Apenas duas cidades gaúchas não registraram mortes por covid-19 desde o início da pandemia, Benjamin Constant do Sul, que fica na região Norte, e Novo Tiradentes, na região do Médio Alto Uruguai. Até a última segunda-feira (16), Guabiju, na Serra, também figurava nesta lista. Há cinco dias, o município com 1.490 habitantes, segundo o IBGE, lida com primeira perda em decorrência de coronavírus depois de um ano e cinco meses do registro do caso número um na região serrana.
O silêncio, comum nas cidades pequenas e de interior, era ainda mais marcante na Rua Izidoro Ferronatto, no centro de Guabiju, nesta semana. Era lá, em uma casa cor de rosa de material que Ana Marlene Crestani, 61 anos, viveu por 25 anos. Viúva, mãe de dois filhos, Lena, como era conhecida, se tornou a primeira vítima da doença na cidade. Familiares e vizinhos ainda tentam assimilar a partida da mulher, na segunda-feira, conhecida pela garra e vontade de viver. As amigas que moram na mesma rua optaram pelo silêncio, ainda muito abaladas.
O irmão, que prefere não se identificar, conta que ela nasceu em Ibiraiaras e se mudou ainda pequena para Guabiju. Ao longo da vida, lidou com problemas relacionados à diabetes e a problemas renais. Transplantada, ela sabia da necessidade de se cuidar para não ser infectada pelo corornavírus. Assim como os demais moradores da cidade, segundo a família, levava a sério o distanciamento e as medidas de higiene para combater o contágio.
O primo Cláudio Fusicner, 61, conta que ele e Lena cresceram juntos e que dela só tem boas lembranças. Sobre o contágio, acredita que ela foi infectada fora da cidade:
— Ela era uma boa pessoa. Brincalhona e muito divertida. Tinha muitos amigos. Ela se cuidava bastante. Penso que ela não pegou coronavírus aqui na cidade. Como ela tinha problemas de saúde, ia muito a médicos e hospitais em Caxias do Sul e Porto Alegre.
Na mesma rua, a cerca de 150 metros da casa de Lena, mora Berenice dos Santos Viera, 44. Emocionada, ela afirma que a irmã, que era a mais velha entre oito irmãos, deixa um exemplo de vida. Berenice também crê que o contágio foi fora de Guabiju.
— Ela era uma guerreira, lutadora. Era nossa mãe e nosso pai, a que mantinha todos unidos. Amava estar com a família. Adorava ir a bailes antes da pandemia e de ficar viúva. A gente deduz que foi fora que ela pegou porque ninguém da família teve covid-19. Ela voltou de Porto Alegre e teve sintomas. Meu irmão que estava na casa dela disse que ela andava mais cansada. Ela demorou a ter sintomas mais graves — conta, sem conseguir conter as lágrimas.
Devota de Nossa Senhora Aparecida e o pilar da família, contam os filhos
Ainda na juventude, Lena trabalhou por cerca de sete anos no campo. Já na cidade, foi funcionária de uma empresa de plástico e, depois, passou a se dedicar a cuidar da casa. Ao lado de Natal Crestani, que morreu de câncer há um ano e oito meses, ela criou os filhos Anderson, 36, e Nilmar, 32, que hoje moram em Paraí e Nova Prata, respectivamente.
— Ela era uma pessoa muito querida por todos na cidade. Gostava de todo mundo. A mãe estava sempre pronta para ajudar quem precisasse. Ela lutava pela vida com unhas e dentes para sobreviver. A mãe era forte e uma guerreira — lembra Anderson.
O irmão concorda e lembra com carinho que a mãe era devota de Nossa Senhora Aparecida e que não dispensava uma boa música e chimarrão.
— Mesmo com problemas de saúde, com dor, ela dizia que estava tudo bem. Era forte e vencia, mas infelizmente com a covid-19 ela não conseguiu. No tempo livre dela gostava de um chimarrão e de passar a tarde sentada em frente de casa —conta Nilmar.
1 ano e cinco meses sem registro de mortes por covid-19
Os representantes e os moradores de Guabiju atribuem a cinco fatores o fato da cidade ter passado mais de um ano sem registrar mortes por coronavírus, algo raro entre os municípios gaúchos. Primeiro, a maior parte dos moradores vive afastado do centro da cidade, no interior, o que evita a circulação de pessoas e, consequentemente, o contágio. A área central estava praticamente deserta na manhã desta quinta-feira (19), com poucos carros passando pela rua.
Os demais pontos são: respeito ao distanciamento físico e aos protocolos, como uso de máscara e higiene das mãos, controle das aglomerações, busca ativa eficiente em casos suspeitos e, claro, sorte. Para se ter uma ideia, a cidade vizinha, São Jorge, com 2.816 habitantes, segundo estimativa do IBGE, registrou 11 mortes devido a complicações da doença.
Até o momento, em Guabiju foram registrados 222 casos de coronavírus, sendo os primeiros identificados em junho do ano passado. Hoje há um caso ativo e três pessoas estão em isolamento, segundo a prefeitura. O público que está sendo vacinado na cidade é o de jovens de 20 anos. De acordo com o vacinômetro da Secretaria Estadual de Saúde (SES) foram destinadas 2.042 doses de vacinas para o município. Até agora, 1.939 foram aplicadas, sendo que 1.254 pessoas já receberam a primeira dose do imunizante, o que equivale a 83,4% da população. Destas, 812 já completaram o esquema vacinal ou receberam dose única.
Dos 222 casos registrados de coronavírus em Guabiju, além de Lena, que não resistiu, um paciente na faixa dos 40 anos precisou ser internado em UTI. Ele foi entubado, mas se recuperou. Outros tiveram que ser internados, mas nenhum outro evoluiu com gravidade.
— Nós temos aqui obediência ao distanciamento e regras para evitar o contágio. A maioria dos moradores é mais velho e o município é pequeno, por isso é mais fácil de conter aglomeração. Além disso, temos atuado fortemente na busca ativa quando há sintomas detectados. Sabemos que contamos também com a sorte — aponta José Cavagnolo, Diretor da Unidade Básica de Saúde de Guabiju.
Ele conta que Lena procurou atendimento médico no dia 3 de agosto. Dois dias depois foi internada em Nova Prata e, depois, transferida para Caxias. Ela passou oitos dias na UTI.
— Todos lamentamos muito essa perda e sabemos da necessidade de manter os cuidados. Estávamos nos preparando porque sabíamos que um dia, infelizmente, aconteceria conosco também — lamenta.
A secretária da Saúde e Assistência Social de Guabiju, Luciane Lunardi Costenaro, também se solidariza com a família.
— A comunidade tem que manter todos os cuidados, redobrar a atenção aos protocolos e se cuidar — pede Luciane.
Serviços de Saúde
Guabiju conta com a Unidade Básica de Saúde e com o hospital Beneficente São Pedro, que é de pequeno porte. Em casos mais graves, o paciente é encaminhado para Nova Prata, que fica a cerca de 45 quilômetros.