As subnotificações de mortes por coronavírus são uma realidade mundial e calculadas de várias formas. No Brasil, um estudo norte-americano do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME) revelou que o país teria 46% de óbitos que não foram registrados. No entanto, existem pesquisadores brasileiros que também estudam o assunto e projetam um cenário diferente. O engenheiro e professor Miguel Angel Buelta Martinez acredita que os índices são de 38% de mortes não incluídas como coronavírus, o que daria ao Brasil uma estimativa, hoje, de 601.336 vítimas. Essa variação tem peculiaridades para cada Estado, sendo que o Rio Grande do Sul teria umas das menores taxas.
Dados do Conselho Nacional das Secretarias de Saúde (Conass) apontam que em território gaúcho as subnotificações estariam entre 3% e 5%, o que representaria entre 28 mil e 33 mil mortos – oficialmente são 26.724. No Nordeste gaúcho, a estatística estaria entre 2,8 mil a 3,3 mil – o levantamento do Pioneiro aponta 2.673. Essas mortes não contabilizadas podem estar registradas como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) ou oficializadas pelos municípios e nunca terem entrado na contagem.
— Nosso sistema tem se mostrado muito bom. A gente não quantifica exatamente, mas o Conass fez uma projeção para os óbitos esperados no ano e o excesso de mortes. Isso mostra que conseguimos quantificar praticamente todos. O IHME fez um estudo relatando que boa parte dos países teria 50% a mais de óbitos. Mas o Rio Grande do Sul está naquela faixa de 1 a 1,25 casos notificados para não notificados — explica Suzi Camey, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro do comitê científico do Estado.
São Francisco de Paula é um caso que chama atenção. Segundo dados municipais, foram 42 mortes por coronavírus. Porém, apenas 28 foram contabilizadas pela Secretaria Estadual da Saúde (SES). Dos 65 municípios da região, é a maior discrepância. Mas existem outros casos. Em Campestre da Serra, a única morte foi registrada em 8 de março e, até o momento, não foi oficializada. O mesmo ocorre com André da Rocha: a morte de 28 de abril também não consta na estatística. Por isso, as subnotificações de mortes acompanharão a pandemia por muito tempo.
Brasil pode ter mais de 600 mil vítimas
O professor Miguel Angel Buelta Martinez, 70 anos, é formado em engenharia naval e chefe do departamento de estrutura e geotécnica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Como todo brasileiro, ele teve a rotina alterada e foi colocado em home office. Aí inicia seu vínculo de forma presente com a pandemia. Em conversa com amigos médicos, Martinez começou a estabelecer cálculos matemáticos para auxiliar na compreensão e projeção da pandemia.
Ele observou a preocupante subnotificação de mortes e ingressou na Rede Análise Covid-19. Os cálculos mostraram que as estatísticas oficiais eram bem diferentes da realidade.
— Arrumei um método que é irrefutável. A gente pega as tabelas fornecidas pelo SUS, você tem a tabela de óbitos por síndrome respiratória aguda grave e, ao lado, tem a coluna que especifica covid. Só que isso vem sendo atualizado de forma retroativa. Geralmente, a tabela de 60 dias para trás é a final. Então, o que acontece? Nessa coluna por SRAG e por covid tem diferença. Você retroage aos anos anteriores e os números são assustadores — explica o professor.
Martinez acredita que hoje a subnotificação brasileira reduziu de 50% para 38%, mas observa que vai demorar um bom tempo para que se tenha uma noção do impacto da pandemia no Brasil. Nos cálculos do professor, 2020 teve mais 73 mil mortes por covid, que não entraram nas estatísticas. Para isso, ele considerou que em 2019 o Brasil perdeu 5.276 pessoas para doenças respiratórias. Levando-se em conta que, no ano passado, a maior parte da população reduziu a circulação, impedindo a proliferação das gripes, só um vírus circulou com força: o Sars-Cov-2. Por isso, a subnotificação é muito clara.
— Fiz o cálculo para 2020. Sobraram muitos óbitos e que não foram covid. Se tiro todos os 5.276 de 2019, ainda sobra muita coisa. Seriam 73.655 óbitos. E não tem identificação. Ora, se em 31 de dezembro se tinha um número determinado de mortes por covid, temos 73 mil que foram para o nada — complementa Martinez.
O professor acredita que só em cinco anos se saberá o real impacto do coronavírus no país. Isso porque, além das mortes subnotificadas, existem pessoas que foram hospitalizadas por covid, consideradas recuperadas e que morreram por outras complicações surgidas a partir do vírus. São muitas variáveis para compreender como a maior crise sanitária dos últimos 100 anos atingiu o mundo.