Os 131 anos de Caxias do Sul, comemorados neste domingo, carregam consigo um tema que ganhou ainda mais evidência na rotina dos caxienses desde o início da pandemia: a solidariedade. Não é de hoje que o olhar para o outro integra a vida dos moradores da cidade. Desde meados do século 19, durante a chegada dos primeiros imigrantes, o comportamento empático e colaborativo se mostrou fundamental para criar relações e contribuir para a construção de serviços que facilitam até hoje a vivência em sociedade no município.
Independentemente da época ou o número de habitantes, o fato é que o caxiense não mede esforços quando é solicitado a ajudar o próximo — exemplos estão em toda a parte, desde serviços prestados por entidades e pelo poder público diariamente, até ações pontuais realizadas por voluntários em regiões carentes, ou ainda em em situações inesperadas como incêndios e alagamentos, por exemplo.
Para a professora e pesquisadora da Universidade de Caxias do Sul (UCS) Vania Beatriz Merlotti Herédia, a colaboração entre os imigrantes que chegavam na região não era definida exatamente como o termo solidariedade usado nos dias atuais.
— O que os italianos tiveram no começo da ocupação dessas terras foi mais um espírito associativo, que pode ser um tipo de solidariedade no sentido de ter um elemento comum, que era o de ocupar a terra. Eles precisavam se unir para garantir que seus objetivos fossem atingidos. Com essa questão do espírito associativo aparece uma característica que é o processo de cooperação, ou seja, os imigrantes têm uma visão comum daquilo que eles querem no Brasil, uma vez que todos partem de uma sociedade por motivos semelhantes, que era enfrentar a fome e a miséria. Como eles enfrentam situações muito parecidas, eles se unem no sentido de grupo étnico, mesmo que viessem de lugares distintos. Então, essa solidariedade tem várias formas de se manifestar — explica a pesquisadora.
Vania também observa que o espírito religioso e a visão de trabalho foram fundamentais para estabelecer vínculos entre os moradores ao longo da história de Caxias do Sul:
— A cidade tem uma população que é marcada por elementos identitários muitos fortes, os quais vão favorecer essa integração e manifestações de solidariedade. Uma delas seria até o próprio espírito religioso. Eles (imigrantes) estão unidos por crenças comuns que os conforta e por devoções, muito importantes na cultura italiana. Além disso, eles têm a mesma visão acerca do trabalho, que favorece uniões no sentido de construções coletivas, de espaços comuns, enfim, onde as iniciativas solidárias atinjam seu propósito — aponta a professora.
De hobby à ação social, com toneladas de itens doados
A solidariedade é expressada de diversas formas, nos mais diferentes meios. Os formatos mais tradicionais têm vínculos com áreas do poder público ou com entidades voltadas aos assistencialismo. Mas há quem busca suas próprias ferramentas para ajudar o próximo. Assim, o voluntariado se torna essencial para o andamento de uma sociedade mais empática e que consegue ter um olhar mais sensível à vulnerabilidade do outro.
Em Caxias, um grupo resolveu reunir a paixão pelo motociclismo com um propósito social. Desta forma, nasceu o Motos Solidárias com o intuito de recolher e doar para entidades itens como alimentos, roupas, produtos de limpeza e higiene.
Criado em 2020, durante a pandemia, o grupo reúne mais de 25 motoclubes, totalizando mais de 300 voluntários. Embora jovem, o projeto já está bem consolidado: só neste ano foram arrecadas mais de 4,5 toneladas de alimentos e 1,5 tonelada de roupas e fraldas descartáveis. As doações são organizadas e repassadas para mais de 10 instituições cadastradas, entre elas a Escola Municipal Paulo Freire e a Casa Anjos Voluntários.
— Estávamos conversando e surgiu a questão de usarmos esse bom relacionamento (entre os motoclubes) para fazer o bem para alguém. E aí surgiu o Motos Solidárias, cujo objetivo não é auxiliar uma pessoa física, mas, sim, entidades que cuidam de pessoas, desde crianças até idosos. Com o projeto feito, nós fomos à prefeitura e eles nos cederam a Praça Dante para fazer um evento, que aconteceu no mês de agosto. Fizemos dois passeios e, no final do dia, havíamos arrecadado seis toneladas de alimentos e quatro toneladas de roupas. Enchemos um ônibus — conta o coordenador do Motos Solidárias, Adriano Souza.
Motivados pelo resultado da primeira ação, o grupo deu continuidade aos trabalhos sociais a partir de março deste ano, com o encaminhamento de cestas básicas, roupas e materiais de higiene, entre outros, para as entidades cadastradas.
A próxima grande mobilização ocorrerá no dia 17 de julho, na Praça Dante Alighieri, das 9h às 17h, no formato drive-trhu. No dia, será possível doar agasalhos, comida, fraldas descartáveis e produtos de higiene e limpeza. Além da arrecadação de doações, os motociclistas farão dois passeios em comboio, às 9h e às 16h. As duas voltas pela cidade terão o acompanhamento da Secretaria Municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade (SMTTM). A expectativa é reunir mais de 300 motociclistas, respeitando as regras de combate à pandemia.
"O caxiense é muito proativo", avalia presidente da FAS
Se Caxias é reconhecida por ser uma cidade do trabalho, também pode ser uma boa representante da solidariedade — característica que ganhou ainda mais sentido desde o início da pandemia. Inúmeras são as ações em prol de pessoas, entidades e instituições de saúde, que ainda sofrem com as consequências da crise sanitária.
— Caxias é uma cidade extremamente solidária, principalmente quando acontecem algumas situações. Na pandemia isso foi muito visível; no início, mexeu muito com as pessoas — diz a presidente da Fundação de Assistência Social (FAS), Katiane Boschetti da Silveira.
Um dos episódios mais recentes, lembrados por Katiane, se refere ao incêndio que destruiu quatro moradias no bairro Serrano na noite do último dia 11 e se tornou um exemplo de mobilização em benefício das famílias atingidas:
—Nessas situações, o caxiense é muito proativo. Imediatamente que ocorreu esse triste caso do incêndio eu já percebia as pessoas se articulando para fazer as doações. Eu estive no local, no dia seguinte, chegavam moradores querendo doar e se organizando para ajudar — conta Katiane.
A presidente da FAS aproveita para reforçar que as famílias ainda precisam de itens como colchões, cobertores e roupas de cama. As doações podem ser combinadas com a presidente da Associação de Moradores do Bairro Serrano, Justina Rech Ribeiro, pelo telefone (54) 99200-5397.
Voltando um pouco no tempo, entre março e maio de 2020, outra ação solidária teve resposta positiva e imediata da comunidade. Pela primeira vez, os Pavilhões da Festa da Uva se tornaram abrigo para pessoas em situação de rua. O projeto, uma das medidas para garantir a saúde de homens e mulheres sem moradia e conter a propagação do coronavírus, chegou a acolher simultaneamente 220 pessoas. Manifestações de solidariedade não faltaram: de doações de alimentos e roupas, até quem se propôs a preparar a janta com direito a sobremesa.
— Foi um momento importante de bastante solidariedade na nossa comunidade. Diante daquele cenário de intervenções restritivas de saúde e de isolamento social, a sociedade passou a conhecer mais o trabalho da FAS com as pessoas em situação de rua ou desabrigo e, a partir disso, as doações passaram a ser entregues diante da demanda que era atendida. Em sua grande maioria, roupas e alimentos — conta a diretora administrativa Geórgia Ramos Tomasi, que participou da ação pela Secretaria de Segurança Pública e Proteção Social, onde trabalhava.
Programação Semana de Caxias
Pedágio Solidário
O quê: arrecadação de alimentos não perecíveis para o Banco de Alimentos e distribuição de mudas de flores.
Quando: sábado, das 9h às 13h, no formato drive-thru.
Onde: Praça Dante Alighieri, em frente à Catedral.
Feira do Vinho
O quê: vinhos produzidos pelas vinícolas da cidade com valores especiais. Haverá também Feira Solidária com ponto de arrecadação de alimentos.
Quando: até domingo, das 9h às 19h.
Onde: Praça Dante Alighieri.