotando qualquer ponto de parada no trajeto. Logo apelidados de "azuizinhos", os micro-ônibus tinham tarifa mais alta que o transporte coletivo tradicional. Em compensação, o passageiro viajava sentado, em ambiente climatizado e contava até mesmo com água gelada à disposição.
Essas características ajudaram a consolidar o serviço na cidade. Mais de duas décadas depois, porém, a realidade é bem diferente. Das quatro linhas que chegaram a circular, Aeroporto, Shopping, Rio Branco e Ana Rech, apenas as duas últimas permanecem em atividade, com seis carros cada uma. Até 2015, período considerado o auge do serviço, eram 21 micro-ônibus em circulação. Somente neste ano, segundo a Secretaria de Trânsito, um permissionário desistiu e outro teve a licença revogada porque não estava em operação.
A retração do serviço também é perceptível no número de passageiros transportados, que chegou a ficar na faixa de 230 mil por mês, com média de 11 mil a 12 mil por veículo. Atualmente, com os efeitos da pandemia, são cerca de 72 mil passageiros, com cerca de seis mil por carro. Em 2019 a média era de 8,5 mil passageiros por van ao mês.
A pandemia, contudo, é apenas a cereja do bolo de uma série de dificuldades e empecilhos que se abateram sobre o serviço desde 2010. Naquele ano, o município decidiu emitir permissões provisórias para os operadores a fim de não paralisar o serviço. Até então, os contratos em vigor eram questionados na Justiça sob o argumento de que a licitação original, do fim da década de 1990, beneficiou parte dos concorrentes. Uma nova tentativa de licitar as linhas ocorreu em 2014, mas o edital acabou revogado pela Justiça sob o mesmo argumento.
A permissão provisória é o principal motivo por trás das atuais condições do serviço. Os micro-ônibus são antigos — o último entrou na frota em 2008 — e somam altíssimas quilometragens. Essa realidade faz com que demandem manutenção frequente e não há veículos de reserva. Um dos veículos em piores condições é o 921, que opera a linha Rio Branco. As marcas do tempo são visíveis na parte externa, inclusive com desgaste junto à vedação do para-brisa.
Everton Luiz Pereira Silveira, 55 anos, é testemunha do auge e também da decadência do serviço, que luta para permanecer em atividade. Primeiro permissionário a colocar o micro-ônibus nas ruas e presidente da Associação Caxiense de Táxi-Lotação (ACTL), que completa 20 anos em janeiro, ele afirma que já houve tentativas de renovação da frota, sem sucesso devido às permissões temporárias. A partir de 2017, as dificuldades ficaram ainda piores, com o ingresso dos aplicativos de transporte, que geraram concorrência direta com as linhas urbanas.
— Com os aplicativos se chegou ao extremo do problema. Há estudos que apontam uma queda de 30% no número de passageiros no transporte coletivo de uma forma geral, não só em Caxias do Sul. Hoje estamos em uma situação de recomeço — observa.
Tarifa está defasada
Para que haja investimentos na frota e na qualidade do serviço ao passageiro é necessário investimento, principalmente no período atual, em que o preço dos combustíveis e outros insumos reduzem o lucro dos operadores. A realidade, porém, é muito diferente.
A legislação que regra o serviço de táxi-lotação determina uma tarifa 20% superior ao dos ônibus tradicionais, que atualmente está em R$ 4,75. A exigência foi mantida em uma revisão da lei em 2019. Na prática, porém, os azuizinhos operam com tarifa de R$ 4,50, valor solicitado pelos permissionários para manter a atratividade das linhas, mesmo abrindo mão de ganhos.
— Na última discussão da tarifa, no fim do ano passado, eu disse que não queria a tarifa a R$ 5,50 e sim R$ 4,50. A concorrência que temos hoje com os aplicativos não permite que se cumpra o que está previsto na lei. Não tem como concorrer — argumenta Silveira, que defende nova revisão da legislação.
A tarifa menor acaba, de fato, atraindo passageiros. É um dos motivos que levam a técnica de enfermagem Miriam Pereira Jalil, 54 anos, por exemplo, a dar preferência para o azulzinho quando precisa de transporte.
— É mais rápido, mais prático e são bem mais acessíveis que os motoristas (por aplicativo). Não posso me queixar da qualidade porque nunca deu problema com nenhum que peguei — destaca.
Já a diarista Luciana Vaz Oliveira, 47, destaca a flexibilidade dos pontos de embarque e desembarque.
— É ótimo pela agilidade, frequência e horários acessíveis. Em qualquer lugar pode parar e no verão tem ar condicionado — observa.
O ideal para os permissionários, segundo o presidente da ACTL, seria unificar as tarifas dos micro-ônibus e dos ônibus tradicionais, utilizando o mesmo cartão e integrando as linhas. Além disso, diante dos custos atuais, ele entende ser inevitável o subsídio do setor público aos serviços de transporte em massa.
— Os municípios que não subsidiarem não vão mais ter transporte — alerta.
Futuro passa por licitação
Garantir o futuro do serviço de táxi-lotação passa necessariamente por uma nova licitação. Tanto que a revisão da legislação realizada em 2019 teve o objetivo de modernizar as normas a fim de embasar o novo certame. Até agora, porém, o edital não foi lançado e a expectativa é de que a publicação ocorra até a metade do ano que vem.
Entre os motivos para a espera está justamente a mudança na legislação e a licitação do transporte coletivo, que demandou atenção dos técnicos da Secretaria de Trânsito nos últimos dois anos.
Além de formalizar novos contratos, a nova concorrência também deve deixar para trás o modelo em operação nos últimos 20 anos. A ideia é adotar vans menores, que proporcionam mais agilidade, e deixar de operar com linhas fixas. Dessa forma, os veículos passarão a circular em regiões da cidade e serão acionados por aplicativo, sem trajeto definido.
— Temos essa tecnologia tão presente na nossa vida que não tem por que trabalhar com linhas fixas — afirma o secretário Alfonso Willembring.
Conforme ele, as regras da licitação estão praticamente definidas, mas ainda é necessário formalizar o termo de referência, que servirá de base para a concorrência. Depois, será necessário debater a questão com o Conselho Municipal de Mobilidade, que demandará três ou quatro encontros. Por conta disso, Willembring descarta a publicação do edital ainda em 2021.
— Tem acompanhamento do Ministério Público sobre a licitação, já que a secretaria havia se comprometido a realizar. Quero a participação do conselho inteiro na construção do termo de referência. Queremos algo que venha a agregar — aponta o secretário.
Diante do cenário econômico gerado pela pandemia, o presidente da ACTL também entende não ser adequado realizar licitação antes de março de 2022, período em que as perspectivas apontam um retorno do fluxo à normalidade. Contudo, há uma discordância entre a secretaria e a ACTL em relação à tarifa. Ao contrário da associação, Willembring descarta unificar os valores ao transporte coletivo ou rever a legislação.
— Pensamos em um serviço diferenciado que justifique a tarifa mais elevada — destaca.