O frio e a neve desembarcaram na Serra gaúcha pelos Campos de Cima da Serra, mais especificamente em duas cidades que tem histórias unidas: Bom Jesus e São José dos Ausentes. Elas fogem do estilo de Gramado e Canela, tão conhecidas no Brasil e que reúnem milhares de visitantes anualmente. O frio não leva os turistas ao centro da cidade e às tradicionais fotos ao lado dos termômetros. Os dois municípios vivem situações distintas entre si, porque recebem públicos diferentes. Por isso, muitas vezes o frio vira um empecilho.
Na noite da última segunda-feira (28) se tinha a expectativa por neve, mas a praça de Bom Jesus estava completamente vazia. Sequer passavam cachorros. A única movimentação era de motoboys de uma lancheria que fica na rua central. Em cerca de duas horas, dois carros pararam próximos ao termômetro digital para tirar fotos da temperatura em -1ºC, sem descerem dos veículos. Isso se justifica porque a cidade não tem grandes atrativos na área urbana. Tudo gira no interior.
— O nosso turismo é rural. Vocês não vão encontrar pessoas andando na rua porque não tem nenhum atrativo. Agora que deram uma melhorada na praça. O que a gente nota é que o turismo rural e o de cachoeiras são os que têm dado bastante gente. Eventualmente tem algum grupo que fica aqui — explica Sandra Grazziotin, 62 anos, proprietária do Hotel Angelina, no centro.
Os clientes de Sandra são compostos por pessoas que estão no município a trabalho. Ainda assim, ela recebe grupos que estão em viagens de bicicleta e que chegam para ingressarem na natureza do município. Alex Boeira é guia turístico e proprietário da Agência Circuito Cânions e Cascatas. O público que atende vem aumentando pelos roteiros na área rural. São nove quedas d'água, com trilhas de diferentes níveis, e nesse caso o frio acaba sendo até um certo empecilho.
— Durante a pandemia, acho que cresceu o fluxo, porque aumentou muito a procura pelo turismo de natureza e contemplação. Essa é nossa expectativa, que o mercado vá para esse lado, ao ar livre — destaca Boeira.
Ainda assim, a cidade sabe que precisa expandir mais o marketing turístico. Adriana Vieira Varella, secretária de Turismo, ressalta que divulgar mais Bom Jesus é o grande desafio. Importância que dobra de tamanho com a pavimentação asfáltica da BR-285, pela Serra da Rocinha, na divisa entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
— Temos um pacote completo, mas falta visibilidade. Estamos nos preparando para isso. Chamar o turista para viver o que temos, principalmente nesse momento de pandemia. Trazer as pessoas para a natureza tão preservada é uma dádiva — afirma Adriana.
A aposta neste momento é o lançamento da Rota Turística e Cultural Caminhos das Tropas, no dia 15 de julho. Os corredores por onde passavam os tropeiros do Cone Sul rumo ao centro do Brasil ainda estão preservados e serão o chamariz do município, unindo história e paisagens de Bom Jesus. A neve e o frio serviriam como um atrativo a mais em meio a paisagem dos pontos mais altos do Rio Grande do Sul.
Cânions, o grande atrativo de Ausentes
Outro ponto que pesa contra o turismo de Bom Jesus é justamente a emancipação de São José dos Ausente, em 20 de março de 1992. Afinal, os cânions ficaram localizados na cidade recém emancipada. A imponência da Serra Geral, que divide Rio Grande do Sul e Santa Catarina, é um atrativo natural e que recebe pessoas de muitos locais do país. Só que, a exemplo da cidade vizinha, você não encontrará turistas circulando pelo centro. Exceto aqueles que não conseguiram reserva nas pousadas.
— Temos dois hotéis (no centro), mas as hospedagens são, na maior parte, em área rural porque os atrativos estão lá — ressalta Aline Ramos, secretária do Turismo de Ausentes.
Os cânions são um atrativo tão grande, que os que buscam vagas nos aplicativos de hospedagem não irão encontrar nem 30% do total existente. A clientela está fidelizada e também é quem realiza o marketing das pousadas mais próximas aos cânions.
— A maioria que chega aqui é pelo boca a boca. A gente ouve: "meu amigo vem aqui há muito tempo, disse que era muito bom". Nós também usamos a publicidade de Facebook e Instagram, que ajudam bastante — relata Guilherme Velho Vieira, 22, da Pousada Fazenda Aparados da Serra.
De maio até a metade do mês de agosto, as vagas estão lotadas no empreendimento, que fica a três quilômetros do Cânion Montenegro, ponto mais alto do Estado (1.403 metros). O local pode receber 20 casais, mas na pandemia são apenas 16. Com a diária na faixa de R$ 250, podem ser encontradas vagas de terça a quinta-feira, já que nos outros dias a procura aumenta. Além de todas as refeições, os visitantes ainda fazem passeios a cavalo pela região dos cânions e pelas trilhas, na propriedade de 47 hectares. Nesse caso, o segundo grande atrativo é o frio.
— O frio se une com a beleza e forma essa paisagem, que é inigualável — resume Guilherme.
De certa forma, as duas cidades andam juntas. O guia Alex Boeira entendeu bem isso e vende passeios combinados. Afinal, segundo ele, não existem passeios que sustentem turistas dois dias na mesma cidade. Assim, é melhor reunir os municípios em um e conseguir atrair mais clientes. Para os interessados em tentar a sorte em achar uma vaga em Ausentes durante o inverno, o caminho mais fácil é através da secretaria de Turismo.