Em breve, a Viação Santa Tereza (Visate), além do transporte coletivo urbano, ficará responsável por transportar os passageiros do interior ao centro de Caxias do Sul pelos próximos 15 anos. O serviço chamado de intramunicipal foi incluído na mesma licitação que teve a empresa como única candidata e vencedora. Mas, nem a prefeitura nem a concessionária sabem ainda como ele vai funcionar.
O secretário de Trânsito, Transportes e Mobilidade Urbana, Alfonso Willenbring, disse que vai iniciar uma série de reuniões nos distritos para ouvir a população sobre a demanda de público, trajetos e horários. Ele explicou que, de acordo com o novo contrato, a Visate tem 90 dias, prorrogáveis por mais 30, para assumir os serviços. Na área urbana, a partir desta quinta-feira (13), ocorrerá apenas a continuidade do que existe, ou seja, não será preciso utilizar esse prazo. Mas, no caso do transporte intramunicipal, por ser um serviço novo, esses meses são necessários para adequar o modelo.
— Vamos tecnicamente construir a melhor forma de distribuição de linhas e rotas que não necessariamente será igual a que existe hoje — ponderou Willenbring.
Outro ponto a ser verificado é se a Visate pode optar por terceirizar as linhas no interior. Nesse caso, a concessionária responderia pela prestação do serviço, mas poderia manter outras empresas na execução.
Por meio da assessoria de comunicação, a Visate informou que o serviço foi incluído dentro do novo edital e não era realizado antes pela empresa, que tem prazo para se adaptar. Disse ainda que ter a proposta consolidada de operação para o intramunicipal não era necessário para concorrência, visto que a construção só pode ser realizada em conjunto com a Secretaria de Trânsito, que é quem tem os dados necessários para definição da operação e o compartilhamento desses dados ocorre apenas após o resultado da licitação, com a empresa ganhadora.
Os atuais contratos, segundo o secretário, venceram no ano passado e foram estendidos de forma precária até a conclusão do certame encerrado neste mês. A licitação anterior ocorreu em 2010. Cinco linhas estão em operação: Criúva, Santa Lúcia do Piaí, Fazenda Souza, Vila Oliva e Loreto, sendo esta última já sob responsabilidade da Visate. As tarifas variam, conforme a linha, de R$ 5,50 a R$ 25.
Cladecir Kich, 47 anos, é motorista da Expresso Santa Lúcia há 12 anos. Com a profissão, conseguiu adquirir alguns bens e garantir o sustento da esposa e dos dois filhos, uma menina de 18 e um menino de sete. Ele se considera um condutor exemplar e experiente, mas pensa no que fará se a empresa deixar de prestar o serviço:
— Vou ter que correr atrás. De repente, tentar uma vaga em caminhão. Trabalho só nessa área e gosto do que faço. Vou tentar procurar uma outra vaga de motorista.
Outro serviço de transporte que terá mudanças no município é o seletivo urbano. A prefeitura pretende lançar, no segundo semestre deste ano, o edital para licitação do táxi-lotação.
Empresas que fazem transporte para o interior dizem que serviço é deficitário
Quem atende as comunidades do interior atualmente diz que não pretende seguir por mais tempo, mesmo que exista a possibilidade de a Visate terceirizar essas linhas. Os representantes das empresas alegam que o serviço é deficitário: tem poucos passageiros, a maioria do público é composta por idosos que têm gratuidade e não há subsídios por parte do município, o que acaba gerando prejuízos.
Os empresários do setor elencam os fatores que contribuíram ao longo dos anos para que o serviço fosse minguando. Grande parte dos moradores do interior migrou para a área urbana da cidade e, entre as pessoas que ficaram na zona rural, são poucas as que não têm carro para o deslocamento. O asfaltamento das estradas também ajudou. Mas o golpe fatal, segundo os empresários, foi o fato de a prefeitura ter separado o transporte escolar das linhas regulares. Sem os estudantes, os ônibus ficaram praticamente sem público.
— Na medida que a Smed (Secretaria Municipal de Educação) colocou um serviço porta a porta, a linha regular entrou em colapso. É um serviço deficitário, com muitas gratuidades e tarifa alta. Então, se torna inviável. Hoje, temos 60% dos ocupantes como não pagantes. Assim, não tem serviço que resista — declarou Eduardo Michelin, da Expresso São Marcos que faz a linha Criúva.
No dia 5 de maio do ano passado, quando venceu o tempo do contrato, o empresário Edani Gardelin Rodrigues, 69 anos, da Danytur, não pensou duas vezes, entregou o serviço à prefeitura.
—Realizamos esse serviço desde 1985 até 2020. Essa linha já vinha com uma deficiência muito grande de usuários. Para piorar, em 2010, a prefeitura nos notificou para dar gratuidade para pessoas acima dos 60 anos. Aí, a receita caiu lá embaixo. Imagina. Interior só tem pessoas de mais idade. Cada três, dois não pagavam. Sem receita não tinha como continuar. Aguentamos o prejuízo para cumprir o contrato. Mas tivemos que entregar. Não teve outra saída. A pandemia veio a piorar mais ainda. Esses transportes no interior estão todos condenados à morte — desabafou.
Segundo informações extraoficiais, a linha intramunicipal com mais passageiros é a de Fazenda Souza. Porém, a empresa responsável pelo trajeto, a Expresso Santa Lúcia, diz que não tem os dados e a prefeitura informou que não há controle nesse itinerário. Nas demais, o fluxo médio de passageiros é de 10 pessoas ou menos por dia, de acordo com o que informou a prefeitura. O itinerário com maior índice de gratuidades é o de Criúva, com 60% de pessoas acima dos 60 anos e que, por isso, não pagam tarifa. No outro que têm esse controle, o de Vila Oliva, a taxa é de 30%. No de Loreto, a prefeitura disse que não há gratuidades e, nos demais, não há essa informação.
— A tendência é que essas linhas acabem terminando — concluiu Boff.
Como é hoje
:: Criúva-São Jorge da Mulada: Expresso São Marcos; tarifa R$ 25 e R$ 22, respectivamente; 60% do público é de idosos com gratuidades; a média é de 10 usuários por dia; cerca de 65 quilômetros.
:: Vila Oliva: Transtur; tarifa R$ 10,35; 30% de idosos com gratuidades; média de 10 usuários por dia; cerca de 40 quilômetros.
:: Loreto: Visate; R$ 8; sem gratuidades; média de 5 usuários por dia; cerca de 20 quilômetros.
:: Santa Lúcia do Piaí: Expresso Santa Lúcia; R$ 10; não há controle de número de passageiros neste itinerário; são cerca de 35 quilômetros.
:: Fazenda Souza: Expresso Santa Lúcia (assumiu há cerca de dois meses); R$ 5,50; não há controle de número de passageiros neste itinerário; cerca de 47 quilômetros.
Fonte: Secretaria de Trânsito, Transportes e Mobilidade e empresas.
Empresas prestam serviço há gerações
Os empresários que fazem as linhas do interior dizem que ainda resistem na atividade para manter o negócio administrado pelas famílias há décadas. É o que conta Joceli Egídio Boff, 59 anos, sócio da Expresso Santa Lúcia. Esta é a terceira geração à frente da empresa e do transporte de passageiros do distrito de Santa Lúcia do Piaí até a área central de Caxias.
— Achei uns documentos antigos de um empréstimo que foi feito em 1947 para compra de ônibus. Meu avô, com meu pai e meu tio fundaram a empresa. Mas a linha é deficitária há muito tempo. Um dos motivos que fazem com que a gente continue é que faz mais de 70 anos que está na família. Fica mais a questão sentimental do que qualquer outra — disse o empresário.
A Expresso São Marcos faz o trajeto de Criúva ao Centro há mais de 60 anos. Quando assumiu a linha, havia ônibus todos os dias, atualmente, é uma vez por semana, saindo pela manhã e retornando à tarde.
— Estamos pagando para fazer o serviço. Se não tiver uma readequação das gratuidades, não tem quem resista. Teria que ter um limitador de idosos por horário e uma faixa de renda para o benefício — ponderou o diretor da empresa, Eduardo Michelin.
Carlos Rogério Raimann, 60, relata que a família trabalha no transporte de passageiros do distrito de Vila Oliva há mais tempo do que ele tem de vida. Começou com o pai dele e o tio e, de 12 anos para cá, seguiu sendo feito pela Transtur, empresa da qual é sócio. São quatro horários (dois de ida e dois de volta) todos os dias da semana.
— Já chegamos a ter o dobro de horários, mas em função de gratuidades, onde temos que transportar quase todo mundo de graça, sem nenhuma ajuda da prefeitura, acabamos tendo que reduzir, porque trabalhar só com prejuízo não tem como. Não abandonamos o serviço, justamente, por fazer há mais de 60 anos, porque meu pai fez, meu vovô fez... — comentou Raimann.